Topo

Aline Ramos

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Gênesis acerta ao não esconder incesto na trama

Reprodução / Record TV
Imagem: Reprodução / Record TV

Colunista do UOL

09/04/2021 16h12

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A versão bíblica dos primeiros humanos da Terra é cheia de contradições e costumes que escandalizam os cristãos de hoje. Por isso, contar a história de Gênesis, como faz a novela da Record, é sempre um grande desafio. Não só pelas tramas grandiosas, que exigem efeitos especiais, mas também pela abordagem de temas delicados e indigestos, como o incesto.

O leitor mais atento da Bíblia sabe como a formação familiar e a genealogia são importantes para o desenvolvimento das principais tramas. No livro de Gênesis, há capítulos inteiros dedicados ao registro da descendência de personagens fundamentais para o cristianismo. Dessa forma, com a família no centro, está a reprodução entre os primeiros humanos.

Incesto como ordem de Deus

Há maior tolerência para o incesto entre os descendentes de Adão e Eva. Como se tratava da primeira família da Terra, a única saída para os filhos do casal era a reprodução entre eles. É como se a prática tivesse sido uma ordem de Deus.

O mesmo dá para dizer sobre a família de Noé. Após a destruição em massa da humanidade, a única saída para os sobreviventes era se relacionar entre si. Novamente, o incesto pareceu um plano divino.

Relações evitáveis

Porém, há relações incestuosas que poderiam ser evitadas, como a de Semíramis e seu filho Ninrode. O relacionamento entre os dois foi o mais chocante e a novela não aliviou nas cenas entre o casal. O telespectador acompanhou uma mãe seduzindo o próprio filho, chegando ao ponto de engravidar dele.

Outra relação totalmente evitável é a de Abrão e Sarai. Ambos poderiam se envolver com pessoas de outras famílias, mas formaram um casal mesmo sendo irmãos. Na Bíblia, há poucas informações sobre o relacionamento anterior ao casamento deles, o único registro é que eram meio-irmãos.

Novela deu ênfase ao casal de meio-irmãos

A escolha dos autores de Gênesis foi dar ênfase ao desenvolvimento do casal. Para justificar a relação incestuosa, criaram uma trama em que Abrão e Sarai se apaixonam sem saber que eram irmãos e, em nome do amor, optam pelo casamento. A única oposição à união foi de Terá, pai do casal. E o motivo não era o incesto, e sim o fato de desejar que o filho se casasse com uma mulher de origem nobre.

Abrão e Sarai já envelheceram e Gênesis está em nova fase. O tempo passou, mas a reprodução segue sendo uma questão para o casal, já que ela não consegue engravidar. Com o tempo, eles deixaram de ser vistos como irmãos e agora representam muito mais um casal feliz, porém com dificuldades para terem um filho.

Record se posiciona sobre o tema

No site oficial da novela, há um posicionamento claro sobre o incesto. De acordo com o texto, a prática acontecia porque o homem se afastou de Deus e é pecado, já que é reprovado nas leis deixadas por Deus a Moisés.

Esse tipo de posicionamento deixa evidente a preocupação da Record em manter claro quais são seus princípios e doutrinas. Assim, enfatizam o que o telespectador deve pensar sobre as cenas exibidas.

Para além de um panfleto

Diante do posicionamento claro da emissora, vale elogiar a postura dos autores da novela ao optar por uma trama arriscada como essa. O incesto poderia ser esquecido ou tratado com menos importância, já que é um tabu para toda a sociedade.

Ao abordar o tema de maneira notória, Gênesis sinaliza que pode ser mais do que um panfleto doutrinador. Quando a novela apresenta histórias complexas e interessantes para acompanhar, quem ganha é o telespectador.