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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Boninho se tornou dispensável, mas Pipoca da Ivete pode provar o contrário

Ivete Sangalo comandará o Pipoca da Ivete, programa criado pelo diretor Boninho - Divulgação Fábio Rocha / Globo
Ivete Sangalo comandará o Pipoca da Ivete, programa criado pelo diretor Boninho Imagem: Divulgação Fábio Rocha / Globo

Colunista do UOL

24/07/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Mesmo liderando o BBB, programa de maior sucesso do país nas últimas duas décadas, Boninho pode deixar a Globo
  • O diretor não é a única grande estrela ameaçada, mudanças na TV e no streaming diminuíram o poder de negociação e influência dos grandes astros
  • Dias após ser cortada da HBO Max, Ivete Sangalo estreia neste domingo, na Globo, novo show criado por Boninho
  • A Pipoca da Ivete será determinante para os próximos passos de Boninho, da Globo e TVs em geral, que sofrem para emplacar programas de auditório

A grande questão no mundo da TV neste momento é se o diretor Boninho terá ou não seu contrato renovado com a Globo. O que vai acontecer é uma resposta que talvez nem a Globo e o próprio Boninho saibam neste momento.

Mas entender como chegamos ao ponto em que um dos maiores diretores da TV brasileira não tem o emprego garantido, mesmo liderando há mais de duas décadas o programa de maior sucesso do país, é um retrato da revolução pela qual passa o mercado de mídia.

Os méritos de Boninho são inegáveis. Para começar, sem o diretor, o BBB como o conhecemos não existiria. Enquanto o reality naufragou em diversos países, no Brasil graças a muitas inovações trazidas pelo diretor e sua equipe, o programa não somente sobreviveu como cresceu.

O BBB 20 recebeu do Guinness World Records o prêmio pela maior quantidade de votos do público recebidos por um programa de televisão. Além disso, a última edição bateu um novo recorde de faturamento, algo próximo a R$ 1 bilhão em publicidade.

Boninho é presente e mão na massa

Como ouvi de uma pessoa da Globo que conhece de perto a operação, "Boninho é criativo e interfere diretamente nas novidades e dinâmicas do BBB. Ele foi o responsável por criar o conceito de multiplataforma do BBB - quando isso ainda nem existia. É incansável em trazer inovações para o programa e também para a grade como um todo. Ele é um cara que faz!"

O diretor também mete a mão na massa e não foge do trabalho. Está presente em todos os produtos que faz a gestão. "Nem terminou o BBB, estava lá nas gravações do No Limite, voltou para dirigir o Carnaval, criou a Pipoca da Ivete neste meio tempo. Ele é um profissional de muito valor", diz a colega.

Se mesmo dentro da Globo não faltam defensores do diretor, o que explicaria uma eventual saída de Boninho ou demora na renovação de contrato? A resposta está no radical processo de modernização pelo qual a Globo passou nos últimos anos e as gigantescas mudanças impostas pelo digital.

Uma nova Globo e a pressão do streaming

Nos últimos dois anos, a Globo intensificou o corte dos contratos fixos e passou a contratar por obra. Ou seja, só ganha quem está trabalhando. Também reduziu custos onde podia. Vendeu propriedades como a gravadora Som Livre e se desfez de prédios e até de suas antenas. Esse movimento começou pela necessidade de diminuir os gastos na TV para aumentar o investimento no digital, principalmente no Globoplay.

Mas à medida que essas mudanças começaram a acontecer, foram descobertos outros benefícios como mais liberdade criativa e o aumento da eficiência das operações. Porém, uma consequência em boa parte inesperada até mesmo para a Globo, foi descobrir que a empresa dependia muito menos dos grandes astros do que se imaginava.

Mesmo com a saída de Faustão, a ida dos campeonatos de futebol e da F-1 para concorrentes, entre outras mudanças até poucos anos inimagináveis, a Globo seguiu sem ser ameaçada na liderança absoluta do share de audiência.

Para os anunciantes, e para os próprios executivos da Globo, ficou evidente que o conjunto e a força da marca eram mais fortes do que um ou outro nome no quadro da empresa. Mas principalmente, ficou claro para os colaboradores que a emissora carioca ainda é uma alternativa superior aos concorrentes.

Segundo uma empresária de artistas, a Globo ainda é a maior vitrine do país. "Podem dizer o que for sobre o digital estar tomando o espaço da TV, mas pode ver que todo influenciador quer estar no BBB, em uma novela ou show de auditório da Globo. A Globo criou a Juliette e Gil do Vigor. A Globo ainda é a maior plataforma de comunicação do país. Na Globo você acontece", diz.

O caso Faustão na Band

Faustão é um caso emblemático. Maior apresentador da TV brasileira, campeão de relacionamento com as marcas e seus CEOs, fora da Globo se tornou um eco do que foi no passado. Apesar dos grandes investimentos da Band, o projeto não decolou. Após demissões e cortes de custos, Faustão teve seu horário reduzido e deve passar a ser exibido somente nos domingos em 2023.

Na dramaturgia a história não foi diferente. Apesar de nomes como Lázaro Ramos, Antonio Fagundes, Juliana Paes e tantas outras figuras notórias da Globo disponíveis no mercado, nenhum concorrente conseguiu aproveitar a oportunidade.

A grande promessa na dramaturgia era a HBO. O serviço de streaming montou um núcleo para fazer novelas e levou ninguém menos que o diretor Silvio de Abreu para comandar a empreitada. A expectativa era enorme e as promessas de superproduções ainda maiores (a julgar pelas notícias na imprensa). O resultado? A HBO anunciou dias atrás que estava suspendendo os planos de produzir novelas nacionais antes mesmo de levar algo ao ar.

A HBO foi comprada pela Discovery, notória pelo controle de custos. A nova dona do negócio é mais conhecida por reality shows e atrações esportivas do que superproduções. Como parte da nova estratégia a Discovery não apenas mandou embora boa parte dos executivos da Warner (dona da HBO), como ainda cancelou produções no mundo inteiro, incluindo as novelas brasileiras que estavam sendo desenvolvidas.

Segundo a HBO, foi apenas uma "pausa", mas produtores ouvidos pela coluna acreditam que o projeto morreu ou será muito menor. Para piorar, mesmo as atrações já produzidas e que estavam disponíveis na plataforma foram tiradas da HBO.

Ivete, Sandy e Angélica somem na HBO

Atrações com Ivete Sangalo, Sandy e Angélica estão entre as produções que desapareceram da HBO Max. Segundo comunicado da HBO enviado à coluna, "em preparação para a eventual unificação da programação HBO Max e Discovery+ em uma só plataforma, estamos constantemente avaliando nossa oferta para os nossos consumidores; e parte desse processo inclui a remoção de conteúdos selecionados".

Mas note que há um padrão. No caso da HBO foram os programas com grandes estrelas os principais afetados. Pode ter sido um problema de audiência ou apenas falta de vontade de renegociar contratos (ou ambos), mas o fato é que Ivete, Sandy e Angélica, estrelas incontestáveis no país, foram descartadas.

Quem tinha a expectativa de trocar a Globo pelos gigantes Netflix ou Amazon Prime também foi frustrado. A exposição no streaming, fragmentado e segmentado por natureza, ainda é bastante inferior em comparação à força da TV. A Netflix e o YouTube até podem ter mais audiência que algumas emissoras de TV, mas essa audiência escolhe o que e quando vê, diferentemente da TV, onde todos assistem simultaneamente ao que acontece.

Como já pontuei no passado, os profissionais na TV e no streaming vivem um movimento de uberização das artes. À medida que volume de produção e lucro se tornam prioridades nos grandes grupos de mídia, há tantos shows que o peso das grandes estrelas diminui e aumenta a força das grandes franquias.

Boa parte da audiência talvez não saiba o nome dos atores de Star Wars, Stranger Things ou quem interpreta os heróis da Marvel e DC, seus personagens são maiores que seus intérpretes. Em certa medida é o que acontece com Boninho. O BBB se tornou tão grandioso e uma franquia tão forte que mesmo com a saída de Tiago Leifert o show seguiu vivo.

O risco da Pipoca da Ivete

Neste domingo estreia a Pipoca da Ivete. A atração, um clássico programa de auditório, é uma ideia original de Boninho e será apresentada por Ivete Sangalo. Para a cantora, que foi tirada da plataforma da HBO; e para Boninho, que renegocia seu contrato e teve fracassos recentes como o Casa Kalimann e Zig Zag Arena, o sucesso do show chegaria em um ótimo momento.

Ivete e Boninho não precisam provar nada a ninguém, mas um fracasso de audiência seria uma derrota não apenas para eles, mas para o modelo da TV tradicional. Há tempos a Globo e suas concorrentes não emplacam um grande sucesso que não seja ligado à dramaturgia ou reality.

Se o programa não funcionar, a Globo terá de buscar um novo caminho. Possivelmente um problema para Boninho, principal referência da área na emissora carioca. Segundo o colunista Lucas Pasin, do Splash, "real ou não, a saída de Boninho do Entretenimento da Globo certamente é o chacoalhão necessário que a emissora precisa, e tiraria a grade de programas do 'lugar comum' já esperado, da tal zona de conforto. Afinal de contas, por mais que o diretor seja responsável por muitos sucessos — o maior deles o Big Brother Brasil —, o repertório uma hora esgota, e já temos visto esse esgotamento acontecer, inclusive recentemente no "BBB 22".

Caso a Pipoca da Ivete falhe, mesmo tendo duas estrelas do calibre de Ivete e Boninho, a Globo ganha mais liberdade e poderia ser beneficiada ao buscar soluções mais inovadoras. Se a TV conseguirá encontrar atrações capazes de concorrer com a diversidade do streaming é uma questão aberta (e tema para outra coluna).

Lição de Shonda Rhimes

Shonda Rhimes, executiva, produtora, roteirista e criadora de sucessos como Grey's Anatomy explicou seu processo de negociação ao WSJ em março. "Nunca entre em uma negociação da qual você não está disposto a se afastar. Se você entrar pensando: 'Eu não posso ir embora', então você não está realmente negociando. Você já perdeu. E isso é uma coisa difícil de dizer, mas funciona em negociações [imobiliárias], funciona em negociações com uma criança de 3 anos. Funciona em todas as negociações".

Neste cenário em que a Globo é cada vez mais dominante na produção de conteúdo nacional, a emissora tem ainda mais poder nas negociações com os artistas brasileiros. Mas Shonda faz uma ressalva.

"Mas acho que é importante pensar: qual é o seu limite? Pelo que você está disposto a se afastar e pelo que não está disposto a se afastar? Porque essa é a outra coisa - as pessoas batem os pés e ameaçam ir embora por motivos que não fazem sentido. E você também não pode ser uma dessas pessoas. Você realmente tem que entender o que é importante e o que não é".

Se Boninho acertar na Pipoca da Ivete, a Globo precisará reavaliar o que é importante ou não. Afinal, é cada vez mais difícil concorrer com o streaming e lançar novos sucessos na TV é cada vez mais difícil.

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