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Aline Ramos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tribunal racial do BBB 21 não pode definir quem é negro ou não

Reprodução/Globoplay
Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista do UOL

05/02/2021 13h17

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Com lágrimas nos olhos, Gilberto contou no BBB como foi para sair do armário e assumir que é um homem gay. Ele falou de como censuravam seu jeito afeminado quando ainda era mórmon. Tudo isso passou, porém agora há participantes dentro do programa que querem colocar Gilberto em outro armário: o racial.

Na madrugada de quinta para sexta-feira (5), a etnia do economista virou motivo de chacota no reality show. Nego Di contou para Karol Conká, Lumena, Pocah e Carla que Gilberto disse para ele que é negro. O humorista deixou claro que discorda.

Na roda, a maioria concordou com Nego Di, que chegou a falar que Gilberto é "sujinho" e que se parece com um "neandertal". Carla não se manifestou, provavelmente por ser a única pessoa branca na conversa. Já Karol Conká e Lumena tiraram sarro da autodeclaração do economista. Karol disse se ver como ruiva e Lumena brincou que era verde.

Tribunal racial

Essa não é primeira vez que fazem isso com Gilberto dentro do BBB. Ele já demonstrou insatisfação por não ser considerado negro pelas outras pessoas negras dentro da casa, algo que fere totalmente a sua identidade.

O tribunal racial criado por alguns participantes dentro do BBB 21 não pode definir quem é negro ou não. Atualmente, a forma do censo levantar dados raciais sobre a população brasileira é por meio da autodeclaração. E isso não é à toa.

A autodeclaração como parâmetro é uma reivindicação histórica do movimento negro na luta por direitos. O critério existe porque ao deixar a decisão na mão de terceiros, muitos negros eram classificados como brancos apenas pelo tom de pele mais claro. Essa interferência nos dados influenciava diretamente na avaliação de necessidades da população brasileira.

Colorismo

É verdade que o tom de pele interfere na forma que uma pessoa é tratada. Negros de pele retinta (escura) tendem a experimentar o racismo de forma mais violenta e cruel. Isso é inquestionável. Porém, negros de pele clara também passam por situações racistas, mesmo que de forma diferente.

Inclusive, ser reconhecido negro por alguns e branco por outros é uma violência simbólica com efeitos reais. Geralmente, pessoas negras de pele clara não conseguem reconhecer seu lugar na sociedade e a sua identidade. Dessa forma, passam a viver num "não lugar" que limita e censura a sua existência.

A esse fenômeno é dado o nome de "colorismo'': quando o tom da pele determina a forma que uma pessoa negra deve ser tratada. As experiências de Gilberto são diferentes das de Nego Di e Karol Conká, mas podem se aproximar do que Projota já passou.

É compreensível que alguns fiquem receosos com a autodeclaração, já que muitas pessoas brancas usam esse recurso para burlar sistemas de cotas e políticas de afirmação racial. Porém, esse problema não deve servir como desculpa para negar a identidade de outras pessoas negras. Até porque isso também é racismo.