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Flavia Guerra

REPORTAGEM

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Samantha Schmütz rejeita polêmicas e mira futuro em Hollywood e na Broadway

A atriz Samantha Schmütz no Festival de Cinema de Cannes, na França - Soraya Ursine/Divulgação
A atriz Samantha Schmütz no Festival de Cinema de Cannes, na França Imagem: Soraya Ursine/Divulgação

Colunista do UOL, em Cannes

26/05/2022 10h50Atualizada em 26/05/2022 17h10

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Pela primeira vez, a atriz e comediante Samantha Schmütz, que estrelou vários filmes e protagoniza o longa brasileiro de maior bilheteria do ano até o momento "To Ryca 2", que fez 500 mil espectadores, passou uma temporada no Festival de Cannes, o maior e mais importante festival de cinema do mundo. Como bem disse ela em sua conta no Instagram, veio encontrar a arte, aprender cinema direto na fonte e, claro, como cabe ao protocolo de quem passa por Cannes, estrear no badalado tapete vermelho.

No entanto, esta não é a primeira vez da atriz em Cannes. Ela já tinha vindo à cidade francesa para o MipCom, o mais importante evento de TV do mundo, espécie de "Cannes da TV", em 2016.

"Tenho um projeto de desenho animado para o Juninho Play, que é o meu personagem mais famoso. A gente veio para fazer negócios, para ver este mundo, apresentar o projeto", contou Samantha ao UOL enquanto se arrumava em seu quarto no hotel Majestic, um dos mais badalados da Riviera Francesa, para a sessão de gala de "Elvis", dirigido pelo australiano Baz Luhrmann, estrelado por Austin Butler e Tom Hanks, na tarde de quarta na França.

Entre reuniões no Marché du Film (o maior mercado de cinema, de compra e venda de filmes do mundo), passeios pela cidade e festas, Samantha fez questão de se dedicar à cinefilia. Para uma "pessoa de mercado" (quem vêm a Cannes prioritariamente com uma agenda de reuniões e encontros, ao contrário dos profissionais de imprensa, que seguem com afinco os filmes), Samantha foi uma aluna dedicada. Da competição oficial, a atriz foi às sessões de gala de "Coupez!, de Michel Hazanavicius, que abriu o festival no dia 17, "Armageddon Time", de James Gray, "Frère et Soeur", de Arnaud Desplechin, e "Elvis", de Baz Luhrmann.

"Fui também à sessão do Glauber. Fiquei emocionadíssima quando vi, no primeiro dia da abertura, a escada que sobe na vinheta do festival e o primeiro nome que apareceu foi o do Glauber. Nem vou falar muito porque vou chorar. Fico arrepiada. Foi uma cópia restaurada linda!", contou ela sobre a sessão na Cannes Classics de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, que foi exibido em cópia restaurada 4k, no dia 18, com a presença de Paloma Rocha, filha do diretor.

Samantha viu também "The Silent Twinss", na mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar, prestigiada mostra paralela à competição oficial), estrelado por Letitia Wright (de "Pantera Negra"), dirigido pela polonesa Agnieszka Smoczynska. "Lindo demais, criativo. É muito legal poder estar aqui porque a gente vê o que sai da cabeça de cada um. A gente vê como é permitido sonhar os filmes, como se tem a liberdade de realmente botar o pé no acelerador."

Entre a finalização do look da marca Madame Sher Corsets, ela contou que fez questão de vestir grifes e usar acessórios brasileiros e falou também sobre sua missão em Cannes, seus planos de carreira internacional e, claro, sobre sua postura sempre crítica.

Você em Cannes nos passa a ideia de estar mesclando o desfile no tapete vermelho com uma missão também de mercado. Concorda?

Eu sou da indústria. Não estou fora dela. Meu filme é a maior bilheteria nacional deste ano. Vim me inspirar para levar maior qualidade do meu trabalho para o meu público porque eu respeito muito meu público. Jamais abriria um restaurante sem saber cozinhar. Há um preconceito com a comédia. Mas o maravilhoso aqui é que o primeiro filme ("Coupez!", filme de abertura exibido fora de competição) foi uma comédia. É legal ver a comédia nesse lugar também. O cartaz do festival este ano é do Show de Truman. Então, é tudo tão perfeito. O que está acontecendo na minha vida. É um comediante neste cartaz (Jim Carrey).


De fato há muito preconceito com a comédia, inclusive no Brasil. A gente sempre ouve que "comédia não é filme de autor". Daqui você também vai levar esta abertura de conceitos de um festival que preza pelos filmes de autor?

Sim. Ao mesmo tempo em que estou descobrindo estes filmes, estes autores, fiz muitas reuniões no mercado (o Marché du Film) com produtores nacionais e internacionais. Realmente está sendo muito rica esta experiência, tanto de conhecimento quanto de conhecer pessoas e trocar esta bola e poder passear em outros mercados, países. Tenho sentido esta recepção muito bacana comigo.

No ano passado, na época do festival, quando um incêndio atingiu a Cinemateca Brasileira, você criticou a postura de personalidades que vêm a Cannes apenas fazer a chama "monté de marche" (o desfile no tapete vermelho, posando para os fotógrafos) e não necessariamente pelo espírito cinéfilo. E este ano você está aqui. Há quem diga que isso é contraditório. O que você tem a dizer sobre isso?

Acho que é incoerente usar a indústria para vender produtos e não ajudar a indústria. Não ajudar o "cabo men", que não vende joias. Entende? Acho incoerente mesmo. E naquele momento? A cultura está sendo super atacada pelo governo, sendo destruída, desmanchada. Então, o negócio está pegando fogo literalmente e aí você vem aqui só para desfilar? Não acho justo. As pessoas têm de pensar sobre isso. Já que está aqui, ajuda! Só está aqui por causa do cinema. Se o cinema acabar, ninguém nem vai vender joia. Assim, gente, não pode só passar aqui, nem entrar no cinema e só passar no cinema. Acho cafona, sabe? Acho caído.

E você está fazendo as duas coisas, tanto o glamour, o tapete vermelho, quanto o cinéfilo e o de mercado?

Sim. Se eu sou convidada para a première de gala, como é que vou de calça jeans? As pessoas já até me confundiram com gente do elenco de filmes. Já tiraram foto até. E foi muito legal que saiu uma foto minha no perfil oficial do Twitter do Festival de Cannes. E o bacana é que foi espontâneo, orgânico. Isso é um sinal para mim de que as coisas estão fluindo naturalmente. Nada na minha vida foi fácil. Nada na minha vida é fácil. É sempre degrau por degrau, tijolo por tijolo. Nunca ninguém me deu nada. Eu só vou pelo talento. Se não for pelo talento, pelo trabalho, eu prefiro nem ganhar as coisas. Se eu tiver que ir a uma festa babar ovo de alguém e fazer lobby, eu falo que nem vou, desculpa. Então assim, se eu desagrado com as coisas que falo em relação à minha profissão, eu sinto na pele o que é. É o meu lugar de fala também. Eu estou defendendo a classe, o cinema, o plateau, o motorista. Eles são os que mais sofrem (com a crise do cinema no Brasil). A gente tem outros braços para fazer dinheiro, né? A gente devia se unir pela indústria em que a gente trabalha e não só usá-la em benefício próprio.

Cannes este ano está em uma fase crítica. Houve dois debates sobre o futuro do cinema, que hoje compete com outras telas, como o streaming etc. Você quer fazer mais cinema? O que você veio fazer em Cannes?

Eu vim aprender, beber desta fonte, me inspirar para levar cada vez mais um trabalho melhor para eles. É como o circo. É respeitável público. Eu respeito muito meu público. Eu jamais vou subir no palco despreparada. Jamais vou fazer algo sem estudar, sem me dedicar muito. Mesmo que eu tenha facilidade para fazer. Faço comédia, faço arte, faço teatro porque tenho facilidade. Mas não é que não tenha muito esforço nisso. Eu sou de uma escola clássica de balé, minha mãe é bailarina. O balé é muita dedicação, e disciplina. Eu não podia pintar a unha de vermelho, não podia ter um fio de cabelo para fora, não podia o cetim estar desfiado. No balé, você não pode ajoelhar para amarrar sua sapatilha para não sujar a meia. Então eu sei o quanto eu batalho, eu estudo, o quanto o detalhe é importante. Em todos os setores da vida o detalhe é muito importante. Não adianta eu botar um vestido lindo e não fazer o cabelo, a maquiagem. Tudo tem de ser completo. Eu amo o que faço. Não tenho filhos. Talvez porque eu não tivesse tempo para me dedicar o quanto eu quero me dedicar.


Você está indo morar em Los Angeles no final deste ano. Pode contar sobre estes planos? Quer investir na carreira de atriz em Hollywood?

Sim. Vou estudar cinema e atuação. Em Los Angeles há cursos para se aprender a fazer um teste. Imagina, eu nem sabia que tem aula para isso. Porque a gente pode chegar sem nem saber como vai ser avaliado em um teste. De repente, eu, que sou experiente, se não passar por esta preparação, chego e faço algo que não é para fazer e a pessoa fala "esta aí não sabe nada. Next!". Vou também fazer aula de canto. Tenho muita vontade de trabalhar na Broadway. Mesmo que comece passando atrás no palco. Eu quero ter esta experiência. Eu me emociono muito quando vejo os espetáculos da Broadway. A gente vê que até a pessoa coadjuvante que está lá atrás no palco está dançando como se fosse a protagonista no Coliseu. Porque a gente, ao lado de gente talentosa, aumenta o nível, corre atrás.

Há uma ideia corrente, muito por conta da própria imagem que o próprio festival e a mídia constroem, de que Cannes é feito somente de glamour, mas este é um festival feito muito de mercado, negócios. Você ampliou sua ideia sobre o evento nesta primeira vinda ao festival?

Com certeza! Eu tenho mostrado muita coisa no meu Instagram. Mostrei o mercado (Marché du Film), descobri o Instagram do Pablo Vilaça e o indiquei no meu Instagram, descobri a mostra "Un Certain Regard". E tenho recebido muitas mensagens das pessoas comentando que nunca imaginaram. É legal para mim também. Como brinquei com a Ilda (Santiago, diretora do Festival do Rio) eu venho de famosa anônima. Eu entro nas filas, eu me emociono. Eu sou real. Eu vim como artista, tem o glamour e também tem a pessoa de verdade que eu sou. E isso às vezes é bom, mas às vezes é ruim. Prefiro ser a pessoa de verdade que sou em um mundo de hoje que é todo "Photoshopado", no corpo e na alma. Tudo é uma mentira. Querem uma perfeição. Eu não quero ser perfeita. No palco quero ser perfeita, que é onde eu posso ensaiar pra ser. Mas na vida não tem ensaio. Então, não exija perfeição.


Mas você, com esta postura, se torna um alvo porque quem se coloca sempre vira um alvo. Você pode acertar, errar, você se desculpar, mas se posicionar é também se tornar um alvo.

Sim. Outro dia alguém falou que eu sou polêmica. Mas quem cria polêmica é a outra pessoa, é de fora. Eu não agrado a todos, mas não tem como agradar a todos. A unanimidade é burra. A frase de Nelson Rodrigues. Não há como agradar a todos. E me irrita isso, de todo mundo querer agradar todo mundo. Todo mundo é amigo de todo mundo? Não. Me irrita isso também. O certo é que eu estou aprendendo muito aqui, fazendo até um diário, uma cobertura para quem me segue e passando isso também

Vir para Cannes é sempre desbravar um território novo. Quem foram seus amigos que te apoiaram nesta missão?

Ilda Santiago e Vania Catani (produtora brasileira, à frente da prestigiada Bananeira Filmes, que já esteve em Cannes com diversos filmes, de "A Festa da Menina Morta", de Matheus Nachtergaele, em 2008, à "Sem Seu Sangue", de Alice Furtado, em 2019, entre outros). Conheci Vania na casa de um amigo no dia da morte do Paulo Gustavo. Ela tinha um projeto com o Paulo. Ficamos próximas. E ela viu em mim uma possibilidade. Eu e Paulo temos uma coisa muito parecida, a gente tem o humor, a gente amolou nossa faca juntos, uma desafiou e estimulou o outro sempre. Eu e Vania ficamos amigas. Não temos nada definido ainda, mas queremos fazer um projeto juntas e estamos conversando com pessoas, pesquisando. Estamos nos rodeando de pessoas que podem nos inspirar e aconselhar.

Este seu look de hoje é da Madame Sher. Que outros looks você trouxe para desfilar em Cannes?

Eu quis apoiar nossos estilistas. Hoje estou de Madame Sher, que é maravilhoso, algo meio Jessica Rabbit, que tem tudo a ver com a estreia do Elvis, com a época, com Great Gatsby. O look preto, em homenagem a "O Beijo da Mulher Aranha", foi Apartamento 03, do Luiz Claudo Silva. O acessório da aranha é da Cristina Sabatin, que é brasileira mas também mora em Nova York. Eu quis homenagear a Sônia Braga também para levar um pouco de informação e ir temática. O look butterfly é da De Goeye e no primeiro dia eu usei um clássico, um Dolce & Gabbana. Não quis usar joias até porque eu tenho questionado a questão da joia por conta do garimpo. Não tem como eu defender. Joia para mim agora tem que ser algo que as pessoas saibam muito bem qual a fonte. Então vim de bijoux, mas tem criadores brasileiros maravilhosos.