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REPORTAGEM

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A luta do Taleban contra monumentos históricos

Felipe Lavignatti

Colunista do UOL

17/08/2021 15h56

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Resumo da notícia

  • Tomada do Taleban compromete preservação de monumentos
  • Processo de recuperação segue parado
  • Estátuas de Buda foram destruídas pelo regime em 2001

Em uma tragédia anunciada, o Taleban retomou o poder no Afeganistão e trouxe à tona a intolerância do grupo. As cenas do aeroporto são chocantes, assim como o risco que a população (principalmente as mulheres) corre. Os novos líderes do país já mostraram antes do que são capazes, inclusive com patrimônios históricos e artísticos. Uma das cenas mais famosas do grupo em 2001 foi a da destruição de duas estátuas de Buda no vale de Bamiyan. As imagens foram explodidas e destruídas em março por ordem do líder Mullah Mohammed Omar, depois que o governo declarou que seria idolatria. Parte do Taleban creditou a decisão de Omar de explodir as estátuas de Buda à crescente influência de Osama bin Laden, principal responsável pelo ataque que os EUA sofreriam em 11 de setembro daquele ano.

Uma das estátuas media 53 metros e era a maior imagem de Buda em pé no mundo. A outra tinha 38 metros. Ambas datavam do século VI e em seus primeiros anos era decorada com ouro e joias. Celebrações eram realizadas todos os anos atraindo numerosos peregrinos que deixavam oferendas às estátuas monumentais. Eles foram talvez os marcos culturais mais famosos da região, e o local foi listado pela UNESCO como Patrimônio Mundial.

Imagem de Buda é projetada no local onde havia uma estátua do líder budista, destruída pelo Taleban em 2001, em Bamiyan, no Afeganistão - Kamran Shafayee/AFP - Kamran Shafayee/AFP
Imagem de Buda é projetada no local onde havia uma estátua do líder budista, destruída pelo Taleban em 2001, em Bamiyan, no Afeganistão
Imagem: Kamran Shafayee/AFP

Embora as figuras dos dois grandes Budas tenham sido destruídas, seus contornos e algumas características ainda são reconhecíveis. Como parte do esforço internacional para reconstruir o Afeganistão após a guerra do Taleban, o governo japonês e várias outras organizações se comprometeram a reformar as estátuas.

O Taleban já se eximiu da culpa pela destruição. Quatro anos após o ataque, Mawlawi Mohammed Islam Mohammadi, governador da província de Bamiyan na época da destruição e amplamente visto como responsável por sua ocorrência, foi eleito para o Parlamento afegão. Ele culpou a decisão de destruir os Budas pela influência da Al-Qaeda no Taliban. Um documentário chamado The Giant Buddhas (2006) coletou depoimentos de moradores da região afirmando que Osama bin Laden ordenou a destruição e que, inicialmente, o mulá Omar e os afegãos em Bamiyan se opuseram a ela.

Desde 2002, o financiamento internacional tem apoiado os esforços de recuperação e estabilização no local. Fragmentos das estátuas são documentados e armazenados com atenção especial para proteger a estrutura da estátua ainda no lugar. A esperança da recuperação estava no processo de anastilose, que consiste na técnica de reconstrução de um monumento em ruínas usando os elementos originais no maior grau possível. Uma equipe já havia começado a separar os pedaços de argila e gesso - variando de pedras pesando várias toneladas a fragmentos do tamanho de bolas de tênis - e abrigando eles a partir dos elementos para montar esse quebra-cabeças.

A reconstrução, porém, não começou sem problemas. Em 2013, os pés do Buda menor foi reconstruída com barras de ferro, tijolos e concreto. As obras foram paralisadas por ordem da UNESCO, sob o argumento de que elas foram realizadas sem o conhecimento ou aprovação da organização e que o trabalho havia sido feito com base em suposições e com material inadequado.

Além da reconstrução, que não deve caminhar agora com o Taleban no poder, outras obras correm o risco de terem o mesmo fim. Em 2008, arqueólogos em busca de uma estátua lendária de 300 metros no local anunciaram a descoberta de partes de um Buda reclinado desconhecido de 19 metros. Por mais que adotem um discurso moderado, a chegada do Taleban compromete o destino desse buda - assim como dos restos dos que foram desfruídos e de todo um país.