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Andreza Delgado

'M8 - Quando a Morte Socorre a Vida' é o nosso 'Get Out' brasileiro

Colunista do UOL

21/12/2020 15h49

"M8 - Quando a Morte Socorre a Vida", adaptação do livro homônimo de Salomão Polak, ganha uma nova visão com o diretor Jeferson De, o filme brasileiro que estreou no começo de dezembro, toma as telonas do cinema para pôr em destaque um assunto que tomou conta do debate público quase que o ano inteiro.

Racismo

A discussão racial que se torna personagem principal dessa trama, que decide didaticamente às vezes até que exageradamente, mostrar como a vida de um jovem negro pode ser afetada por esse, vamos dizer mal.

Na trama ambientada no Rio de Janeiro hiper militarizado que de longe é ficção, acompanhamos o jovem Maurício (Juan Paiva) que acabou de ingressar no curso de medicina. Sem muita cerimônia, Maurício se depara com o cadáver M8, ele e seus colegas brancos vão estudar usando o corpo, a partir daí a trama começa.

A escolha do Diretor Jeferson De, de partir para um terror mais psicológico, mas que também se envolve com um drama, aponta para a fórmula que vimos bastante nos últimos anos. Como o terror e temática racial de "Corra" ou até mesmo o filme que estreou na Netflx esse ano, chamado "O Que Ficou para Trás", que dedicou a trama para falar de violência racial com imigrantes.

Falando em especial do diretor do filme, vale a pena conhecer o trabalho de Jeferson. A primeira vez que ouvi seu nome foi assistindo o filme "Bróder" que é estrelado pelo Caio Blat e que muito me marcou, não só pela escolha do Capão Redondo como território onde se passa o filme, mas também a história consistente e que me prendeu.

Mas, diferentemente de "Bróder", Jeferson ousou mais em, "M8". Fica muito claro que ele se preocupou em trazer um mal-estar para o telespectador, no sentido de que a angústia que o protagonista Maurício (Juan Paiva) vive para descobrir de quem é aquele corpo e se debruça nos seus próprios desafios para se manter vivo.

Existe não só sua jornada em nomear aquele corpo, mas também se encontrar no espaço da universidade. Vale ressaltar os dados: em 2013 apenas 2,7% dos formandos eram negros, o avanço das cotas mudou um pouco o cenário, que agora atinge 24,6% de ingressantes, mas ainda é pouco para o cenário do curso e da quantidade de negros no país.

M8 - Quando a Morte Socorre a Vida - Divulgação Paris Filmes - Divulgação Paris Filmes
M8 - Quando a Morte Socorre a Vida
Imagem: Divulgação Paris Filmes

O filme que ainda conta com participação de atores como Lázaro Ramos, Rocco Pitanga, Zezé Motta e Aílton Graça, e Mariana Nunes que interpreta Cida mãe de Maurício, também aponta para uma diversidade no elenco e de talentos da antiga e nova geração.

Uma das interpretações que mais me conectou com toda a história é justamente a de Raphael Logam, que assume a interpretação do corpo M8. Sem falar nada, Logam diz tudo. Correndo o risco de parecer clichê, mas realmente era preciso falar com os olhos e conseguir passar todo aquele cenário de desespero para o telespectador, coisa que o ator brilhantemente conseguiu.

Esse filme tem muito para apontar sobre violência racial, medo e superação, mas também sobre conquistas pessoais e coletivas. Maurício o protagonista do filme consegue transportar ao mesmo tempo, uma sensibilidade gigante, junto com o medo e as suas próprias descobertas sobre aquele corpo negro que ele tanto desejar saber quem é, mas também o seu próprio corpo negro no mundo. Loucura né!? Mas esse é o novo filme de Jeferson De.

"M8 - Quando a Morte Socorre a Vida" além de tudo nos convida para um final espetacular, de tirar o fôlego. E lágrima também. O filme deixa um recado que extrapola o final, a tela e o enredo todo, que nos chama para realidade da violência racial vivida nesse país.