'O Agente Secreto': Cannes busca equilíbrio entre cinemão e autoral

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"Kleber Mendonça Filho voltou a seu Nordeste, porque ele passa bastante tempo na França. Mas ele filmou no Nordeste e na sua cidade do Recife, onde fez um fantástico retrato e uma história através das salas de cinema, que não estão ausentes deste filme policial que se chama 'O Agente Secreto'. É um filme policial, um filme de atmosfera, um filme dos anos 1970 e 1980 que conta também a história desse Brasil", anunciou, para a alegria do cinema brasileiro, o diretor do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, na manhã de hoje, que o novo filme do cineasta brasileiro concorre à Palma de Ouro ao lado de nomes fortes como Wes Anderson, Richard Linklater, Ari Aster, Julia Ducournau, Kelly Reichardt, Jafar PANAHI, entre outros.
"O Agente Secreto" é um thriller que se passa no Brasil de 1977. Na trama, Marcelo (Wagner Moura) é um especialista em tecnologia que foge de um passado misterioso e volta ao Recife em busca de paz, mas entende que não vai encontrar a tranquilidade que busca. "Esse filme é resultado de um desejo grande de continuar filmando o Brasil e o Recife, desta vez no contexto histórico do mundo de 50 anos atrás, de um Brasil do passado. Eu também tinha vontade de fazer um filme de mistério e de suspense, em que o Recife fosse o cenário principal. Eu era criança nos anos 1970, mas me lembro com alguma clareza do ano de 1977, quando eu tinha nove anos. Naquela época, o Brasil era muito diferente, mas, de certa forma, também muito parecido com o de hoje", comentou Kleber Mendonça Filho.

No elenco, além de Moura, nomes como Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido, Udo Kier, Hermila Guedes, Thomás Aquino, Alice Carvalho, Edilson Filho. "É a combinação perfeita: encerra a realização do filme e inaugura a sua trajetória. Estou feliz com 'O Agente Secreto', honrado com o convite e quero que as pessoas vejam o filme no exterior e no Brasil. É uma história muito brasileira e, por isso mesmo, é um filme do mundo todo", declarou Kléber sobre o filme produzido por Emilie Lesclaux, em uma coprodução Brasil (CinemaScópio Produções), França (MK Productions), Holanda (Lemming) e Alemanha (One Two Films) com distribuição no Brasil da Vitrine Filmes.

"Me permitam dar um alô para nosso amigo Walter Salles, que foi o primeiro a nos dizer "presta atenção" no filme do Kleber. A gente ia prestar atenção ao filme de Kléber de qualquer forma, mas Walter é sempre de uma generosidade formidável com seus colegas", completou Frémaux no anúncio, acenando que o ciclo virtuoso que o cinema brasileiro vem construindo ao longo dos anos é feito de continuidade, como o próprio Salles tem defendido nas entrevistas que deu ao longo da temporada do Oscar 2025.
E continuidade é a palavra crucial da presença marcante que o cinema brasileiro tem tido, não só no Festival de Cannes como nos de Berlim, Veneza, Locarno, Sundance e outros grandes do circuito. Especificamente sobre Cannes, esta é a segunda vez consecutiva que o Brasil concorre à Palma de Ouro. Em 2024, "Motel Destino", de Karim Aïnouz, integrou a seleção oficial. Em 2019, "Bacurau", também de Kleber, concorreu à Palma, levanto o Prêmio do Júri em um ano histórico, em que Aïnouz foi o vencedor da Mostra Un Certo Olhar com "A Vida Invisível". Antes, em 2016, "Aquarius", também de Kléber, disputou a Palma.

Em 2021, "Sideral", de Carlos Segundo, e "Céu de Agosto", de Jasmim Tenucci, disputaram a Palma de Ouro da competição de curtas. Em 2024, "Amarela", de André Hayato, também esteve na competição oficial e "Baby", de Marcelo Caetano, competiu e foi premiado na Semana da Crítica, mostra paralela, mas que integra o grande guarda-chuva de Cannes.
Neste ano, em que o Brasil é o "país de honra" do Marché du Film, o maior mercado de cinema do mundo, a presença brasileira em Cannes vai ser maior ainda. Haverá missões oficiais de entidades como Cinema do Brasil (criada pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp) em 2006, em parceria com a Apex Brasil), que trabalha na promoção e internacionalização do cinema nacional; da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, que lançou no Festival de Berlim, em fevereiro, o Plano de Desenvolvimento da Indústria Audiovisual Paulista e deve promover ações para fortalecer o estado como um grande polo cinematográfico e fortalecer o papel da Film Comission. A SPcine, empresa de cinema e audiovisual de São Paulo, iniciativa da Prefeitura da capital, também terá diversas ações no Marché, fortalecendo o trabalho consistente que realiza há mais de uma década no desenvolvimento do cinema, TV, games e novas mídias. Minas Gerais, Rio e outras iniciativas devem estar presentes em ações no mercado.

De volta aos filmes, quatro curtas-metragens produzidos no projeto Directors' Factory Ceará Brasil, patrocinado pelo Governo do Ceará em parceria com a Quinzena dos Cineastas, que tem Karim Aïnouz como padrinho, estreiam na prestigiada mostra paralela do festival. Depois de dez anos, a América Latina volta a integrar a Factory, que apoia a formação de jovens realizadores de olho na internacionalização da produção destes cineastas.
Kléber, aliás, exibiu seu primeiro curta, "Vinil Verde", justamente na Quinzena, em 2005, quando a atuação dele como cineasta, além de crítico de cinema, começou. Os filmes selecionados são: "A Fera do Mangue", de Wara (Ceará) e Sivan Noam Shimon (Israel), "A Vaqueira, A Dançaria E O Porco", de Stella Carneiro (Alagoas) e Ary Zara (Portugal), "Ponto Cego", de Luciana Vieira (Ceará) e Marcel Beltrán (Cuba), e "Como Ler o Vento", de Bernardo Ale Abinader (Amazonas) e Sharon Hakim (França).
Karim Aïnouz, que também tem longa relação com o festival francês, era aguardado com filme novo no forno: "Rosebush Pruning", rodado na Espanha com Ellen Fanning, Callum Turner, Pamela Anderson, a espanhola Elena Anaya, entre outros. Ou entra em uma segunda chamada, pois ainda faltam alguns filmes na seleção oficial, que costuma ter 22 nomes na competição, ou deve estar na relação de Veneza, em setembro.
O fato é que, como também afirmou Frémaux, Cannes é um festival de relações e relacionamentos. E se costuma respeitar e honrar não só as pontes construídas, mas também o cinema dos autores. Ainda que cada vez mais a seleção abra espaço para nomes de Hollywood, uma vez que é preciso atrair atenção do grande público, mais ampla que a do mercado e dos cinéfilos, Cannes acompanha e prestigia a trajetória dos e das cineastas em que aposta.

Caso emblemático é o dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, que voltam à competição com "Jeunes Mères". Vencedores da Palma de Ouro em 1999 ("Rosetta") e 2005 ("A Criança"); Melhor Roteiro em 2008 ("O Silêncio de Lorna"); Grande Prêmio do Júri em 2011 ("O Garoto da Bicicleta"); Melhor Direção em 2019 ("O Jovem Ahmed") e, por fim, o Prêmio Especial da 75ª edição do festival, em 2022 ("Tori e Lokita").
Não por acaso, Frémaux, ao anunciar "Jeunes Mères" fez questão de ressaltar que "Cannes valoriza os autores em que aposta".
Se continuidade também é a palavra, Cannes tenta manter sua relação com as mulheres e traz seis filmes de diretoras em competição neste ano: "Alpha", da francesa Julia Ducournau (Palma de Ouro em 2021 por "Titane"); "Romeria", da espanhola Carla Simón, "The Mastermind", da estadunidense Kelly Reichardt; "Sound of Falling", da alemã Mascha Schilinski, "La Petite Derniere", da franco-tunisiana Hafsia Herzi, e "Renoir", da japonesa Chie Hayakawa. O filme de abertura, "Partir un Jour", também é assinado por uma mulher, Amélie Bonnin, que dirige seu primeiro longa.

O aceno à Hollywood é reforçado pelas atrações paralelas, tão importantes quanto a competição oficial para trazer a atenção do público. Depois de literalmente fazer muito barulhos na Croisette com voos de caça da força aérea francesa na première mundial de "Top Gun: Maverick" em 2022, Tom Cruise volta com "Missão: Impossível - O Acerto Final".
O homenageado da vez é Robert De Niro, que recebe uma Palma pela carreira, Bono Vox chega com o documentário "Bono: Stories of Surrender", que estreia em 30 de maio na Apple TV+ e tem direção de Andrew Dominik (de "Blonde" e "O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford"). Na mostra Un Certo Olhar, que não trouxe brasileiros, Scarlett Johansson estreia na direção com "Eleanor The Great", e Harris Dickinson, de "O Triângulo da Tristeza" (Palma de Ouro em 2022) e "Babygirl", exibe seu primeiro longa como diretor, "Urchin".
Em tempo, Dickinson será John Lennon na já superaguardada cinebiografia que Sam Mendes dirige em breve.
Em geral, a seleção oficial traz entre 21 e 22 filmes. Por ora, temos 19 anunciados. Esperava-se que Spike Lee estivesse em competição, mas não. O cineasta, sempre irreverente, publicou nas redes sociais, uma hora depois do anúncio oficial, que seu novo longa, "Highest 2 Lowest" vai ser exibido no evento fora da competição.
Há espaço para surpresas, que devem ser anunciadas nas próximas semanas. Em um ano que vai ser certamente especial para o Brasil, Cannes apresenta uma seleção que faz um sinal claro que busca um equilíbrio delicado e raro entre o cinemão que atrai multidões e o cinema de autor, do qual a França sempre foi o porto seguro.
- "O Agente Screto", de Kleber Mendonça Filho
- "The History of Sound", de Oliver Hermanus
- "Nouvelle Vague", de Richard Linklater
- "Eddington", de Ari Aster
- "The Mastermind", Kelly Reichardt
- "In Simple Accident", de Jafar Panahi
- " The Phoenician Scheme ", de Wes Anderson
- "Alpha", de Julia Ducournau
- "Romeria", de Carla Simon
- "Sirat" de Oliver Laxe
- "Eagles of the Republic", de Tarik Saleh
- "Jeunes Mères" de Jean-Pierre e Luc Dardenne
- "Fiori", de Mario Martone
- "The Sound of Falling", de Mascha Schilinki
- "Two Prosecutors", de Sergei Loznitsa
- "Renoir", de Chie Hayakawa
- "Dossier 137", de Dominik Moll
- "Sentimental Value", de Joachim Trier
- "La Petite Dernière", de Hafsia Herzi
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