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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que o Oscar está morrendo e precisa mudar urgentemente

A foto de Bradley Cooper já mostrou o potencial das redes sociais no Oscar, mas evento não soube aproveitar a oportunidade - Bradley Cooper/Twitter
A foto de Bradley Cooper já mostrou o potencial das redes sociais no Oscar, mas evento não soube aproveitar a oportunidade Imagem: Bradley Cooper/Twitter

Colunista do UOL

27/02/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • A organização do Oscar anunciou que eliminaria oito categorias de premiação na transmissão ao vivo na TV este ano
  • A notícia gerou indignação entre membros da Academia e indicados. Alguns fãs também não gostaram da novidade
  • É consenso que a cerimônia se tornou chata e é cada vez menos relevante, mas apenas cortar premiações não é o bastante
  • O Oscar precisa se reinventar e produzir um show abrangente e interessante para a TV, como já acontece no Super Bowl
  • A Disney pagou quase US$ 1 bilhão para transmitir o Oscar ao longo de dez anos, mas estaria insatisfeita com os resultados
  • A receita de transmissão do Oscar na TV é a principal fonte de renda da Academy of Motion Picture Arts & Sciences, a dona do evento

O Oscar anunciou essa semana que, para tentar manter a transmissão do evento em três horas, decidiu apresentar oito categorias - incluindo melhor trilha sonora original - uma hora antes do início da transmissão. David Rubin, presidente da Academy of Motion Picture Arts & Sciences, que organiza o Oscar, explicou em uma carta aos membros e indicados na terça-feira, que "essas apresentações serão editadas por nossas equipes de criação e produção e serão integradas naturalmente ao programa ao vivo na televisão."

Ou seja, das 23 categorias, oito serão concedidas antes do início da transmissão televisiva e tiveram o tempo de discurso de agradecimento cortado pela metade. Curta documental, edição de filme, maquiagem e penteado, trilha sonora original, design de produção, curta de animação, curta de ficção e edição de som foram as atingidas.

A notícia gerou indignação entre membros da Academia e indicados. Alguns fãs também não gostaram da novidade. Mas a verdade é que este é um caminho sem volta.

Oscar perde relevância

O Oscar está definhando. No ritmo atual, em breve nem mesmo será transmitido pela TV. O problema é que quem paga a conta da maior festa do cinema são os direitos de transmissão na TV. Ou seja, se o show não reverter sua queda de audiência, há boas chances que deixe de existir, ao menos como o conhecemos.

Antes que me chamem de fatalista ou inimigo do Oscar, cabe dizer que em junho do ano passado os executivos da Academy of Motion Picture Arts & Sciences, a dona do evento, e diretores da Disney, dona da ABC, emissora que transmite a festa, realizaram uma reunião por Zoom e chegaram à mesma conclusão: "É agora ou nunca. Se não consertarmos esse show, ele deixará de existir". Segundo Matthew Belloni, do Puck, o tom do encontro foi amigável.

O Oscar já foi o programa de entretenimento mais visto da TV e a maior plataforma promocional de produtos de mídia depois do Super Bowl. Mas a audiência do Oscar despenca vertiginosamente e os anúncios tem cada vez menos apelo. No ano passado, somente 9,85 milhões de pessoas assistiram à cerimônia. Na edição anterior foram mais de 23,5 milhões.

Há alguns anos a ABC desembolsou mais de US$ 900 milhões para ter o Oscar por dez anos. Em 2014, por exemplo, mais de 40 milhões de pessoas assistiram à cerimônia nos Estados Unidos.

Grandes eventos em queda

O Oscar não é a única vítima da queda de audiência. O Grammy e o Emmy também sofreram. As premiações parecem estar diminuindo mais rapidamente do que a maioria dos principais eventos de campeonatos esportivos ao vivo, de acordo com dados da Nielsen nos Estados Unidos.

De maneira geral os grandes eventos televisionados perderam audiência. A concorrência com o streaming, a atenção das pessoas cada vez mais em redes sociais como o TikTok e YouTube, além do crescimento dos games ajudam a explicar a queda. A guerra pela atenção das pessoas nunca foi tão acirrada.

Mas a derrocada do Oscar é extrema. O Super Bowl, por exemplo, segue atraindo grandes audiências e batendo recordes de venda de publicidade. Para aparecer em um anúncio de TV de 30 segundos durante o evento as marcas desembolsaram US$ 6,5 milhões este ano. Comerciais mais longos pagam valores proporcionalmente ainda mais altos do que os de 30 segundos. A final de 2022 com os Bengals e Rams em campo teve mais de 60 anúncios.

Provavelmente a grande diferença do Super Bowl para o Oscar é que o evento esportivo conseguiu se manter como uma celebração que transcende as duas torcidas dos times em campo. É uma festa abrangente que atrai até quem não é fã de esportes, como aponta o jornalista Clayton Davis, na Variety.

Os organizadores do Oscar e amantes da indústria cinematográfica precisam entender que ninguém se importa com os prêmios. A esmagadora maioria da audiência da TV apenas quer ver os famosos e uma festa surpreendente. Sob essa perspectiva, a cerimônia de premiação tem um formato velho e que perdeu o apelo.

Cerimônia chata e alheia ao streaming

Em um comunicado para seus membros, a Academia disse que a decisão de cortar a transmissão das categorias foi "no melhor interesse do futuro de nosso programa e de nossa organização". Na transmissão de 2019, os organizadores anunciaram e reverteram uma mudança para transmitir quatro categorias durante os intervalos comerciais.

Porém, o Oscar provavelmente tem um problema maior do que mostrar ou não categorias. A turma que vota e escolhe os filmes é da velha guarda e vê o mundo pelas lentes do cinema tradicional. Mas o público cada vez mais entende o mundo da perspectiva do streaming e das redes sociais.

O Oscar é uma premiação nichada e autocelebratória. Não seria um problema se fosse uma pequena festa de profissionais da área, mas é um evento global e que busca atrair um público abrangente, incluindo os jovens.

A desconexão dos membros da Academia com a audiência fica evidente quando os maiores sucessos são ignorados. Os espectadores não se sentem representada no Oscar. Homem-Aranha foi o filme mais visto do mundo em 2021 e um marco na pandemia, mas foi indicado somente na categoria de efeitos visuais.

Homem-Aranha é pior que Não Olhe Para Cima?

Em seu programa de TV, o apresentador Jimmy Kimmel resumiu o que muitos pensam. "Como [Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa] não conseguiu uma das dez indicações de Melhor Filme? Esqueça que o filme faturou US$ 750 milhões [nos EUA] e ainda está em cartaz. O filme foi ótimo. Não estava no top 10 melhores filmes do ano? Havia três Homens-Aranha nele. Você está me dizendo que Não Olhe Para Cima foi melhor que Homem-Aranha? Com certeza não foi", disse para o auditório.

"Mesmo se você for pelos comentários dos críticos no Rotten Tomatoes, Não Olhe Para Cima tem 46% [de aprovação] e Homem-Aranha: Sem Volta para Casa tem 90%. Vocês querem saber o que aconteceu? Os eleitores [do Oscar] olharam a lista, viram os nomes Leonardo DiCaprio e Meryl Streep, marcaram a caixa e depois colocaram os filhos no carro e foram ver Homem-Aranha. E adoraram! Mas não votaram nele", concluiu o apresentador.

Além da indicação de melhor filme, Não Olhe Para Cima também concorre a melhor roteiro original, melhor trilha sonora original e melhor edição.

No Super Bowl desse ano, por exemplo, tivemos um show histórico com Mary J. Blige, Dr. Dre, Eminem, Kendrick Lamar e Snoop Dogg reunidos pela primeira vez no mesmo palco. No Oscar não faltam talentos para performances musicais entre os indicados na categoria de melhor música. Beyoncé, Billie Eilish, Finneas, Lin-Manuel Miranda e Van Morrison concorrem esse ano. Mas teremos algo monótono e contido ou um espetáculo impactante como o intervalo do Super Bowl?

As redes sociais já mostraram seu poder no Oscar. Em 2014, Bradley Cooper fez uma selfie com Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Brad Pitt, Angelina Jolie, Lupita Nyong'o. Mais tarde soubemos que a iniciativa foi uma ação comercial da Samsung para divulgar um celular. Mesmo assim, por que não temos mais interações com redes sociais como vídeos do TikTok exibidos nos intervalos? E por que ignorar o YouTube?

Mesmo os fãs mais ardorosos do Oscar sabem que a cerimônia precisa mudar. As oito categorias não foram eliminadas, apenas vão deixar de ser ao vivo. Ninguém está interessado em ouvir diretores de áreas técnicas agradecendo amigos e familiares. O Oscar ainda é muito relevante para estúdios e empresas de streaming. Elas chegam a gastar US$ 100 milhões em campanhas para promover um filme na premiação. Ganhar um Oscar ainda faz diferença para um filme.

Mas as pessoas querem um show. Reencontros inesperados, apresentações memoráveis, grandes estrelas e novidades. Se o Oscar não se reinventar, estará fadado à irrelevância.

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