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Opinião

Pedra símbolo da arquitetura inca resiste ao tempo e até aos turistas

Algumas cidades enfrentam problemas com turistas. Ao atrair muita gente para um mesmo lugar, aumentam as chance de alguns distúrbios, ainda mais se os visitantes estiverem sob influência de álcool e/ou drogas. Além de tornar o ambiente menos agradável, a cidade pode sofrer danos irreparáveis. Foi o que aconteceu em Cusco, no Peru, no final do mês passado.

Um homem de 30 anos foi preso por atacar uma estrutura de pedra com um martelo, arrancando pedaços e causando danos irreversíveis. Acredita-se que ele havia bebido ou usado drogas antes do ato de vandalismo. Agora, o infrator corre o risco de ficar até 6 anos preso pela ação. Uma pena muito severa para um ataque a uma pedra, alguns poderão pensar. Não fosse essa pedra o maior símbolo da arquitetura do império Inca.

O vandalismo ocorreu na famosa "pedra de 12 ângulos", um pedaço de uma parede histórica no centro da antiga capital do império Inca. O que surge como uma simples peça de um muro virou símbolo da precisão e do talento dos arquitetos incas ao construir suas estruturas. Pedras de diversas formas se encaixam sem o uso de argamassa como peças de um quebra-cabeças dando uma unidade que até hoje impressiona. A "pedra de 12 ângulos" virou o maior símbolo dessa arte em um dos últimos muros que sobreviveram à chegada dos espanhóis no século 16. Com o passar do tempo —e a chegada de turistas— criou-se uma história sobre a pedra, com cada ângulo representando a divisão de famílias do império Inca. Não há nenhum registro histórico disso nem mesmo dos nomes dos arquitetos de Cusco, mas a mitologia ajuda a atrair curiosos.

A pedra de 12 ângulos antes de ser danificada
A pedra de 12 ângulos antes de ser danificada Imagem: WMrapids/CC

Em Cusco, a capital do império, as edificações que existiam foram demolidas e deram vez a igrejas e estabelecimentos construídos com técnicas europeias. Isso incluiu a Catedral Basílica de la Virgen de la Asunción del Cusco. Muitas das pedras usadas aqui foram retiradas de construções incas pré-existentes, mais um sinal de dominação dos europeus. A própria base dessa igreja foi feita sobre uma estrutura conhecida como Kiswarkancha.

No auge do império Inca, a praça central de Cusco era cercada pelos palácios dos reis, construídos para abrigar as famílias reais. Um desses palácios era o Kiswarkancha. Seu uso ia além do residencial, sendo também um centro religioso de adoração a Inti, o deus Sol. Os cronistas espanhóis da época descrevem o local como um dos edifícios mais impressionantes da cidade. Segundo os relatos, o palácio possuía grandes salões, pátios e áreas cerimoniais —além de decorações em ouro e prata.

Conhecemos a história da chegada dos europeus ao continente. Ouro e prata foram tomados e o palácio posto abaixo para a construção da igreja, representando o poder vigente sob o império que chegava ao fim. De Kiswarkancha sobrou um muro com sua pedra mais famosa, essa que acabou de ser vandalizada. A arquitetura inca se mostrou eficiente durante séculos, resistindo ao tempo e até mesmo a terremotos. Não resistiu à chegada violenta dos espanhóis, que usaram dessas pedras milimetricamente colocadas pelos incas para construírem uma cidade nova.

Em 1650, um terremoto atingiu a cidade. Após o terremoto, não sobrou muito das estruturas feitas pelos espanhóis. As feitas pelos incas, incluindo o muro de Kiswarkancha onde se encontra a "pedra de 12 ângulos", se mantiveram em pé. A cidade e a catedral foram reconstruídas e a "pedra dos 12 ângulos" seguiu firme, testemunha da queda do império e do mau comportamento dos turistas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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