Flavia Guerra

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Reportagem

Spike Lee e Denzel Washington decifram dilema moral em novo filme

Mesmo fora de competição de Cannes, o diretor Spike Lee é um dos mais aguardados do festival. Na noite de ontem, "Highest 2 Lowest" não só agitou o tapete vermelho como a sala do Palais de Festival em uma sessão de gala que ofereceu o melhor do cinema repleto de energia, ritmo, ação, cinefilia e uma Nova York que só o cineasta sabe filmar.

Em seu novo filme, Spike dirige um remake de "High and Low", que o mestre Akira Kurosawa realizou nos anos 1960. Na verdade, em "Highest 2 Lowest", Lee, traz, aliás, a trama de volta ao seu cenário original, pois no romance de "King's Ransom", de Ed McBain, no qual o filme de Kurosawa é baseado, a história se passa em Nova York.

Se no original o protagonista Gondo, vivido por Toshiro Mifune, é um executivo do ramo de calçados, agora Denzel Washington é David King, um executivo da indústria musical que tem um dom para descobrir novos talentos. Sua gravadora é especializada não só em produzir e lançar hits, mas valorizar a música dos artistas negros e a alma que há na cultura local de bairros como o Brooklyn, onde vive.

Lee toma o tempo necessário para construir um universo em que as tensões são postas na mesa. David passa por um momento de crise, pois seus sócios querem vender a empresa para um grupo focado no lucro, nos números e não na alma dos artistas contratados. Ele defende que nem todo dinheiro é bom e, apesar de estar prestes a vender sua parte da empresa por uma fortuna, ele quer comprar parte de um dos sócios para ter o poder de decisão na venda. Para isso, ele também tem de convencer sua mulher, Pam (Ilfenesh Hadera), que, apesar do risco, não está colocando o futuro da família em risco.

Porém, a pequena fortuna que levanta para isso é colocada em risco quando seu filho adolescente Trey (Aubrey Joseph) é sequestrado. Se o caos já estava instalado, tudo piora quando a polícia resgata o garoto ou, na verdade, descobre que a pessoa errada foi sequestrada. Na verdade, Kyle (Elija Wright), melhor amigo de Trey, é quem foi levado. Só que Kyle é filho do amigo de infância e assistente geral de King, Paul Christopher, vivido por Jeffrey Wright, que na vida real é pai de Elija Wright.

É então que o conflito real do filme se apresenta. King entra em um dilema moral. Usa os 17,5 milhões de dólares pedidos para o resgate para trazer de volta o filho do amigo e arruína seus planos de negócio ou faz a coisa certa? Se no original de Kurosawa o dilema instalado e a dúvida de Gondo tomava boa parte da trama, na versão de Lee, a questão é resolvida mais rápido. Mas não sem antes se levantar o quanto fazer ou não o que é certo hoje em dia está ligado à opinião pública.

King é um cara offline, não tem redes sociais e valoriza a música, ainda que tenha se tornado um grande executivo. Mas ao hesitar, é confrontado inclusive pelo próprio filho, que já sente o ódio dos posts nas redes sociais, o futuro cancelamento e julgamento popular caso o pai não pague o resgate do amigo. Lee atualiza o drama moral e traz ainda a crise da arte, em tempos em que a música tem se tornado cada vez mais um negócio.

É este o cerne de um filme que tem humor e leveza, mas não foge das questões complicadas. Lee sabe fazer isso com maestria e filma Nova York como mais que um cenário, mas um verdadeiro personagem, sendo impossível não se apaixonar pela cidade.

"Nem tudo está à venda. Nem tudo é uma decisão de negócios. A gente vem de uma tradição que as coisas não eram sobre dinheiro. Eram sobre amor. A gente pode fazer melhor", declarou Wright na conversa com a imprensa na manhã de hoje.

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Lee concordo e acrescentou com uma frase que King diz: "Nem todo dinheiro é bom dinheiro. E por isso devemos estar atentos, tanto à ética e à paixão por fazer cinema quanto na vida. Eu sou professor de cinema, leciono na NYU, e digo sempre para meus alunos que a gente tem de estar sempre comprometido e fazer. Sempre digo que não devemos tentar. Temos de fazer e estar atentos."

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