Japão se torna rota improvável e riquíssima para mundo da moda e estilo

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Rolou o Carnaval, que anda aliás cada vez mais animado nas grandes capitais; "Ainda Estou Aqui" levou o Oscar; o mundo continua a rodar; e eu vim parar no Japão. Não foi minha primeira vez, mas desta vez foi mais pensado, elaborado, decidido.
Sou fã incondicional do Carnaval, Salvador, Rio, bloquinhos em São Paulo, Recife. Espero o ano inteiro esses dias chegarem, mas confesso que ao pegar minha primeira covid, a primeira e única, no Carnaval passado, em Salvador, eu fiquei assustada e mesmo sabendo que agora é diferente, não tão grave por causa das vacinas e tudo mais, fiquei assustada.
Acho, sinceramente, que meu trauma de tudo aquilo que o mundo viveu ainda não passou e, por isso, não quis repetir a experiência, mesmo porque Carnaval para mim é me jogar no meio dos trios, ficar espremida para cruzar a avenida fora de hora, socializar com todo mundo que está à minha volta. Gosto demais de toda essa muvuca.
Ao decidir vir para o Japão, entendi que eu ia ficar com banzo, que eu ia ficar com água na boca, grudada nos sites, nas redes sociais, querendo saber de tudo que eu estava perdendo. Mas também sabia que a experiência por aqui seria transformadora. Mais uma vez.
Minha estreia por aqui foi em 1985 e fiquei tão transtornada que, quatro meses depois de ter conhecido Tóquio em plena estação da cerejeiras, no início de abril, não aguentei e voltei para o Japão em outubro do mesmo ano, no outono deles. Realmente, essa sensação de estar em outro planeta foi boa demais.
Depois disso, vim mais algumas vezes, duas precisamente, sendo a última 20 anos atrás. Como sou muito curiosa, achei que estava mais do que na hora de vir novamente e aproveitei que o iene, a moeda japonesa, estava bastante desvalorizada em relação ao dólar —motivo justamente que permite aos brasileiros vir com mais facilidade para este lado do mundo, o que é muito bom.
Temos bastante a aprender com eles por aqui, assim como acredito que eles também têm bastante a aprender conosco por aí. Estou tentando processar todas as diferenças que senti ao vir para o Japão em épocas tão distintas, mas percebi que algumas coisas se mantêm: a distância tecnológica, o comportamento no dia a dia e tantas outras singularidades que fica difícil numerar aqui.
Uma coisa que me chamou atenção todas as vezes que desembarquei por aqui foi a elegância das pessoas nas ruas, principalmente das mulheres nos bairros mais cosmopolitas: como elas se vestem de maneira criativa, sem seguir moda nenhuma, usando cada uma suas próprias ferramentas sem abusar de logotipos ou marcas conhecidas e mais caras. A elegância é inerente, principalmente às mulheres que vi nas ruas de Tóquio.

Sim, as mais jovens são as que mais ousam. Fico pensando se cada dia, antes de sair de casa, elas escolhem toda a produção cedo ou se isso é feito na véspera, à noite. O fato é que a logística não deve ser fácil, porque o que elas mostram é um banho de estilo, ousadia e criatividade. Como elas sabem misturar bem tendências, cores ou mesmo ausência de cores, materiais, formas.
Para mim, o ponto alto que me fez abrir o olho sobre esse tema foi a fila no Museu de Arte de Tóquio para ver exposição sobre o músico Ryuichi Sakamoto —ele que era um dos artistas mais chiques do mundo.
Mesmo com ingressos comprados antecipadamente, sem hora marcada, a fila era imensa, ia e vinha, e, sinceramente, eu nunca tinha visto gente tão bem vestida na minha vida. Nem mesmo nos lugares mais óbvios onde isso acontece, em Paris, Milão ou Nova York. A criatividade da japonesas tem mais a ver com Londres, mas insisto ainda que é uma coisa toda própria delas, uma elegância naturalmente colocada no dia a dia.
Elas usam casacos e tecidos vintage das maneiras mais variadas. A princípio parece não ter nada a ver com o resto da roupa, uma peça nada a ver com a outra, mas essa é parte da graça. Vi casacos lindos, mantôs que não se encontra em lugar nenhum para comprar —aliás não sei onde elas descobrem isso tudo, provavelmente nas lojas de roupas usadas que se proliferam e é a grande moda aqui em Tóquio. Usam também saias e vestidos por cima de calças compridas, com um charme todo próprio.

Misturam tecidos, padrões e fazem uso de peças como raramente se vê pelo mundo. Não notei o uso de muitos acessórios e as bolsas compõem o visual sem que a gente possa perceber de onde elas vêm, isto é, não parecem ser de nenhuma marca conhecida. Elas usam a moda à sua própria maneira e, ao que tudo indica, não se deixam usar pela moda.
Acho, sinceramente, que esse pessoal que costuma ir para Paris e Milão deveria alterar um pouco a rota e mirar o Japão. Não é de hoje que eles são muito diferentes, mas não faz nenhum sentido não levar em consideração até hoje o olhar deles sobre o viver, se movimentar, se mostrar para o mundo.
Continuar insistindo no eixo básico do Hemisfério Norte é deixar de ampliar o olhar para o mundo em volta. Está na hora de praticar uma espécie de empatia em relação à informação, arte, arquitetura e jeito de ser. Ah, conheci aqui em Kyoto um artista que fabrica papéis artesanais de arroz, uma arte muito sutil.
Fui parar em sua loja minúscula, Kamisou, por indicação da conhecida stylist Renata Correa, que veio para o Japão e também ficou encantada com tudo que viu e viveu. Não é que naquele lugar mínimo, perdido pelas ruas de Kyoto, ele, que ama música clássica, me falou que já tinha ido para o Brasil e que amava Salvador. O mundo é mesmo uma ervilha. E viva o Carnaval.
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