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Leonardo Rodrigues

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como começar uma coleção de LPs sem passar vergonha (mas, se quiser, pode)

A bunda de Bruce Springsteen na capa de "Born in the U.S.A.", que não foi escolhido como álbum obrigatório pela Amoeba Music, mas que poderia ser - Pexels
A bunda de Bruce Springsteen na capa de "Born in the U.S.A.", que não foi escolhido como álbum obrigatório pela Amoeba Music, mas que poderia ser
Imagem: Pexels

Colunista do UOL

23/06/2021 04h00

Se o leitor acompanha semanalmente esta coluna, já deve ter lido sobre como escolher um toca-disco, como comprar nossos caros LPs sem se sentir enganado e sobre como é possível limpá-los de um jeito excelente e pouco convencional.

Mas talvez uma pergunta (na verdade duas) ainda esteja pairando sobre algumas cabeças: "Tá, e agora, seu 'cringe'? Como faço então para começar uma coleção decente?".

Parafraseando o gênio mineiro Carlos Drummond de Andrade, grande apreciador musical e quem já teve obra lançada em vinil, eu responderia sem pestanejar.

E agora você, seu novo jovem!

Uma óbvia constatação: não existe cartilha nesse assunto. Só quem gosta sabe de suas próprias preferências e do tipo de música que desejaria possuir fisicamente e ouvir.

Aliás, ouça, por favor. Disco não é só enfeite.

Mas, diante da recente escalada inflacionária do vinil, eu seguiria (como ainda sigo) duas diretrizes centrais.

  1. Não comprar qualquer coisa, em qualquer estado de conservação, só para fazer volume na estante e mostrar o quão descolado você é. Faz mais sentido gastar com o que realmente exerce significado sobre sua nobre existência.
  2. Seguindo a linha do essencial, preferir discos "clássicos" --observe que esta definição pode variar-- ou aqueles que representem um estilo, um artista, uma época. Afinal, há obras que sintetizam e dialogam com inúmeras outras dentro de si.

Isso posto, também dá pra substituir todo esse papinho numerado por uma boa curadoria, por exemplo.

E uma das que mais gosto foi criada pela Amoeba Music, a loja de discos mais famosa do mundo, e publicada na Music We Like, a revista/zine semestral produzida por funcionários que é distribuída a visitantes.

Peguei meu exemplar quando a visitei em março de 2020, dias antes de a Amoeba —e o mundo; o mundo sério— fechar em razão da pandemia e reabrir este ano em novo endereço em Los Angeles. Contei um pouco desta história aqui no UOL.

Esse checklist de colecionares feito pela Amoeba, um generoso "starter pack", elenca mais de 300 títulos de gêneros e eras variadas, que prefiro não transcrever por motivos de espaço. Mas dá para consultá-lo neste link via pdf gratuito, a partir da página 123.

Muito Dylan, Led Zeppelin, Beatles, Rolling Stones, Velvet Underground e Springsteen. Todo um cânone pop de respeito e verniz de "obrigatório".

Checklist de discos da Amoeba - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Eu mesmo fiz o checklist e bati 63 discos na minha coleção, o que me frustrou. Não que me interesse pela loucura que seria garimpar por todos eles, nem tenho espaço para isso, mas há claramente um longo caminho a ser percorrido. Essa parte, aliás, a do despertar do desejo colecionista, é justamente uma das coisas mais prazerosas e atraentes do colecionismo.

Mas voltando: o fato é que, apesar de salutar, a iniciativa da Amoeba padece de limitações

Porque é uma seleção pinçada por americanos para ser consumida por público, em geral, americano, com artistas em esmagadora maioria nascidos nos Estados Unidos e Reino Unido. Falta diversidade.

A música brasileira, por exemplo, só foi lembrada duas vezes, com a bossa tipo exportação "Getz/Gilberto" (1964) e "Os Mutantes" (1968), estreia da banda que já tanto foi incensada por gente como Kurt Cobain.

Se a ideia é ampliar horizontes, eu recomendaria beber também de outras fontes para começar a coleção. Pensando em Brasil, uma bem abrangente e satisfatória é a dos cem melhores discos da música brasileira publicada em 2007 pela revista Rolling Stone.

"Acabou Chorare" (1972), dos Novos Baianos, "Tropicália ou Panis et Circencis" (1968), do combo tropicalista, e "Construção" (1971), de Chico Buarque, encabeçam a lista. Mas ela vai quilômetros além de álbuns fáceis e serve como ótimo guia prático.

Agora, seu maior sonho é mergulhar nas trilhas de novela da sua infância, dissecar a discografia de Kaoma e Balão Mágico e se entregar ao pop teen do álbum "Dominó" (1986)? Não há problema nisso. Eles custam muito menos em sebos, inclusive.

Como já mencionei anteriormente, o importante mesmo é continuar tocando seu disco, seu CD, sua fita K7 e o streaming que roda no seu celular e mentalmente no interior do seu cérebro. A música não pode parar.

E até o próximo post.