Flavia Guerra

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Reportagem

Wagner Moura sobre 'O Agente Secreto': 'Estamos falando do mundo de hoje'

Um filme antropofágico, de memória e também sobre o tempo, em que o estilo do cinema norte-americano dos anos 1970 se funde perfeitamente com um Brasil sempre em transe, em que o contexto sócio-político da Ditadura Militar não está necessariamente em primeiro plano, mas cujas forças subterrâneas emergem e afetam a trajetória de seu protagonista, um pesquisador da universidade pública que insiste em ser uma pessoa correta em tempos em que absurdos eram justificados por um suposto bem maior.

"O Agente Secreto", terceiro filme de Kleber Mendonça Filho a disputar a Palma de Ouro é tudo isso e mais. É puro suco de um Brasil em que ser uma pessoa correta, como afirmou o protagonista Wagner Moura, pode ser perigoso, mas é um ato de resistência.

Acho que o filme tem uma coisa que eu acho bonita, que quando se fala de lógica de poder. É quando um governante, um governo, assume uma lógica perversa, essa lógica emana. Eu estava lendo todo dia sobre o (Nayib) Bukele, que é o presidente de El Salvador, que tem 84% de aprovação. Em El Salvador estão encarcerando pessoas em massa. Wagner Moura para Splash em Cannes

"Essa lógica vem de cima. Então, quando a gente faz um filme que acontece nos anos 1970, durante a Ditadura Militar, em que uma pessoa tem uma lógica humanista decente, e essa lógica é questionada o tempo todo, atacada o tempo todo, a ponto dessa pessoa sofrer consequências graves por conta de uma lógica que deveria ser normal", afirmou o ator.

"A gente está falando de uma ditadura que aconteceu nos anos 1960, a gente está falando da época colonial, a gente está falando do mundo hoje", completou Wagner, que volta a atuar não só em uma produção brasileira, mas também ao festival, onde esteve pela primeira vez em 2005, quando "Cidade Baixa" concorreu na mostra Um Certo Olhar.

Em "O Agente Secreto", o tom de thriller político anda de mãos dadas com o olhar de cronista de um País em que a lógica de poder é violenta, mas que também é fascinante, com uma cultura popular e personagens apaixonantes como Sebastiana (Dona Tania) e o projecionista Alexandre (Carlos Francisco).

No Brasil de 1977, o ano em que Kleber, aos nove anos, começou a ter lembranças, acompanha Marcelo (Wagner Moura), um especialista em tecnologia que retorna ao Recife após anos afastado, em busca de paz após se desentender com empresários de São Paulo que querem se apropriar de sua pesquisa para lucrar no mercado privado.

"Acho que quando você fala sobre o poder, a lógica nunca vai sair de moda. Ela está acontecendo hoje, em múltiplos territórios. Eu acho que o filme é um retrato histórico bem pesquisado e bem sentido com o coração de um momento do país", declarou Kleber Mendonça Filho em entrevista a Splash.

Kleber tem um olhar atento à realidade brasileira e, em "O Agente Secreto", ele deixa claro que vem apurando este olhar. Ele é um diretor que ama seus personagens e atores e que não se deixa levar pela lógica dos manuais de roteiro. O cineasta constrói sua história com o tempo que julga necessário para que a trama seja desenvolvida. Tanto por isso, o roteiro que dá espaço e dimensão a todos os personagens, mesmo quem faz uma participação especial como Maria Fernanda Cândida, traz humanidade em sua construção.

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"Essa personagem tem essa especificidade como ela vem de outro estado, isso marca muito mais a divisão do País. Isso se desfaz cada vez mais, mas é uma questão. Eu me sinto muito acolhida dentro deste universo, desta turma de Recife", comentou Maria Fernanda.

Já a portuguesa Izabel Zuaa, que vive Teresa Vitória, uma refugiada angolana no filme, comentou na coletiva de imprensa realizada na manhã de hoje, que ninguém, por menor que seja o tempo de tela, faz uma participação. "Eu sinto uma democracia na montagem, um balé de forma muito democrática. Foi uma honra, me senti muito acolhida. O fato de eu ter saído foi uma honra, uma benção imensa. Não senti que alguém fizesse uma ponta. Todas construíram e ajudaram a contar a história deste personagem muito especial."

O Brasil também está em "O Agente Secreto" e não por acaso o filme vem sendo apontado como um dos destaques do festival, com reais chances de prêmio, cujos vencedores serão conhecidos na noite de sábado (24).

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