Flavia Guerra

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Reportagem

Cannes: com Brasil em alta, quem são os favoritos hoje à Palma de Ouro?

Um mundo em crise, desencanto que quase perde a capacidade de sonhar, mas que também entende que é preciso não apenas sonhar, mas também amar, rir e celebrar a vida e o próprio cinema e, talvez, até 'resetar' como vivemos e começar tudo de novo.

Resumir uma curadoria e o recado que ela dá ao mundo é sempre tarefa difícil e redutora, mas, a julgar pelos 22 filmes da competição principal do Festival de Cannes 2025, que entrega seus prêmios e a Palma de Ouro na noite de hoje (de tarde, no Brasil), é este mundo que se revela na edição que teve desde a estreante Masha Schilinski, com o belíssimo "Sound of Falling" (Som da Queda) abrindo a competição, até o barroco e sonhador "Resurrection" (Ressurreição) disputando as atenções e o título de melhor filme do ano.

A memória, o passado que não só se repete como está presente nas novas gerações, que carregam os traumas de seus antepassados, foi uma tônica importante. O brasileiro "O Agente Secreto", o próprio "Sound of Falling", e até o badalado "Sentimental Value" trouxeram reminiscências que reverberam não só na tela como na realidade e, que não são apenas questões de família ou pessoais, mas que trazem a história e a realidade sociopolítica de seus países como elemento que influencia estruturalmente a vida dos personagens.

É um exercício de futurologia afirmar quem leva a Palma de Ouro, pois a escolha não depende de palmas cronometradas, mas sim da visão do júri, que por vezes não vê os filmes nas sessões de gala.

Entre os mais cotados estão "O Agente Secreto", "It Was Just an Accident", "Sentimental Value" e "Sirat", com "Two Prosecutors" e "Sound of Falling" correndo por fora. O ucraniano Sergei Loznitsa, de "Two Prosecutors" é um forte candidato a melhor direção, assim como a estreante Masha Schilinski.

Se Jafar Panahi não levar a Palma ou o Grande Prêmio do Júri, também pode levar direção e/ou roteiro, assim como Joachim Trier por "Sentimental Value".

Entre os prêmios de atuação, esse foi um ano sem atuações arrebatadoras, tanto masculinas, quanto femininas. Wagner Moura é apontado como forte favorito ao lado de Stellan Skarsgard, de "Sentimental Value", Aleksandr Kuznetsov, por "Two Prosecutors e Tahar Rahim está impressionante em "Alpha", de Julia Ducournau (Palma de Ouro em 2022 por "Titane").

Entre as atrizes, Jennifer Lawence, por "Die, My Love", de Linney Ramsay, "Golshifiteh Farahani", por "Alpha" e até mesmo Lucia, pelo surpreendente "Romería", da espanhola Carla Simón, que também tem chance e merece levar um prêmio maior. Uma zebra seria a iraniana Parinaz Izadyar, do folhetinesco "Woman and Child", de Saeed Roustayi.

A seguir, alguns destaques imperdíveis de Cannes que certamente vão reverberar na temporada:

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"O Agente Secreto" - de Kleber Mendonça Filho

O filme brasileiro 'O Agente Secreto', dirigido por Kleber Mendonça Filho, estreou em Cannes
O filme brasileiro 'O Agente Secreto', dirigido por Kleber Mendonça Filho, estreou em Cannes Imagem: REUTERS/Benoit Tessier

Se o júri presidido pela atriz Juliette Binoche for corajoso, "O Agente Secreto" ou "It Was Just An Accident" (que pode ser traduzido como "Foi uma simples coincidência") levam a Palma de Ouro.

Um dos favoritos da crítica, o filme dirigido por Kleber Mendonça Filho tem sido apontado como um dos principais candidatos à premiação máxima por combinar um roteiro engenhoso e cheio de camadas e ação que ocorre nas entrelinhas ao mesmo tempo, em que a trama principal acompanha Marcelo, professor universitário perseguido por simplesmente se manter fiel à sua ética e suas convicções em um Brasil que entrava no período final da Ditadura Militar.

Wagner Moura pode levar melhor ator, mas é mais provável que o longa saia com a Palma, o Grande Prêmio do Júri ou até Melhor Direção. Lembrando que esta é a terceira vez que Kleber disputa a Palma e levou o Prêmio do Júri em 2019 por "Bacurau".

"It Was Just An Accident" - de Jafar Panahi

Cineasta iraniano Jafar Panahi em Cannes para lançamento de "It Was Just an Accident"
Cineasta iraniano Jafar Panahi em Cannes para lançamento de "It Was Just an Accident" Imagem: Getty images/JB Lacroix/FilmMagic
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Seria uma "Palma Perfeitata", de Jafar Panahi, pois, além do filme ser genial ao trazer uma trama inteligente, que faz o melhor uso das condições limitadas de produção, o cineasta ficou preso nos últimos anos e proibido de sair do Irã nos últimos 14 anos.

Panahi, que recebeu o prêmio Melhor Roteiro em Cannes por "Três Faces", não pôde estar presente em 2017. Em 2022, levou o Melhor Roterio em Veneza por "Sem Ursos" e também não esteve presente, pois estava encarcerado, fato que rendeu um protesto dos artistas no tapete vermelho do festival. Esta seria a primeira vez que o cineasta seria premiado em Cannes e um posicionamento político importante de Cannes sobre a liberdade de expressão dos artistas de todo o mundo.

Em "It Was Just An Accident", ele usa histórias que ouviu de companheiros de cárcere para construir uma história sobre um mecânico que reconhece seu torturador na prisão pelo seu passo. Para tirar a dúvida e não cometer uma injustiça, pois quer matar o algoz, ele chama os companheiros que também foram presos para identificar o sujeito.

Mas como todos ficavam vedados durante as torturas, cada um reconhece por um sentido: o passo, a voz, o cheiro? Um roteiro muito engenhoso e um final que é puro cinema, Panahi prova que é possível arriscar e inovar sempre, mesmo correndo o risco de voltar a ser preso quando retornar para a casa com sua merecida Palma ou prêmio. É possível e provável que leve Prêmio do Júri, Direção e até Roteiro em Cannes.

Para completar, depois que "A Semente do Fruto Sagrado", de Mohammad Rasoulof, que merecia a Palma em 2024, levou só um Prêmio Especial, pois o júri presidido por Greta Gerwig preferiu apostar no cinema mais pop de "Anora, de Sean Baker, uma Palma para o Irã seria a justiça sendo finalmente feita.

"Sentimental Value" - de Joachim Trier

Cannes 2025: Renate Reinsve e Joachim Trier posam para foto
Cannes 2025: Renate Reinsve e Joachim Trier posam para foto Imagem: Rocco Spaziani/Archivio Spaziani/Mondadori Portfolio via Getty Images
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Uma Palma menos política e mais convencional seria a de "Sentimental Value", filme em que tudo funciona perfeitamente, mas que nada ousa demais.

Trier é famoso por filmar boas "dramédias" que trazem questões comuns e, ao mesmo tempo, existenciais. Seu longa anterior, "A Pior Pessoa do Mundo", rendeu o Prêmio de Melhor Atriz para Renate Reinsve, que também protagoniza o novo filme. Aqui, ela divide a tela com Stellan Skarsgard, que também pode e merece levar o Prêmio de Melhor Ator, Elle Fanning e Inga Ibsdotter Lilleaas.

A franco-iraniana Golshifteh Farahani, que em "Alpha" divide o protagonismo com a jovem Mélisa Boros, também seria uma boa escolha.

"Sound of Falling" - de Mascha Schilinski

Cannes 2025: Mascha Schilinski com parte do elenco de "Sound of Falling"
Cannes 2025: Mascha Schilinski com parte do elenco de "Sound of Falling" Imagem: Dominique Charriau/WireImage

Mascha Schilinski, aos 40 anos, praticamente faz sua estreia na direção de longas-metragens com este filme. Antes, dirigiu o trabalho de conclusão de faculdade "Dark Blue Girl", curtas e três episódios de uma série para TV.

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Em "Sound of Falling", ela opta pela janela quadrada para enquadrar uma história de gerações de mulheres em torno da mesma casa de fazenda na Alemanha. Através das décadas, que começam no período da Primeira Guerra Mundial e avançam até o mundo contemporâneo, Mascha conta a história de mulheres da mesma família e as violências, pagamentos e experiências que elas vivem.

É raro que se premie um primeiro filme, mas não impossível. Um prêmio de direção ou até mesmo elenco não seria completamente inesperado.

"Sirat" - de Oliver Laxe

Cannes 2025: "Sirat" - de Oliver Laxe
Cannes 2025: "Sirat" - de Oliver Laxe Imagem: Rocco Spaziani/Archivio Spaziani/Mondadori/Getty Images

O filme-evento da edição. O também jovem Oliver Laxe, 42, faz de seu quarto filme uma experiência cinematográfica.

Impossível ficar indiferente à sua proposta de retrato do fim do mundo como o conhecemos. Com longas cenas do deserto no Marrocos ao som de música eletrônica, ele conta a história de Luís, um pai (o ótimo ator espanhol Sergi López) que, em companhia do filho ainda criança, em busca da filha, que deixou a Espanha sem dar notícias.

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Ele acredita que a jovem está no Marrocos e o filme se abre com uma grande sequência em uma rave no deserto. Tudo vai bem até que o exército chega e acaba com a festa, pois uma guerra acabou de começar. Quando um grupo de outsiders franceses e espanhóis foge do cerco que o exército formou e se lança, em dois caminhões-trailers, rumo ao deserto profundo e ao sul do país, em busca de outra rave, Luiz os segue com seu carro, que não tem estrutura para enfrentar a viagem, mas sua obstinação é tamanha que o grupo decide ajudá-los.

Em um filme surpreendente, arriscado e fatalista, o destino leva a situações tão bizarras quanto reais. Um filme raro, que tem dividido Cannes entre os que o amam e os que o deixam. REsta esperar para saber se o júri amou ou o ignorou na premiação.

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