O que a Bahia tem? Seriam música, dança e muvuca a receita da felicidade?

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Acho bastante difícil explicar, mas o fato é que aquela brincadeira que diz que baiano não nasce, ele estreia, faz bastante sentido. Isso traduz um pouco o jeito descontraído, alegre, de bem com a vida que os baianos têm. Não acredito que faltem problemas para eles, mas acredito, sim, que eles os enfrentam de uma outra maneira. Também acredito que eles não são nada parecidos com nenhum outro povo nordestino: o baiano é alegre, sorriso farto, engraçado, gentil , amoroso.
Mas onde a coisa pega mesmo é na alegria, naquela coisa mais parecida com felicidade. Vou explicar um pouco melhor... Eu mal tinha chegado de 50 dias, mais precisamente 49 dias em Salvador, quando soube que o próximo ensaio de Carlinhos Brown no Candyall teria Marisa Monte. Fiquei com água na boca, mas me segurei, afinal tinha acabado de voltar depois de tanto tempo por lá e precisava encarar a realidade: era tempo.
Dois dias depois, li nas redes sociais que, além de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, Brown estava confirmando a presença de Caetano Veloso na mesma tarde de domingo, 16 de fevereiro. Confesso que não aguentei: peguei minhas milhas, paguei um pouco a mais e lá fui eu de volta pra Bahia para ficar menos de 48 horas. Sim, pouco tempo, mas e a qualidade da coisa? A intensidade do prazer?
O Candeal em si é uma comunidade que merece ser visitada, bem cuidada, limpa, bonita. Eu conhecia o pedaço desde os anos 1990, desde o início da carreira de Carlinhos Brow, que fazia questão de ocupar aquele espaço e trazer luz para todos aqueles problemas. Muitos anos depois, é exatamente lá que foi criado o Candyall Ghetto Square, um espaço que abriga alguns dos melhores shows do verão da cidade. No dia anterior, por exemplo, teve Margareth Menezes, Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Bombou demais, mas eu posso garantir que foi no dia seguinte que a coisa realmente pegou fogo.
Carlinhos Brown surgiu no palco às 18h e, até as 22h, foi uma surra de sucessos com estrelas que nunca se encontram no mesmo palco. Quando Caetano Veloso surgiu já foi algo muito único: ele estava feliz demais e nem tentava esconder. Cantou uns quatro sucessos, mas o que valia mesmo nessa noite era uma vibração raramente percebida: o espaço lotado, não sei se tinha 2.000 pessoas, todos bem perto do palco que dava excelente visão para três dos lados, permitindo que todo mundo passasse bem —apesar do calor que fez Brown parar várias vezes para dar garrafinhas de água para o público. Afinal, esse não era um verão normal?
Quando Brown chamou Marisa Monte foi como uma aparição: ela, de vestido prateado coruscante, longo, com uma tiara de rainha na cabeça e óculos escuros. Tudo tinha a ver com tudo. Entre Arnaldo Antunes, Marisa e Caetano, Brown costurava com suas canções e um jeito muito sincerão de falar com o público e também com seus convidados —o guitarrista Dadi Carvalho incluído. Para Marisa, ele agradeceu por ela tê-lo ensinado a falar um português melhor e se expressar melhor na língua.
E contou uma história sobre o primeiro encontro que ele teve com Caetano, lá atrás. Caetano lhe perguntou a certa altura: "Você conhece Lina Bo Bardi?" Ao que ele, com vergonha de dizer a verdade, respondeu que sim, é claro que a conhecia. E é claro que era mentira? Brown saiu de lá e foi correndo pesquisar. E, segundo ele, esse foi o ponto de partida para ele entrar no mundo de Oscar Niemeyer Lúcio Costa e tantos outros arquitetos brasileiros famosos. A cada momento uma história, um sucesso, e o público vibrando numa energia que faz tempo eu não via —e olha que estou acostumada a frequentar esse tipo de ensaios?
Minha prova dos nove foi quando tive que escolher uma hora em que eu não perdesse nada no palco para ir ao banheiro correndo. Quando cheguei lá, tinha uma fila com umas cinco mulheres esperando e todas dançando muito ao som de Margareth Menezes, a convidada que não estava prevista para cantar. A mulherada, mesmo apertada para fazer xixi, dançava no banheiro como se não houvesse amanhã. Detalhe: um dos banheiros mais limpos e perfumados de qualquer casa de espetáculos do Brasil.
Brown cantou seus sucessos e é, justamente, isso que a gente quer dele. Um gênio. Caetano foi no garantido, Arnaldo Antunes também e Marisa Monte brilhou mais do que costuma. Essa verdadeira surra de alegria e felicidade é muito rara de acontecer num coletivo como esse. E, com certeza, ajuda a enfrentar os outros momentos não tão especiais, o dia a dia da vida da gente.
Essa é a receita dos baianos: música muito boa, muita dança, céu estrelado e sem nuvens, muita gente junta e aquela muvuca necessária. Afinal, quanto valem algumas horas de felicidade plena?
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