Escultura sequestrada durante a ditadura ganha exposição em São Paulo
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Todo mundo tem um filme favorito, uma música, uma banda. Obra de arte pública favorita não é tão comum, mas eu tenho uma: a escultura Homenagem a Federico Gracia Lorca, de Flávio de Carvalho. Muitos passam despercebidos pelo trabalho abstrato localizado na Praça das Guianas, no Jardim Paulista, em São Paulo. O que a torna esta obra especial é sua história, que ganha agora uma exposição na FAU-USP.
O local da exposição está inteiramente ligada à história da escultura. Sem alguns alunos que estudaram ali, talvez nunca mais poderíamos ver essa obra em espaço público. O Monumento a Federico García Lorca é composto por tubos de ferro e chapas de aço. A obra foi encomendada pelo Centro Democrático Espanhol —organização formada por espanhóis exilados no Brasil—, que via em Lorca um ícone de liberdade e resistência. Com formas abstratas, o monumento traz inscrito um verso do poema Los Álamos de Plata, de Lorca: "Hay que abrirse de todo frente a la noche negra para que nos llenemos de rocío inmortal" ("Temos de nos abrir à noite negra para nos enchermos de orvalho imortal").

Esta homenagem ao artista espanhol Federico Gracia Lorca foi instalada na Praça das Guianas em 1968 e, no ano seguinte, ela foi praticamente destruída por uma bomba do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) que deixou no local panfletos com as palavras "comunista" e "homossexual", em referência a Lorca, que foi assassinado pela ditadura franquista no início da Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Em 1971, Flávio a restaura, mas não consegue instalá-la novamente, já que em plena ditadura militar esta escultura era considerada subversiva. Em 1979, alunos da ECA e FAU-USP, entre eles o diretor de cinema Fernando Meirelles, descobriram que os restos da obra estavam em um galpão em Cotia (Grande SP). Munidos de documentos falsos e um pequeno caminhão, os alunos conseguiram resgatar os pedaços e deram vida novamente ao trabalho de Flávio de Carvalho.

Faltava colocá-la de volta ao espaço público. Dessa vez, em um lugar muito mais chamativo. Os alunos levaram a obra e a chumbaram no vão do MASP, em plena avenida Paulista. A ação gerou repercussão imediata, e o prefeito da cidade na época, Olavo Setúbal, resolveu então devolvê-la ao seu lugar de origem, a Praça das Guianas, onde segue até hoje.
A história é contada na exposição que conta com imagens da época; uma cópia da revista Cine-Olho (elaborada pelos ex-alunos contando o resgate), além do teaser do documentário em produção "Operação Lorca - O Bailado", de Igor Estevam. Essa saga de construção, destruição, resgate, instalação ilegal no MASP e volta ao seu local de origem é um roteiro de filme que conta inclusive com um diretor de cinema como protagonista.
A exposição parte de um projeto acadêmico iniciado na disciplina Interfaces Audiovisuais, na ECA-USP, orientada pelo professor Almir Almas, no segundo semestre de 2024. A aluna Ísis Kanashiro produziu a exposição e reforça o peso da memória na proposta. "Atualmente, pouquíssimo desse monumento e do acontecimento é repercutido, o que reforçou a importância de realizar esse trabalho e levantar a discussão sobre a memória da cidade e de seu patrimônio, vinculada à nossa ação política nos espaços."
É uma oportunidade de conhecer uma das histórias mais incríveis de obra pública da cidade. E, depois da exposição, vale dar um pulo na Praça das Guianas e ver a obra que resistiu pela força de alguns alunos da USP.
Operação Lorca
Quando: até 18/06
Horário: 9h às 21h
Local: FAU-USP - Rua do Lago, 876, Cidade Universitária, São Paulo/SP
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