Como uma deusa! Dos vícios aos traumas, Vera Fischer brilha sendo ela mesma

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Errar, todo mundo erra, uns mais, outros menos. Engraçado é que, às vezes, quem erra mais pode ser, no fundo, uma pessoa bem mais interessante do que aquele certinho, que ousa menos e, portanto, com certeza, erra menos. Isso acontece por vários motivos: mais desafios, mais dificuldades, menos mão beijada.
Ao assistir a Vera Fischer, 73, ser entrevistada, no último domingo, em um novo quadro do Fantástico (Globo), confesso que ela se tornou, de repente, para mim, uma das mulheres mais importantes deste país. Vou tentar explicar um pouquinho o porquê.
O quadro se chama "Pode Perguntar? " e é estrelado por um grupo de entrevistadores do espectro autista: isso fez toda diferença. Perguntas de verdade, do coração, sem máscaras, sem jogos. Pessoas autênticas, sem armaduras e sem pré-disposição a nada que não fosse descobrir curiosidades sobre a convidada.
Acredito que o fato de eu ter gostado tanto desse quadro se deve aos entrevistadores sinceros, sem qualquer deslumbre —sem desprezar, é claro, a entrevistada, uma estrela. O bonito é que essa sinceridade raramente vista na TV trouxe junto aquelas questões delicadas de se perguntar para Vera. Falou-se, é claro, de drogas, falou-se de como ela faz, isto é, se ela ainda faz sexo aos 70 e poucos anos.

Vera aproveitou para citar a importância dos filhos. Da mais velha, fruto de seu casamento com Perry Salles — já morto—, elogiou o comportamento no período mais frágil de sua vida, quando precisou ser internada por dependência química e não queria aquele alvoroço que no Rio de Janeiro ou mesmo o Brasil isso poderia causar. Rafaela levou a mãe para a Argentina, confissão arrancada natural e gentilmente pelos entrevistadores atentos.
Falou também muito bem do filho, cujo pai é o ator Felipe Camargo. Reconheceu o amor, o cuidado e o afeto dos dois. Explicou que era muito difícil resistir à cocaína, que era uma droga que deixava a pessoa poderosa, forte. Falou também que não tinha um parceiro nos últimos tempos e que fazia sexo com ela mesma. E que estava gostando muito disso. Disse também que estava amando esse momento, mais recolhida, mais em casa.
Vera não é a atriz mais bem produzida, nem a mais elegante ou bem vestida da TV brasileira. Mas uma das coisas que ela faz "tão grande" é a sinceridade ao tratar com delicadeza seus entrevistadores e ao responder com franqueza as questões espinhosas. Esse momento a tornou uma personagem mais relevante e mais impactante do que ela jamais foi. Ah, Vera falou também sobre o pai nazista e sobre a vida nada fácil que ela teve, mas sem tristezas e sem rancores.
Fiquei pensando aqui na música-tema de um dos seus papéis mais marcantes, "O Amor e o Poder", mais conhecida como "Como uma Deusa", cantada por Rosana na novela "Mandala" , onde ela era protagonista. Acredito que, agora, finalmente, Vera Fischer se apoderou totalmente dessa canção: Vera virou uma deusa, única nesse lugar que ela mesma criou nesse Olimpo made in Brasil.

De Miss Brasil a estrela de pornochanchada, posto que ela nunca negou, a atriz jamais fugiu dos rótulos: encarou-os muito bem, assim como seu papel de atriz mais séria do tempos depois. O que é interessante é justamente ver uma mulher passar por todos esses momentos dessa maneira como ela passou, e chegar numa entrevista dessas plena, cheia de humor, de carinho e sensibilidade.
Depois de muitos perrengues, Vera conseguiu virar uma grande estrela de novelas na Globo e ainda se transformou nessa mulher engraçada que é hoje: uma jornada e tanto, que deve servir para iluminar a vida de tantas outras mulheres com problemas semelhantes ou não deste país. Com certeza, não foi nada fácil, mas Vera conseguiu dar a volta por cima. Um fenômeno da natureza, sim, mas com um coração sensível e delicado: uma mistura muito fina.
Vera me arrebatou, justamente, numa semana em que os 60 anos da Globo invadiram a TV aberta. A concorrência não foi pouca. E ficou, mais uma vez, claro que o que atinge de fato, o que acerta o alvo e faz a diferença é a TV de verdade, quando o artista já alcançou um certo patamar e pode ser ele mesmo, na alegria e na tristeza, com virtudes e defeitos importantes. Aliás, por que não?! Viva Vera Fischer! E viva essa e todas as mulheres com falhas, vícios, qualidades e muita liberdade.
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