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Flavia Guerra

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

James Caan foi muito mais que o Sonny de "O Poderoso Chefão"

James Caan como o Sonny de "O Poderoso Chefão" - Divulgação
James Caan como o Sonny de "O Poderoso Chefão" Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

07/07/2022 20h24

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"O Sonny de O Poderoso Chefão". Para a grande maioria do público, incluindo até mesmo cinéfilos dedicados, James Caan, faleceu nesta quarta, resumia-se ao filho mais velho de Don Corleone, o papel que lhe rendeu sua única indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1973. Jimmy, como era chamado pelos amigos, também voltaria no segundo filme da saga de Francis Ford Coppola e em tantos outros longas, mas nunca mais seria tão reconhecido como no papel do esquentado e impulsivo Santino.

É pena. Em tempos em que assistir aos clássicos é até mais difícil do que na época das locadoras, vale pelo menos tentar (re)descobrir um ator que amava trabalhar, que sempre recusou o rótulo de estrela e que só aceitava atuar no filmes de cujos roteiros realmente ele gostasse. Nesta toada de ser fiel a si mesmo, recusou embarcar em "Apocalipse Now" (sua segunda mulher estava grávida e ele não queria arriscar que o bebê nascesse na Ásia durante as filmagens), recusou ainda "Um Estranho no Ninho" e até mesmo "Kramer vs. Kramer".

Em contrapartida, antes mesmo de viver Sonny, interpretou o jogador de futebol americano Brian Piccolo e fez o mundo todo chorar com "Glória e Derrota" ("Brian's Song", de 1971) ao dar ao personagem principal a humanidade que um herói de fato precisava. Filme para TV em uma época em que produções para a telinha eram vistas como menores, o longa foi visto por mais de 35 milhões de pessoas somente nos Estados Unidos e ajudou não só a diminuir o preconceito em relação aos telefilmes como fez com que o mundo prestasse atenção em James.

Baseado em fatos reais, "Glória e Derrota" retrata a amizade dos atletas Brian Piccolo e Gale Sayers (Billy Dee Williams). Quando Brian descobre que tem uma doença terminal, o vínculo entre os dois se fortalece mais ainda. O filme conquistou os corações de marmanjos pelo mundo, que não tinham receio de confessar que estavam aos prantos no final da história.

Um de seus papéis mais marcantes teve, curiosamente, muito a ver com seus sonhos de infância em Nova York. James nasceu no Bronx, cresceu no atribulado Queens dos anos 40 e 50 ao lado de figuras reais que depois ele veria na trilogia de Coppola, mas sonhava mesmo em ser jogador de futebol americano. Bem que tentou, chegou a jogar pelo Michigan State University Football Team, mas a carreira não durou muito. No meio tempo, estudou artes marciais, tornou-se faixa preta no caratê e se apaixonou por rodeios, sendo até chamado de "o cowboy judeu".

Mas foi sua ida para a prestigiada Hofstra University que o colocou no caminho do cinema, onde conheceu um colega em particular: Francis Ford Coppola, que o escalaria para "Caminhos Mal Traçados" ("The Rain People", 1969). Antes, começou a estudar atuação na Neighborhood Playhouse School of the Theatre. Entre uma aula e outra, James, que era filho de imigrantes judeus alemães, ajudava seu pai a fazer as entregas das encomendas do açougue da família.

Este caldeirão de culturas e referências em que ele cresceu certamente lhe deu o jogo de cintura para viver homens durões e, ao mesmo tempo, vulneráveis, sem jamais perder o senso de humor. Com seu crivo muito pessoal, viveu tanto um jovem cowboy em "El Dorado" (1966), ao lado de lendas como John Wayne e Robert Mitchum, com a mesma disposição que fez comédias como "Um Duende em Nova York"(Elf, 2001), em que vive o pai ausente do personagem de Will Ferrell no longa dirigido por Jon Favreau ou o "Jogador" (1974).

Talvez seu maior feito foi não ser rotulado como "ator de filmes de gângster" e conseguir, mesmo que sem alcançar o estrelato como Al Pacino e Marlon Brando, trabalhar até os 81 anos em papéis o mais diferente possível. Ele tinha o star quality para ser uma das maiores estrelas de Hollywood, mas a busca pela essência de seu ofício o fez recuar e até (quase) desistir. Recusou, como poucos, o rótulo de astro.

Mas nada lhe preparou para lidar com o luto. Em 1982, sua irmã, e melhor amiga inseparável, morreu de leucemia quando ele estava no auge e a perda o desestabilizou. Deprimido, sem rumo, sofreu com abuso de cocaína e álcool e sua carreira entrou em crise.

Passou anos como treinador de esportes para crianças até que o dinheiro ficou curto. Chegou a fazer alguns papeis menores mas voltou de fato e em grande estilo aos sets em 1989 em "Louca Obsessão" ("Misery", de 1990), adaptação da obra de Stephen King, com Kathy Bathes. Dirigido por Rob Rainer, o longa conta a história de uma fã desequilibrada e obcecada (Bathes) que, depois de salvar o escritor que ela adora de um acidente de carro, o mantém refém.

Apesar de passar praticamente todo o filme em uma cama, James está magnífico, trabalhando a tensão nos mínimos gestos e nos diálogos com Bathes, também em momento iluminado da carreira.

Vale também destacar que, provando que sabia se divertir com o rótulo de homem durão e gangster que ganhou com Sonny, James filmou pouco tempo depois "Lua-de-Mel a Três" ("Honeymoon in Vegas", 1992), com Nicolas Cage e Sarah Jessica Parker , em que vive um mafioso. Divertido na medida, o longa foi um grande sucesso no mundo todo.

Entre tantos outros projetos, fez de "Dogville"(de Lars von Trier) à animação "Tá Chovendo Hamburger" (2013), passando pela série "Havaí 5.0", de 2010. James Caan nunca mais se afastou dos set, mas nunca mais ganhou o protagonismo merecido, ficando sempre com papéis consistentes, mas jamais à altura de sua potência, de seu poder de transitar entre vulnerabilidade e brutalidade, ternura e dureza.

Como disse em entrevista à emissora CBS em julho de 2021, tudo que ele sempre quis foi ser respeitado em uma profissão em que "a gente ri, aprende e às vezes ganha respeito." Que em sua partida o eterno Sonny ganhe muito respeito, mas que, acima de tudo, saibamos que ele merece estar ao lado dos grandes do cinema.