Tradição fashion

Figurinistas das apoteóticas quadrilhas juninas tecem ideias e peças para a memória da cultura nordestina

Gustavo Frank Marília Camelo/UOL

"A quadrilha é uma ópera moderna, com encenação, música ao vivo, coreografia, entradas e saída de cenário". Lima Filho, diretor da Associação das Quadrilhas Juninas de Campina Grande e Região, define bem o espetáculo magistral que encanta todo o Nordeste.

Como nas grandes óperas, o figurino tem um papel essencial para contar uma história nas quadrilhas. O desafio está nas mãos de estilistas e aderecistas especializados que, tal qual um carnavalesco nas escolas de samba, trabalham boa parte do ano para dar vida a roupas e acessórios que conduzem o enredo e transmitem toda a alegria da festa — que este ano, por conta da pandemia, migrou para palcos virtuais.

A criatividade entra também no campo da competição. Nas acaloradas disputas de quadrilhas, os figurinos são julgados pela sua coerência e relação com os festejos juninos e os elementos que contribuem para que os personagens ganhem vida.

Conheça Irê Rocha, Felipe D'Tasso e Felipe Moura, algumas das mentes criativas por trás deste processo.

Marília Camelo/UOL
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Irê Rocha

O figurinista teve seu primeiro contato com a moda na quadrilha de São João. Foi na festa que ele descobriu seu amor pelo desenvolvimento das peças e construiu uma carreira voltada para o setor.

"Ao longo desses 27 anos em que trabalho com o São João, 24 deles com figurino para as competições juninas, fui descobrindo minhas artes", conta ele, que é também artista plástico, estilista e maquiador.

A principal missão do figurino junino, para Irê, é a mensagem que o grupo deseja passar. Além de colorido e criativo, ele deve agregar elementos à história que está sendo contada naquele curto espaço de tempo da evolução da dança.

"O figurino é o carro-chefe do espetáculo, um dos elementos mais esperados pelo grande público", diz. "A curiosidade de ver e sentir o que vai ser apresentado é imensa, faz com que as pessoas tenham mais vontade de ver as apresentações".

Os personagens da quadrilha transmitem o que o escritor e o roteirista propõem para o espetáculo teatral"

Irê Rocha

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Irê cita como elementos fundamentais para a composição das peças os tecidos leves, as cores vibrantes, as fitas, entre outros materiais, juntamente com itens especiais para a composição, tais como bordados, aplicações, rendas francesas, materiais rústicos.

"Até mesmo algo que você nunca espera que dê certo usar pode ser incorporado", elabora. "Tudo depende da temática proposta".

O objetivo procurado por Irê é trazer algo "alegre e vibrante para que o público possa encher os olhos".

"Nem sempre conseguimos esse feito, pois a competição está cada vez mais acirrada e, com isso, os grupos estão cada vez mais investindo em grandes profissionais", ressalta humildemente. "Mas procuro sempre fazer o melhor que posso para o bom entendimento do meu trabalho".

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Felipe D'Tasso

O estilista acolheu, ainda no interior do Ceará, onde morava e participava das quadrilhas, as primeiras oportunidades para desenvolver as suas próprias ideias e colocá-las em tecidos, linhas e cortes.

"Foi a partir das quadrilhas que criei paixão pela moda e a arte de criar", relembra ele, que depois ganhou uma bolsa de estudos para cursar Design de Moda e realizar seu sonho. "Foi o caminho para conquistar meu espaço no mercado da moda e da cultura".

São nas roupas criadas por ele — e os demais figurinistas — que se observa o colorido do São João: "É a partir delas que a festa ganha vida".

Mas não é só a beleza e o glamour das peças que contam no jogo. "Não podemos nos esquecer da importância dos figurinos nas disputas em que eles são julgados. Uma nota baixa pode fazer o grupo perder o festival".

É por meio do figurino que se observa o colorido do São João"

Felipe D'Tasso

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O maior desafio para Felipe é unir criatividade à coerência com o tema escolhido para ser representado nas competições, ou seja, criar um enredo entre as peças e a história contada.

"O casal de noivos, por exemplo, sempre vem representando um elemento do tema", conta. "Dentro das grandes pesquisas que faço para cada ano, tento identificar o que é mais adequado a cada personagem para compor aquela determinada narrativa".

Nas roupas não podem faltar a fita de cetim, a chita, a organza, a renda, entre outras diversos detalhes: "A gente sempre tem esse cuidado de jogar esses elementos como prioridade nos figurinos".

Deixar a sua identidade impressa é a mensagem que Felipe tenta passar com o seu trabalho, a sua essência, assim como a do São João.

"Quero que vejam aquele figurino e percebam que veio de mim", conta.

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Felipe Moura

Por mais exuberantes que sejam, as roupas precisam dos acessórios para brilhar ainda mais. É neste quesito que entra o trabalho de Felipe Moura, criador de adereços para as quadrilhas.

"Fiz vários trabalhos para draga queens em Fortaleza e meu nome foi ficando conhecido", relembra. "Em 2011, fui contratado para fazer arranjos. Foi quando começou minha relação com a moda junina".

O aderecista de Fortaleza cita o Ceará como uma referência para a moda no São João. Tanto que a fama dos profissionais locais já se espalhou pelo Brasil: "Já fiz vários arranjos para as rainhas e noivas de outros estados", diz.

Os acessórios são criados a partir de muitos estudos. "Tudo tem que ser bem pensado e se encaixar perfeitamente ao tema", reforça Felipe.

"Eu sempre busco nas minhas criações deixar bem claro o que eu quero passar, sem deixar de sair da temática e sempre colocando os gostos pessoais de quem está me contratando nas minhas peças", conta ele, que frisa a importância de que suas obras sejam de fácil entendimento ao público.

É muito gratificante olhar pra trás e ver tanta coisa linda que saiu das minhas mãos"

Felipe Moura

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Quando questionado sobre o que não pode faltar em seus adereços, Felipe crava: "Eu sou movido a desafios". E o maior deles é fazer com que as peças sejam vistas até a última fileira da arquibancada.

"Sempre busco materiais novos, que me ofereçam efeito de brilho, textura e que sejam lindos, visto de perto ou de longe", conta.

O amor pelo São João é o que guia o aderecista e, não diferentemente, o que ele quer que seus adereços comunique às pessoas.

"São tantas noites mal dormidas, horas e horas criando, mas vale a pena", diz. "Fazer arranjos é meu hobby e tenho paixão imensa por cada uma das peças que desenvolvi".

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