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De sumiço a hora extra: conheça razões para atrasos ou cancelamento de voos

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Imagem: Getty Images

Yannik D'Elboux

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

22/09/2016 21h17

É sempre uma frustração para o passageiro descobrir que seu voo está atrasado ou foi cancelado e, muitas vezes, o cliente nem fica sabendo os motivos por trás da decisão.

Não são raros os casos em que o atraso ou cancelamento acontece depois de uma série de eventos em cadeia. Por causa desse "efeito borboleta", em que uma situação gera outra, um voo com partida em uma cidade ensolarada pode decolar mais tarde em razão de condições meteorológicas ruins no trecho anterior.

“A operação de voo de uma companhia aérea é bastante complexa e depende de vários fatores para sair no horário. Uma peça fora dessa engrenagem já atrapalha”, diz o piloto André Pacheco, diretor de comunicação da Abrapac (Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil). Segundo Pacheco, a mesma aeronave costuma fazer de 7 a 12 horas de voo por dia, no âmbito doméstico, o que explica o fato de um problema ser capaz de afetar toda a sequência diária.

Más condições meteorológicas, defeitos nas aeronaves e tráfego aéreo são alguns dos motivos mais comuns que impactam a pontualidade dos voos. De acordo com o estudo Panorama 2015, da Abear (Associação Brasileira de Empresas Aéreas), a partir de dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), no ano passado 66% das causas dos atrasos nos voos domésticos foram de responsabilidade do sistema aeronáutico, 24% das companhias aéreas, 3% relacionadas a atos preventivos de segurança e 7% não especificadas. 

Voo atrasado, aeroporto, painel - Getty Images - Getty Images
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Além das ocorrências mais frequentes, situações inusitadas ou aparentemente banais também podem influenciar o dia a dia de milhares de passageiros. Recentemente, um voo dos Estados Unidos para a Alemanha teve um pouso não programado e uma demora de 18 horas devido a um problema com uma cafeteira elétrica, por exemplo.

Reunimos abaixo algumas das causas corriqueiras e esporádicas para atrasos e cancelamentos, relatadas ao UOL por profissionais da aviação. 

Conexões para outros voos
O aguardo de conexões foi a principal causa de atrasos nos voos domésticos no ano passado, correspondendo a 36% das ocorrências, segundo o estudo da Abear com dados da Anac. É comum que as aeronaves fiquem esperando, geralmente não mais do que uma hora, passageiros vindos de outros voos, que em muitos casos só contam com essa conexão para prosseguir viagem.

Manutenções não programadas
Segundo o estudo Panorama 2015, da Abear, os defeitos nas aeronaves foram a segunda maior causa de atrasos nos voos de responsabilidade das companhias aéreas, com 28% do total. As falhas nos equipamentos em terra geraram 13% das demoras em relação ao horário previsto. “Cada avião fica, em média, somente meia hora em solo e eventos não programados, como uma troca de pneu, podem levar a atrasos menores”, esclarece Alberto Fajerman. 

Aeroporto, mala de viagem, esteira de bagagem - Getty Images - Getty Images
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O passageiro sumiu
Nenhuma bagagem pode viajar sozinha, ou seja, sem o embarque do seu respectivo dono, para evitar o envio de cargas suspeitas, como drogas ou bombas. Essa é uma situação que também ocorre com certa frequência e gera bastante transtorno para as companhias, podendo acarretar atrasos de 10 minutos até uma hora. O motivo do sumiço do passageiro, geralmente, permanece em incógnita.

Segundo o piloto Mateus Ghisleni, diretor da Secretaria de Segurança de Voo do SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas), muitas vezes a pessoa se distrai nas lojas, fica conversando ou simplesmente perde a hora na sala de embarque. Retirar a mala desse passageiro é um processo lento. “Se o voo estiver cheio, há mais de três toneladas de malas nos porões e a busca é feita manualmente, muitas vezes tendo que descarregar o porão inteiro do avião até encontrá-la”, detalha. 

É um pássaro?
Colisões com pássaros têm se tornado um problema cada vez mais frequente. Nem sempre os municípios cuidam da área no entorno do aeroporto como deveriam, o que acaba atraindo as aves. O pássaro pode se chocar contra a fuselagem ou ser sugado pela turbina. Muitas vezes o piloto nem sente o choque, que não representa risco imediato para o voo em andamento. “Mesmo sendo leve, essa colisão causa pequenos danos que devem ser corrigidos”, explica, no entanto, o comandante Paulo Roberto Alonso, consultor técnico da Abear (Associação Brasileira de Empresas Aéreas). Essa manutenção não programada, que muitas vezes precisa ser feita logo após o desembarque, também prejudica a pontualidade.

Efeito dominó da meteorologia
Um aeroporto fechado por mau tempo pode afetar a pontualidade em toda a malha aérea. Como um mesmo avião faz vários voos diários, os próximos trechos ficam comprometidos por conta do atraso inicial, gerando um efeito dominó. “No aeroporto de Congonhas em São Paulo, por exemplo, são realizados 34 movimentos (pousos e decolagens) por hora. Se ele fica fechado por duas horas serão quase 70 movimentos acumulados, aumentando o tráfego aéreo”, exemplifica o piloto e engenheiro Alberto Fajerman, diretor-executivo de Relações Institucionais e Comunicação Corporativa da GOL. 

Fila no aeroporto - Getty Images - Getty Images
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Cargas especiais
Os aviões transportam diferentes tipos de cargas: mercadorias perigosas -- como produtos químicos ou radioativos, animais vivos e até restos mortais humanos. Esses carregamentos especiais necessitam de inspeções e documentos específicos que nem sempre estão de acordo com todas as exigências. “Às vezes alguma documentação veio errada ou estamos aguardando uma assinatura que está faltando”, diz o piloto André Pacheco, diretor de Comunicação da Abrapac (Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil). 

Limite de jornada da tripulação
Conforme uma regulamentação própria da aviação, os tripulantes não podem exceder uma jornada de 11 horas de trabalho em um dia. “Se esse limite estiver próximo a se exceder, haverá a necessidade de troca de tripulação ou do tripulante nesta situação, mesmo que isto gere atrasos ou até cancelamentos”, informa a comissária de bordo Lídia Dourado, há sete anos na profissão, também autora do blog “Diário do Ar”.

Grande parte das companhias mantém, nas principais cidades brasileiras, tripulantes reserva e de sobreaviso, que têm 90 minutos para se apresentar no aeroporto. Contudo, nas localidades em que a substituição não é possível, a solução consiste em enviar um funcionário no próximo voo para assumir o posto ou cancelar o trecho. O respeito à jornada costuma ser levado à risca pelas empresas, já que a sobrecarga de trabalho é um dos primeiros itens checados em caso de acidente aéreo. 

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Mal súbito
Problemas de saúde com os passageiros ou a tripulação também precisam ser gerenciados e atrasos como esses são impossíveis de prever ou evitar. Em casos mais graves de mal súbito, o avião é obrigado a pousar no aeroporto mais próximo ou, se a aeronave estiver em solo, a acionar uma ambulância. “Já aconteceu de uma passageira ter uma crise de pânico durante o taxiamento e pedir para sair do voo, tivemos que retornar para desembarcá-la. Prosseguimos com um pequeno atraso e, por sorte, conseguimos reduzir a demora em voo”, relembra a comissária Lídia Dourado.

Queda no sistema
Existe uma piada interna entre os pilotos de que o que faz um avião voar é “papel”. Isso porque os rígidos controles e normas de segurança obrigam a tripulação a fazer inúmeras checagens e preencher muitos papéis e documentos eletrônicos. Todos esses procedimentos, essenciais à segurança, tomam tempo. Alguns dados só podem ser obtidos nos últimos momentos antes da decolagem. Se na hora de transmitir essas informações o sistema cai, não há o que fazer a não ser aguardar o seu restabelecimento. “Precisamos passar para a companhia o número de pessoas e o peso da aeronave, por meio da contagem de passageiros e das malas, o que só sabemos na hora do embarque”, explica André Pacheco. 

Congestionamento aéreo
Nos últimos anos, mais pessoas passaram a viajar de avião, porém nem todos os aeroportos adequaram sua infraestrutura para esse aumento de fluxo e isso, às vezes, provoca um congestionamento aéreo. O excesso de tráfego nos céus pode ser minimizado pelas mudanças de velocidade nas aeronaves e outros mecanismos do sistema de controle aéreo. Contudo, nem sempre essas medidas são suficientes para evitar os atrasos decorrentes das filas de pousos e decolagens. “Temos picos de tráfego no início da manhã e da noite, principalmente em aeroportos com uma única pista”, diz Paulo Alonso. 

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Bebedeira, encrenca e DRs
Os passageiros também podem ser responsáveis por tumultuar o bom andamento da operação e até atrasar o voo por conta de encrencas. A maioria dos pilotos de carreira já passou por algum episódio envolvendo clientes embriagados ou desentendimentos a bordo, inclusive DR (discussão da relação) entre casais exaltados. Quando a situação foge ao controle, é preciso ir além da advertência verbal. “Muitas vezes é necessário, quando há uma briga, que a autoridade policial compareça na aeronave para desembarcar o agressor”, diz Mateus Ghisleni.

Só mais essa malinha?
Apesar das restrições de peso e tamanho para as bagagens de mão, que podem ser acomodadas na cabine, alguns passageiros insistem em embarcar com objetos fora do padrão e são obrigados a despachá-los na porta da aeronave. “Muitos embarcam com malas, mochilas, instrumentos musicais, caixas, flores enormes e até quadros emoldurados com tamanho e peso acima do permitido”, conta Lídia Dourado. Os atrasos, em razão da acomodação dessas bagagens, não costumam ser maiores do que 10 minutos.

Mais fiscalização no raio X
Mudança nas normas de segurança ou aumento da fiscalização durante a revista no raio X também impactam a pontualidade dos passageiros e, consequentemente, dos voos. Operações especiais, com maior rigor nesse processo, costumam ser colocadas em prática em períodos de eventos de grande porte, como foi o caso das Olimpíadas. Depois da adaptação inicial às novas regras, o ritmo tende a se normalizar.