Flavia Guerra

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Oscar do Brasil: a jornada emocionante de quem viu tudo de perto

"Eu cheguei de muito longe e a viagem foi tão longa?" Enfim, estamos aqui. Uma semana após o maior evento da história de premiações do cinema brasileiro, o Oscar já não é mais um sonho distante —tornou-se uma realidade gravada nas prateleiras e na história do nosso cinema.

Para quem vive uma cobertura do Oscar por dentro, como esta colunista que vos fala, processar tudo, depurar e olhar com distanciamento leva tempo.

Se já é difícil para jornalistas brasileiros processar tão rapidamente os últimos meses para acompanhar esse momento único do cinema brasileiro e internacional, imagine para a equipe de "Ainda Estou Aqui".

Presentes em Los Angeles durante a "Semana do Oscar", Fernanda Torres, Walter Salles e Selton Mello ainda tentam absorver o que viveram — uma jornada longa e intensa, agora parte da história do cinema nacional.

Festival de Veneza: "Ainda Estou aqui?, de Walter Salles leva o prêmio de Melhor Roteiro
Festival de Veneza: "Ainda Estou aqui?, de Walter Salles leva o prêmio de Melhor Roteiro Imagem: Stephane Cardinale - Corbis / Getty Images

Fernanda Torres e Walter Salles, como ela mesma disse, tornaram-se verdadeiros missionários do cinema brasileiro, indo de país a país passando a palavra de "Ainda Estou Aqui". Durante seis meses, levaram o filme pelo mundo —do Festival de Veneza à Mostra de São Paulo, passando pelo Rio, Itália, Londres, Nova York, Paris, e, claro, Los Angeles.

Como bem observado pelos produtores Maria Carlota Bruno e Rodrigo Teixeira, além de Walter Salles e Fernanda na entrevista de imprensa pós-Oscar, essa não foi uma campanha marcada por jantares luxuosos, presentes aos votantes, festas ou outdoors espalhados por Los Angeles.

Seria natural se fosse. Haja vista os números recém-divulgados pelo produtor de "Anora", que afirmou ter gasto o triplo do orçamento do filme (cerca de US$ 18 milhões) com a campanha de promoção.

Mas "Ainda Estou Aqui" apostou em outro caminho: foi calcada na cinefilia, no poder de um bom filme e no poder quase pré-histórico de se reunir em torno de uma boa história, como comentou Daniela Thomas, produtora associada do filme.

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Diretora Daniela Thomas, produtora executiva do filme 'Ainda Estou Aqui'
Diretora Daniela Thomas, produtora executiva do filme 'Ainda Estou Aqui' Imagem: BandNews FM

Pode parecer pouco, mas está longe disso. Uma campanha como essa custa muito, principalmente tempo e estratégia. E nesse alinhamento tão especial dos planetas que regem as leis do cinema, tudo deu certo.

O Brasil tinha um filme ótimo. "Ainda Estou Aqui" chegou a um grande festival, saiu de lá premiado (melhor roteiro para Heitor Lorega e Murilo Hauser), e fez um circuito de festivais incrível.

Fernanda Torres foi inteligente, disposta, autêntica, engraçada e contundente, sem jamais deixar de lado sua personalidade para se encaixar no que quer que se esperasse de uma atriz latino-americana.

Ao lado dela, Walter Salles, a Sony Classics e toda uma equipe de assessores, tanto internacionais quanto nacionais, conduziram a campanha de forma impecável.

Fernanda Torres posa com seu prêmio no Globo de Ouro 2025
Fernanda Torres posa com seu prêmio no Globo de Ouro 2025 Imagem: Amy Sussman/Getty Images
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A imprensa internacional votante no Globo de Ouro elegeu Fernanda Torres como melhor atriz e alavancou de forma definitiva uma campanha que vinha já bem-sucedida. A mídia internacional, sobretudo a estadunidense, abraçou a atriz brasileira e "Ainda Estou Aqui'. O resultado veio: indicações a melhor filme, filme internacional e atriz. E então, o impossível aconteceu.

Queríamos e merecíamos ver Fernanda levar o Oscar de melhor atriz? Sim! Mas, como ela mesma declarou na Mostra de São Paulo, em outubro de 2024, quando um filme e/ou um ator que fala outro idioma além do inglês é indicado, ele já venceu. E vencemos. Em todas as instâncias, vencemos.

Não é nada fácil cobrir um Oscar

Para a imprensa, foi uma vitória ver um número recorde de jornalistas brasileiros e latinos em Los Angeles, acompanhando a equipe de "Ainda Estou Aqui". Cobrindo cultura como ela merece ser coberta: com urgência quando o tema pede, com seriedade, com entendimento da indústria cultural e de tudo que ela movimenta no valor simbólico e real.

Não é nada fácil cobrir um Oscar, tal qual não é cobrir uma Copa do Mundo, uma eleição, uma Olimpíada ou uma COP. Isso para ficar nos eventos agitados, mas sem comparar com conflitos, guerras e tragédias.

Nem tudo, ou quase nada, é glamour em uma cobertura assim. O trabalho começa muito antes: planejando a viagem, entendendo a dinâmica dos eventos, das participações das sessões no Museu da Academia (entidade que organiza o Oscar), onde ocorrem debates diários com representantes dos filmes e correndo para marcar entrevistas —de nomes internacionais aos brasileiros.

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Há também a logística. O Dolby Theater, palco da cerimônia, fica dentro de um shopping na Hollywood Boulevard. Por onde entrar? Até quando? Para quem não está na sala de imprensa —onde celulares são proibidos e qualquer registro, até mesmo selfies, é vetado, resta assistir à cerimônia em festas oficiais, como no Museu da Academia, ou acompanhar a movimentação do hotel Lowes, para onde os premiados seguem, por uma passarela, após ganharem seus Oscars.

Entrada do Dolby Theatre sendo preparada nesta sexta-feira (28) para a cerimônia do Oscar 2025
Entrada do Dolby Theatre sendo preparada nesta sexta-feira (28) para a cerimônia do Oscar 2025 Imagem: Mike Blake/Reuters

No meu caso, fui à festa do Museu da Academia, a poucos quilômetros do Dolby Theater. Um evento pago (US$ 100), com a transmissão da premiação em uma grande tela no hall e na imensa sala de cinema do museu —que, aliás, conta com duas salas.

Mas a noite do Oscar é repleta de festas. Há a de Elton John, conhecida por começar cedo e ter fama de chata. A de Madonna, ao contrário, é famosa por ser badalada e começar tarde. E, claro, a icônica festa da Vanity Fair, onde celebridades do calibre de Leonardo DiCaprio e Beyoncé dançam lado a lado com convidados nem tão famosos —e onde o uso de celulares é praticamente proibido.

E houve a celebração da equipe de "Ainda Estou Aqui", que foi às festas badaladas, mas reservaram um momento especial: reuniram-se em um restaurante de Los Angeles para celebrar a conquista ao lado de amigos.

Coletiva de imprensa de "Ainda Estou Aqui" após o Oscar em Los Angeles: Selton Mello, Fernanda Torres, Walter Salles e Flavia Guerra (mediadora)
Coletiva de imprensa de "Ainda Estou Aqui" após o Oscar em Los Angeles: Selton Mello, Fernanda Torres, Walter Salles e Flavia Guerra (mediadora) Imagem: Matheus Boeck /Divulgação
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No dia seguinte, uma bela segunda-feira de ressaca (não necessariamente da festança, mas, sim, da maratona) e de Carnaval no Brasil, Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello conversaram, em uma entrevista de imprensa, mediada por esta colunista, com a imprensa brasileira e latino-americana.

Foi bonito de ver a união da imprensa da América Latina e de seus conterrâneos se uniram para torcer e celebrar o feito de ver na tela uma latinidade fora dos clichês, vista com nossos próprios olhos e nada estereotipada.

Foi uma jornada longa e exaustiva para quem acompanhou a campanha desde antes de Veneza, na expectativa de que o filme fosse finalizado, estreasse em Cannes, fosse confirmado em Veneza e, assim, ganhasse o mundo.

A sensação ao final da segunda e desta caminhada é a de testemunhar um momento histórico. Não somente pelo feito em si, mas principalmente por ver como a nação se uniu em um grito de celebração, como na Copa, por um filme. Um longa, que fez com que o Carnaval não parasse, mas, sim, incorporado como uma festa da cultura.

Mais que o Oscar, é histórico e emocionante ver despontarem em todas as esquinas do país o grito preso na garganta diante do anúncio de Penélope Cruz. Não por um prêmio, mas por um grito tão poderoso vir em celebração ao cinema, à cultura e à memória de um país que não pode nunca mais esquecer seu passado para construir seu futuro, seja ele como cidadãos, seja nas telas.

Bastidores da coletiva de imprensa de "Ainda Estou Aqui" no dia seguinte ao Oscar, em Los Angeles, 2025
Bastidores da coletiva de imprensa de "Ainda Estou Aqui" no dia seguinte ao Oscar, em Los Angeles, 2025 Imagem: Matheus Boeck/ Divulgação
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O Oscar é nosso. O cinema se tornou um tema tão popular e relevante quanto o futebol. Que essa bola não caia, que o brasileiro encontre seu cinema e suas histórias cada vez mais nas telas e que, de uma vez por todas, entendamos que cultura, indústria cultural e jornalismo cultural são essenciais para qualquer democracia saudável.

Que a política pública nacional, estadual e municipal valorize quem trabalha com cultura. Que o cidadão valorize o jornalismo cultural feito com seriedade e ética. De toda forma, ainda estaremos aqui, insistindo em cobrir, escrever e falar sobre cinema brasileiro com ou sem Oscar, mas sempre com ética e respeito por quem trabalha e trabalhou muito para estar aqui.

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