'Já parei uma transa para decorar texto': Nany People sobre amor ao teatro

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Nany People é mais do que uma artista multifacetada. É símbolo de resistência, reinvenção e coragem em um país que ainda luta para reconhecer plenamente a diversidade. Em um bate papo emocionante e recheado de memórias, ela refaz sua trajetória com franqueza, humor e sensibilidade.
Entre reflexões sobre identidade, arte, ativismo e perdas, Nany refaz os passos que a transformaram em uma das figuras mais respeitadas da cultura brasileira. Ouvi-la é uma oportunidade de celebração da vida, de persistência e do poder de se reinventar aos 30, 40, 50 ou 60 anos.
Infância e autodescoberta
Nany relata que desde criança nunca se identificou com o universo masculino. Aos 11 anos, foi levada ao psiquiatra devido ao que diagnosticaram como "disfunção social", mas encontrou apoio incondicional de sua mãe, a quem credita boa parte de sua força e estrutura emocional.
Durante a adolescência, chegou a tomar hormônios masculinos para tentar se adequar às expectativas sociais, o que atrasou sua transição. "Eu nunca me senti um menino. Desde criança eu me sentia mulher".
Transição e início da carreira
Foi em São Paulo, na rua São Caetano, que Nany teve contato com outras pessoas trans e entendeu que não era apenas um homem gay, mas uma mulher transexual. Ainda assim, teve receio de se limitar profissionalmente à noite ou ao ramo de beleza.
Com determinação, começou como camareira, passou pela bilheteria e administração, até estrear como atriz. Sua transição completa ocorreu mais tardiamente, aos 30 e poucos anos, quando afirma ter reivindicado sua sexualidade e seu prazer. "Foi quando eu virei de ser, estar, permanecer e ficar".
Arte como caminho e resistência
A carreira como drag e atriz abriu portas para a televisão, rádio e teatro. Com formação sólida, Nany conquistou espaços que antes eram negados a artistas trans. Participou de programas como o de Goulart de Andrade, tornou-se empresária, registrou seu nome artístico, criou espetáculos e percorreu o Brasil e o mundo.
Apesar de barreiras e preconceitos, ela defende que o teatro sempre foi seu grande amor. "Qual outro marido me acolheria toda noite, me acalentaria, me pagaria as contas?", brinca a artista, que confessa: "Já parei uma transa para decorar um texto. Eu sou dessas."

Militância e reflexão sobre a Parada LGBT
Fundadora da Parada LGBT de São Paulo, Nany explica por que se afastou do evento, após divergências com a direção. No entanto, reconhece sua importância na conquista de direitos. "Víamos amigas sendo espancadas na calçada, se prostituindo. E não tinha para quem reclamar."
Ao relembrar esses episódios de violência, exclusão e marginalização enfrentados por pessoas trans e travestis, Nany reforça a necessidade da inclusão real, não só a simbólica ou performática. "Não adianta falar de inclusão se você não inclui. Me fala quantos funcionários trans você tem", provoca ela.
Projetos atuais e legado
Aos 60 anos, Nany mostra vitalidade invejável. Lança seu segundo livro, "Ser Mulher Não é Para Qualquer Um", escrito em parceria com Flávio Queiroz, e estreia um espetáculo com o mesmo nome. "Não se nasce mulher, torna-se. Mas além de se tornar, tem que se manter", dispara ela.
A artista também faz shows pelo Brasil, grava a nova temporada do "Vai Que Cola" (Multishow) e segue com outros projetos, como os espetáculos "Nany Canta Fafá", "Nany People: Então Deu No Que Deu" e "Como Salvar um Casamento".
Nany fala com gratidão sobre sua relação com figuras como Fafá de Belém, Lilia Cabral, Hebe Camargo e Rogéria —esta última, falecida em 2017, foi uma das perdas mais sentidas por Nany, ao lado da peruqueira Velani e de uma amiga de Curitiba.
Filosofia de vida
Marcada pela espiritualidade materna e pela fé, Nany defende viver o presente com intensidade. "Minha mãe me blindou, me encorajou, me amou muito. A força que eu tenho vem dela", afirma a artista.
Com isso, sua frase-chave é: "Você tem que ser feliz agora" e rejeita o sofrimento como caminho obrigatório para a realização, valorizando o riso, a leveza e o prazer. "Você tem que ser feliz agora. Amanhã pode ser que não aconteça".
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