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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se não der prejuízo, Avatar irá definir o futuro do cinema e da Disney

Colunista do UOL

18/12/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Avatar: O Caminho das Águas é a segunda produção mais cara da história do cinema
  • Produção chega no momento em que cinema, streaming e empresas de mídia como a Disney vivem crise
  • James Cameron se tornou notório por vencer a descrença de seus críticos; se o novo Avatar não der prejuízo, o diretor surpreenderá novamente

A Disney está em crise. A empresa já perdeu mais da metade de seu valor de mercado, cerca de US$ 165 bilhões, desde março de 2021. A situação é tão delicada que em novembro o CEO, Bob Chapek, foi demitido. Bob Iger, que ocupava o cargo antes de Chapek, voltou para o comando da Disney.

A gigante de mídia está em crise porque o cinema e o streaming estão em crise. Mesmo com o fim da pandemia, as salas de cinema não conseguem atrair o mesmo número de espectadores do passado. Os filmes da Marvel têm tido cada vez mais dificuldade de atrair o público e os números tem decepcionado.

Muitos dos espectadores do cinema agora preferem assistir aos filmes no streaming, em casa. Mas o streaming também está em crise. O aumento da concorrência e os altos custos de produção tornaram o Disney+ um pesadelo financeiro.

A Disney perdia mais de US$ 1 bilhão por ano com suas plataformas de streaming desde a estreia do Disney+. Mas neste ano o prejuízo disparou. Nos primeiros nove meses de 2022 a empresa perdeu mais de US$ 2,5 bilhões com a área. A hemorragia financeira foi uma das razões da demissão de Chapek.

O desafio de Avatar

Este parece ser um péssimo momento para lançar o segundo (ou primeiro) filme mais caro da história. "Avatar: O Caminho da Água" custou entre US$ 350 milhões e US$ 400 milhões. "Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas", também produzido pela Disney, custou US$ 379 milhões.

Mas se a história nos ensina algo é que apostar contra James Cameron não costuma ser uma boa ideia. Os dois primeiros filmes do "Exterminador do Futuro", "Titanic" e "Avatar", também produções do diretor, mostram sua capacidade de mudar os rumos do mercado ao bater recordes de bilheteria mesmo com os críticos torcendo o nariz.

Há 13 anos, o primeiro "Avatar" faturou US$ 2,9 bilhões em bilheteria e o número nunca foi superado por outro filme. "Vingadores: Ultimato", registrou US$ 2,8 bilhões, e "Titanic", US$ 2,2 bilhões. Apesar do histórico de Camaron, até dias atrás havia apostas de que o novo "Avatar" daria prejuízo.

Mas a decisão da China de permitir a exibição de "Avatar: O Caminho da Água" nos cinemas chineses foi um importante sinal de que Cameron poderá surpreender novamente. Nos últimos anos, diversas produções de Hollywood, incluindo as últimas sete superproduções da Marvel, foram barradas no país e não puderam estrear nos cinemas locais.

Fator China no cinema mundial

Por muitos anos os Estados Unidos foram o maior mercado do mundo de cinema. Agora, este posto é da China. Mas o governo chinês intensificou os esforços para barrar produções estrangeiras. A ideia é incentivar o consumo de filmes nacionais, o que colaborou para os lucros de Hollywood despencarem.

"Avatar" estreou na China e no restante do mundo ao mesmo tempo, o que deve aumentar consideravelmente os resultados da produção. "Esta é uma notícia fantástica para a Disney, para James Cameron e para o filme, porque o potencial de bilheteria da China é enorme", disse Paul Dergarabedian, analista sênior de mídia da Comscore ao WSJ. "Este pode ser o momento crucial que indica que O Caminho da Água ganhará dinheiro suficiente para justificar novas produções da franquia Avatar".

Em julho, a Disney afirmou que o resultado de bilheteria abaixo da expectativa para "Thor: Amor e Trovão" tinha como uma das razões o fato de o filme não ter estreado na China.

Se "O Caminho da Água" funcionar e as superproduções com heróis da Marvel não, o natural é que a Disney e Hollywood comecem a tentar criar personagens e enredos mais aceitáveis para os censores chineses. Se o que funciona são grandes seres azuis digitalizados defensores da natureza, prepare-se para ver muitas produções semelhantes.

Público de volta ao cinema

Se funcionar nos cinemas fora da China, "O Caminho da Água" pode indicar ainda que o problema não está nas salas ou mudança de hábito das pessoas, mas sim no tipo de filmes que vem sendo exibido nelas.

Se Cameron provar novamente que seus críticos estão errados, provará que a fórmula da Marvel pode estar desgastada, mas que os grandes "filmes evento", apesar de extremamente caros, ainda funcionam. A Disney já tem mais 3 produções de Avatar programadas até 2028 caso "O Caminho da Água" seja bem-sucedido.

Um dos principais atrativos das produções de Cameron são as inovações tecnológicas. As salas mais modernas oferecem uma experiência melhor para essas produções. No Brasil, as salas IMAX estiveram lotadas por sucessivas semanas no primeiro "Avatar".

A IMAX tem mais de 1.500 salas em 80 países. Destas, 800 estão na China e mais de 200 estão sendo construídas no país. Em 2009, quando o primeiro "Avatar" estreou, havia somente 14 salas na China. Na época, as pessoas chegavam a esperar seis horas na fila para assistir ao filme. De quebra, as salas mais modernas têm uma margem de lucro maior, já que vendem ingressos mais caros que as salas usuais.

Um potencial efeito colateral é que as produções menores e independentes devem sofrer ainda mais. Quanto mais dinheiro "O Caminho da Água" faturar, mais difícil será produzir obras de pequeno e médio porte. Além de menos interesse dos estúdios, existe ainda a crescente dificuldade de encontrar salas menores (e menos caras) para exibir produções alternativas.

Lançamento direto no streaming

Outra possível consequência de "O Caminho da Água" é mostrar que filmes ainda podem atrair receitas consideráveis nos cinemas ao usar o antigo modelo de estreias. A Warner foi pioneira ao lançar grandes produções diretamente no streaming, colocando "Mulher Maravilha 1984" diretamente na HBO Max no Natal de 2020. Foi o primeiro filme do experimento da Warner que passou a lançar as obras simultaneamente nos cinemas e na HBO Max.

Após a venda da Warner para a Discovery, o experimento foi encerrado e a empresa retomou o modelo tradicional com janelas de estreia. Primeiramente, 45 dias exclusivamente nos cinemas, depois estreando para venda à la carte em plataformas digitais para depois de meses estrear no streaming.

A Disney também lançou produções diretamente no Disney+. "Viúva Negra", da Marvel, foi um desses casos e inclusive gerou um processo da atriz Scarlett Johansson contra a Disney. A atriz alegava que o lançamento diretamente no Disney+ prejudicou a produção e reduziu seus lucros que vinham da bilheteria dos cinemas. As partes entraram em acordo, mas a imagem de Chapek saiu bastante arranhada.

O lançamento das produções da Pixar diretamente no streaming hoje parece ter sido outro grandes equívoco de Chapek. Além de irritar os funcionários do principal estúdio de animação da Disney, a prática mudou o hábito das famílias, que usualmente são as que mais gastam nos cinemas.

O futuro de Avatar

Se "O Caminho da Água" for um sucesso, a Disney sai fortalecida. Além dos milhares de dólares de lucro, a novidade chegaria em boa hora para Bob Iger, que acabou de reassumir a posição de CEO e deu sinal verde para a produção de Cameron quando liderava a Disney antes de Chapek.

A Disney provaria ainda que é capaz de produzir grandes sucessos, e que apesar da queda de popularidade dos Vingadores, tem outras cartas na manga. Um fenômeno de bilheteria ajudaria ainda a aumentar o tráfego nos parques de diversão e permitiria toda uma nova gama de novos produtos no Disney+.

Star Wars e Vingadores funcionam bem no streaming, mas a fórmula precisa ser renovada. Além disso, novos filmes de Star Wars estão no limbo há anos e não há perspectiva real de lançar um filme em breve.

Se o mundo das artes depois de "O Caminho da Água" será melhor ou pior vai depender muito do ponto de vista de quem responde. Mas com lucro ou prejuízo, Cameron será determinante para o futuro da Disney, do streaming e do cinema.

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