Quitéria Chagas retoma posto de rainha de bateria após perda: 'Arte cura'
A conversa dessa semana foi com a minha amiga de muitos carnavais, Quitéria Chagas. A musa, psicóloga, atriz e mãe, volta ao posto que sempre lhe pertenceu: o de madrinha de bateria da Império Serrano - e foi coroada ontem, durante a tradicional feijoada da escola, em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro. Conversamos dias antes da coroação sobre seu atual momento profissional e muito mais.
Quitéria começou cedo na dança; aos dois anos de idade, deu seus primeiros passos no balé clássico. Aos 15 anos, iniciou aulas de samba com o renomado Carlinhos de Jesus, aprofundando-se em diversos estilos. Essa dedicação a levou a participar de concursos, como o do programa "Canta e Dança, Minha Gente", apresentado por Carla Perez e exibido entre 1999 e 2002 no SBT. Para ela, o concurso era uma das poucas oportunidades de trabalhar na TV, especialmente em uma época em que mulheres pretas raramente eram escolhidas para aparecer na televisão. No entanto, Quitéria se destacou, venceu o concurso de dança e agradou tanto que Carla Perez pediu para contratá-la.
Foi através desse trabalho que Quitéria conheceu Gugu Liberato e se tornou a primeira assistente de palco preta do "Programa do Gugu" em 2001, uma época em que os programas dominicais estavam no auge e recebiam celebridades internacionais como Jean Claude Van Damme. Além de sua carreira no SBT, Quitéria também trabalhou no "Domingão do Faustão" na Rede Globo.
A musa da Império Serrano também deixou sua marca como musa do clipe "Me Olha Nos Olhos" do Sorriso Maroto, um trabalho tão memorável que até hoje é lembrado como um dos casais mais icônicos de videoclipes, quase vinte anos depois. O casal foi relembrado e regravado no ano passado no DVD ao vivo da banda, e Quitéria esclarece uma dúvida que muitos ainda têm: ela nunca teve nenhum relacionamento com Bruno, o vocalista do Sorriso Maroto.
O Bruno [vocalista do Sorriso Maroto], quando eu não estou, sempre chama uma fã para cantar com ele no palco e fala 'Quem Quer Ser Minha Quitéria hoje?' Quitéria Chagas
Paralelamente ao trabalho de assistente de palco, Quitéria Chagas se aproximava cada vez mais do carnaval. Ela era passista da escola de samba União da Ilha e, ao mesmo tempo, não deixou de investir em sua educação. Estudou teatro, o que lhe permitiu fazer novelas, e participava de concursos de modelo. Em um desses concursos, a premiação era ser rainha de bateria - um posto que Quitéria já almejava há muito tempo, embora reconhecesse que era uma posição extremamente "comercial".
Ao vencer o concurso, Quitéria se tornou rainha de bateria da escola de samba Santa Marta, que na época estava na série B do carnaval carioca. Esta vitória marcou um importante passo em sua trajetória no samba, consolidando sua presença no universo carnavalesco e permitindo que ela combinasse sua paixão pela dança com a visibilidade e prestígio de um posto tão desejado.
Eu sinto saudades da TV porque você tem acesso a um público muito vasto. Você tem aquele calor no auditório, nos bastidores. Eu sinto falta da espontaneidade que é tão viva no brasileiro. Quitéria Chagas
Com vários trabalhos e muito talento, Quitéria Chagas foi se destacando cada vez mais. Seu reconhecimento cresceu ao ser anunciada pela Rede Globo como a nova Globeleza, que a consolidou como uma das principais figuras do carnaval brasileiro. Esse destaque levou a Império Serrano a convidá-la para desfilar e, posteriormente, se tornar rainha de bateria em 2004.
A vida pessoal de Quitéria também foi mudando. Após conhecer o italiano Francesco Locatelli, se casou e se mudou para Milão, mas nem assim ela deixou o carnaval: ficava entre Brasil e Itália, mantendo-se ativa no cenário carnavalesco como Rainha da Escola, uma musa que tem a honra de abrir o desfile na comissão de frente.
Infelizmente, no início do ano passado, Francesco faleceu, vítima de um câncer. Em meio à dor dessa perda, Quitéria tomou a decisão de voltar ao Brasil definitivamente. Este retorno marca um novo capítulo em sua vida, trazendo consigo toda a experiência e a paixão pelo carnaval que sempre a acompanharam.
Ela se emociona ao falar do marido e explica que eles descobriram o câncer já em estado terminal, quando nada mais podia ser feito. Quitéria conta que a experiência foi desumana e de uma dor terrível, vendo a pessoa que escolheu, que a amou, indo embora aos poucos. Apesar da gravidade da doença e do sofrimento, Francesco foi um grande apoiador de sua carreira até o fim, incentivando-a a voltar ao Brasil com a filha do casal, Elena, que na época estava com 8 anos.
Foi o momento mais doloroso da minha vida, mas ao mesmo tempo, ele [Francesco] foi muito generoso comigo. Ele sabia que eu havia parado muito da minha vida para me dedicar à família. Ele realmente foi muito generoso, ele falou: 'Volta pro Brasil, resgata sua vida, me desculpa e eu te amo'. Quitéria Chagas, sobre Francesco, seu falecido marido
Mesmo em meio à dor, Quitéria encontrou força nas palavras e no apoio de Francesco. Ele compreendia a importância do carnaval e da cultura brasileira para sua esposa e queria que ela continuasse a brilhar. Essa motivação foi crucial para Quitéria, que decidiu retornar ao Brasil e reassumir seu papel na Império Serrano, levando consigo a memória e o incentivo de Francesco.
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Quero receberQuestionada sobre como a filha reagiu à notícia do pai e à mudança repentina de país, Quitéria explica que usou muito do que aprendeu na faculdade de Psicologia para apoiar Elena. Ela relata que a filha ainda fica insegura e com medo de perder a mãe quando ela fica resfriada, por exemplo; porém, ela ressalta que Elena é uma "fortaleza" e que as duas encontram força uma na outra.
Quitéria revela ainda que, apesar dos desafios, Elena está mais feliz no Brasil do que na Itália. Ela menciona que algumas questões culturais na Itália não faziam bem para elas, e que o retorno ao Brasil proporcionou um ambiente mais acolhedor e familiar. Quitéria acredita que estar cercada pela cultura brasileira e pelo calor humano ajudou muito na adaptação e no bem-estar de Elena.
Pra gente que é artista, a arte cura né? Quitéria Chagas
Em meio às burocracias e mudanças repentinas, Quitéria seguiu o conselho do marido e retomou seu trabalho, voltando a ser rainha de bateria após vinte anos. Ela explica que esse papel vai além de simplesmente dançar; trata-se de contar a história da escola na dança, transmitir os interesses da escola, homenagear grandes figuras como Dona Ivone Lara e outras mulheres importantes para o carnaval, além de se envolver com os integrantes e se doar completamente.
Quitéria revela que também pretende voltar a atuar e está estudando para isso com uma preparadora de elenco, pois sabe que precisa se adequar às novas tecnologias e ao novo mercado.
Conversar com Quitéria é sempre um prazer. Sua trajetória de garra e personalidade é inspiradora, e conversar com ela, é sempre uma delícia. Estou ansioso para vê-la na avenida à frente da bateria no próximo ano, trazendo toda o seu talento, beleza, energia e paixão para o carnaval.
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