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Como a TV e a imprensa ignoraram que um famoso apresentador era um pedófilo

"Segredos e Crimes de Jimmy Savile" é um documentário em duas partes da Netflix - Divulgação/Netflix
"Segredos e Crimes de Jimmy Savile" é um documentário em duas partes da Netflix Imagem: Divulgação/Netflix

Colunista do UOL

15/04/2022 13h49

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Jimmy Savile era um DJ que migrou para a televisão da Inglaterra nos anos 60 de lá nunca saiu. Comandou o "Top Of The Pops", principal programa musical do país. Apresentou o "Jim'll Fix It", que realizava sonhos inusitados de crianças. Recebeu benção do papa João Paulo II. Virou amigo próximo de Margaret Thatcher, primeira-ministra, nos anos 80. Tornou-se conselheiro da família real britânica, com direito a sugerir para o príncipe Charles protocolos de ação em caso de tragédias. Seu jeito excêntrico não o impediu de estabelecer relações com gente poderosa. Por meio delas, conseguiu milhões de libras em doações para hospitais do país. Em dado momento, inclusive, passou a trabalhar voluntariamente nessas instituições. Para todo o país, Jimmy era um grande filantropo. Quando morreu, em 2011, não faltaram homenagens. Até que se descobriu que ele era um monstro.

O documentário "Segredos e Crimes de Jimmy Savile", disponível na Netflix, conta bem essa história. Grande egocêntrico e católico fervoroso, o apresentador, além de gostar da atenção, tentava compensar seus pecados fazendo o bem. E aqui não estamos falando de qualquer crime: um dos homens mais famosos da Inglaterra era um pedófilo assustador, que ia colégios internos para jovens problemáticos e abusava de menores de idade prometendo levá-las aos bastidores de seu programa. Nos hospitais psiquiátricos em que trabalhava, se aproveitava da vulnerabilidade de pacientes para assediar e estuprar. Tudo ocorreu ao longo de 50 anos, enquanto ele era aclamado.

O mais curioso sobre o documentário em duas partes não é somente como ele conseguiu manter caladas suas mais de 400 vítimas - descobertas, diga-se. A todo momento, em entrevistas, o apresentador dava dicas de que fazia algo errado. Bolinava garotas, dizia que estava prestes a ser pego, que seu caso seria revelado "na quinta-feira". O tempo inteiro dava dicas de que tinha um grande segredo. Ninguém teve coragem de perseguir a pista. E, mesmo quando surgiram os primeiros rumores, seguiu considerando-se intocável. Era, afinal, também um cavaleiro condecorado pela rainha. A polícia inglesa, aliás, fechou os olhos a todas as denúncias que chegaram contra ele. É assustador.

Por décadas um pedófilo foi aclamado como uma das figuras mais queridas de um país inteiro. E, mesmo após sua morte, quando as revelações estavam prestes a vir à tona, ainda assim houve quem o protegesse: a BBC chegou a mandar engavetar um programa sobre as acusações - depois, reconheceu que errou. Casos como o de Jimmy Savile mostram que o mundo das aparências e holofotes esconde muitos segredos podres. E é uma lição para imprensa e fãs, que por vezes se deslumbram tanto com determinadas figuras que acabam se descolando da realidade e ignorando os sinais. Ele morreu sem ser punido por seus crimes. Histórias como essa não podem se repetir. Nunca mais.