Tenho mais medo do racismo do que da Covid-19
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Eu não queria escrever sobre isso. Eu não queria ser lembrada mais uma vez que ser negro no Brasil é viver sob constante ameaça de morte. Eu estou cansada, mas o racismo não.
A morte de João Alberto, após ser espancado por seguranças do supermercado Carrefour em Porto Alegre (RS), me lembrou por que tenho tanto medo. Esse não é o primeiro e muito menos será o último caso em que uma pessoa negra morre desse jeito. No Brasil, o racismo não é exceção, mas a regra.
Você já deve ter ouvido que somos todos humanos, principalmente no Dia da Consciência Negra. Juro, eu tentei ser só humana, mas não consegui. Sinto muito. Eu, João Alberto e o restante da população negra falhamos nessa missão. Todos os dias somos lembrados que não somos humanos. É, somos negros, e enquanto a nossa vida não importar, continuaremos assim.
Tento ignorar todas as vezes em que sou seguida por seguranças em supermercados. Já tentei esquecer quando policiais revistaram a mim e a minha mochila por uma hora em busca de drogas. Quando meus vizinhos não acreditaram que eu também morava no mesmo prédio que eles, tentei tratar a situação como um engano. Tentei ignorar os comentários racistas de colegas de trabalho e o descaso de ex-chefes. Eu falhei e tenho falhado. Você não tem ideia do quanto me culpo por isso.
Esses dias decidi caminhar pela rua com o meu namorado. Era quase meia-noite, mas queríamos conhecer o bairro novo sem ter que encarar aglomerações (a Covid-19 segue sendo uma ameaça). Quando nos aproximamos de uma viatura da Polícia Militar estacionada na calçada, senti o olhar fulminante dos policiais sobre mim. Estava frio e eu estava de moletom, vestindo o capuz. Então lembrei que sou negra e estava sem um documento de identificação. Depois disso, não consegui seguir com a caminhada. O racismo pode começar com um simples olhar e terminar num assassinato.
Após esse dia, concluí que tenho mais medo do racismo do que da Covid-19. E olha que pessoas negras são as vítimas mais frequentes da pandemia. Ficar em casa tem sido conveniente porque me protejo o máximo possível desses pequenos enganos racistas do dia a dia. Antes mesmo da pandemia, eu ficava em casa o máximo possível, já que tenho esse privilégio.
A morte do João Alberto é muito mais que uma fatalidade. É um crime, mas também um lembrete: ser negro é viver com um alvo nas costas.
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