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Andreza Delgado

'Crazy Ex-GirlFriend' foi a melhor representação borderline que eu já vi!

Divulgação
Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

28/07/2020 13h51

OK, vamos lá... Não costumo escrever publicamente sobre isso, mas sou diagnosticada com borderline já faz quatro anos. Mas Andreza o que é borderline? Resumidamente, é um transtorno mental caracterizado por humor, comportamentos e relacionamentos instáveis. Mas isso é um resumo bem simples, e é sempre importante lembrar que diagnóstico se faz com profissional e não com checklist na internet igual nossa protagonista de "Crazy Ex-Girl Friends" já fez.

A lista dos sintomas de borderline é assustadora e foi assim que me senti quando ouvi do médico o diagnóstico e fui tentar ler depois na internet (NÃO FAÇAM ISSO!).

Mas este texto não é sobre mim: é sobre as dezenas, centenas e milhares de mulheres diagnosticadas com esse traço. Segundo a ABP (Sociedade Brasileira de Psicologia, o transtorno de personalidade borderline atinge de 1% a 6% da população mundial, sendo que a estimativa é de que boa parte dos atingidos se identificam como mulheres (75%). Assustador não é mesmo?

Eu nunca quis assistir a nada que retratasse o meu diagnóstico, porque tudo que eu encontro sobre ele é estigma atrás de estigma. Até me deparar com a Rebeca (Rachel Bloom) de "Crazy Ex Girfriend". Até o nome da série é uma cutucada com o TPB (transtorno de personalidade borderline)

Como resumir Rebeca, interpretada pela incrível Rachel Bloom?

Bom, ela é uma mulher que não está dentro de um padrão de beleza, mas que é bem-sucedida e acaba revivendo um amor de quinze anos. Ela fica tão"compulsiva" em reviver o amor que sentia por Josh, que abandona sua vida e muda para cidade dele.

Quando eu me deparei com essas atitudes da personagem pensei, "Nossa! Que radical!" Ao longa da série a personagem foi diagnosticada com um dos distúrbios femininos mais estereotipantes. Consequentemente, as pessoas com a doença são estereotipadas como, "ex-namoradas malucas" ou mulheres muito difíceis de se relacionar.

COINCIDÊNCIA? ACHO QUE NÃO.

Tem um debate muito sério rolando, sobre alguns diagnósticos de transtorno mental terem relação com gênero. Um bom exemplo: um dos termos usados na lista para o diagnóstico é "Impulsividade sexual". Ou seja, uma mulher que tem bastante sexo casual pode muito bem ser lida como "impulsiva", quando certamente um homem vivendo a mesma situação estará vivenciando um comportamento socialmente aceito. Traduzindo: ele é "foda" e "garanhão. Homens e mulheres com as mesmas manifestações da doença acabam recebendo diagnósticos diferentes.

Se um homem e uma mulher apresentarem ambos explosões de temperamento, um sentimento de vazio e consumo compulsivo autodestrutivo de álcool ou drogas, a mulher terá mais chances de ser diagnosticada com TPB, enquanto o cara possivelmente vai ser levado para algum tipo de aconselhamento sobre abuso de substâncias.

Mas voltemos para série? O mais incrível de ter acompanhado a personagem nas suas quatro temporadas foi o processo de humanização pelo qual a protagonista passou, até o momento que ela é diagnosticada. Nesse momento surge uma cena onde tudo fica amarelo (a cor da saúde mental).

Foi muito importante entender que, para os homens, transtornos de ordem psíquicas são tratados socialmente como resultado de suas ações, e quando rola com as mulheres é algo que se limita ao que nós somos. Tem inclusive a frase da Rebeca que super questiona isso: "não é algo que eu tenho, é algo que eu sou."

A verdade é que acompanhar a jornada de Rebeca foi também me acompanhar. A representação sincera de uma mulher que só quer ser feliz, mas tem que lidar com o peso de um diagnóstico mental. Não podia ter sido melhor representada. Rachel Bloom, que além do papel principal é também produtora da série, teve todo o cuidado de retratar todos os estágios que uma mulher TPB pode sofrer: a sua recusa em não aceitar o tratamento e os conselhos da Dra. Noelle Akopian (Michael Hyatt), sua psiquiatra;

A sua busca infinita por amor e aceitação dos outros; a tentativa de preencher o vazio seja lá com compras, drogas, ou sexo casual; a eterna busca por um par romântico que apague as frustrações. Eu me vi nas tentativas de apego a lembranças de Rebeca, que largou tudo para ir tentar viver uma das suas poucas lembranças felizes.

Não quero dar spoilers, mas o final da série é digno. Nada melhor do que se deparar com uma representação da saúde mental de uma mulher de uma forma que brinque com os clichês românticos que tentaram nos ensinar a vida inteira, enquanto toca nas nossas dolorosas feridas ao passo que rola um musical. No fim terminei olhando a Rebeca como uma incrível mulher, alguém muito além do seu diagnóstico.