O Rio boêmio de Teresa

A rainha das lives estreia "Botequim da Teresa", série que une 3 grandes paixões: samba, petiscos e bate-papo

Bruno Calixto Colaboração para Nossa, do Rio de Janeiro Julia Rodrigues/UOL

Do que os cariocas sentem mais falta no isolamento social? Errou quem disse a praia. Segundo levantamento da agência Binder, o boteco encabeça a lista. Para amortizar um pouco dessa agonia chamada saudade, a cantora e compositora Teresa Cristina leva esse que é o coração da boemia para dentro da nossa casa — com direito a quitutes e samba do bom.

O programa "Botequim da Teresa", que estreia nesta sexta (26) em Nossa, será um presente para o bom sujeito que não é ruim da cabeça nem doente do pé. "Fiz uma lista dos bares de que gosto no Rio de Janeiro e fui atrás das receitas dos petiscos famosos para prepará-los para meus convidados", conta.

Quilombo do amor

Da Faculdade de Letras ao início da carreira no palco do Bar Semente, na Lapa, a sambista elevou o lugar da mulher no gênero cantando Jovelina Pérola Negra, Cartola, Dona Ivone Lara, Noel Rosa e outros grandes compositores brasileiros.

Em 2016, o "The New York Times" se rendeu ao projeto "Teresa canta Cartola", definindo a cantora "dona de voz forte, com suingue e emoção, que parece ter escrito as músicas do mestre Cartola".

Mais de 20 anos se passaram desde o início na Lapa e, muito antes das lives de artistas multiplicarem nas plataformas de streaming, com superproduções e patrocínio, ela se transformou na rainha do formato, unindo espontaneidade, conhecimentos enciclopédicos de música e convidados estrelados, além de uma homenagem diária à mãe, Dona Hilda. "Foi um caminho sem volta."

A carreira atingiu o auge na pandemia, um feito e tanto, regado a irreverência e crítica política.

"Gosto de ver pequenas mudanças no olhar da mulher. Percebi isso fazendo as lives, conheci mulheres incríveis."

Por meio das transmissões ao vivo (o "quilombo do amor", como ela chama), Teresa transformou sua voz e suas apresentações em uma companhia que trouxe conforto, alegria e emoção para quem vive o isolamento. Tornou-se símbolo de resistência cultural, democracia e acolhimento a todos os "cristiners", fiéis seguidores nas noites de ao vivo.

Ode à boemia

Eleita pela revista "Forbes" uma das 20 mulheres de maior sucesso do Brasil, Teresa Cristina encarna a legítima alma carioca. Nasceu na Vila da Penha, Zona Norte do Rio, foi morar com o ex-marido no Leblon, Zona Sul, mas voltou ao bairro de origem, onde atualmente vive com a filha, a mãe e a irmã.

Aos 58 anos, sua relação com a botecagem é de pura intimidade. Foi dela a escolha dos oito bares e das receitas que ela mesma ensina no ar, assim como dos convidados escalados para o "Botequim da Teresa".

Eu vou pra Lapa

Não existe outro lugar onde o Rio seja mais 40 graus do que a Lapa. A alma encantadora do samba, onde versos de bambas ecoam pelas ruas confusas. Segundo o jornalista e escritor João Máximo, sua reurbanização, convertendo o antigo "bairro do pecado" numa região repleta de bares e restaurantes onde se ouve música ao vivo, dá à cidade um "presente valioso".

Jovens cantores e compositores passaram a se dedicar ao samba antigo e, portanto, ocupar os espaços entre as mesas do bairro. Veteranos se apresentam ao lado dos mais jovens. Entre eles, Teresa Cristina, um dos nomes que fizeram o maior alvoroço por ali.

Em 1998, ela começou a cantar no Bar Semente. O lendário clube de samba, famoso por suas jam sessions movidas a caipirinha, acabou batizando a banda que passou a acompanhar Teresa desde então.

"Minha geração ajudou a trazer o samba de volta para a Lapa. O samba é um gênero musical, um ritmo, mas antes de tudo uma força ancestral. E o ancestral não acaba", observa a cantora, debruçada sobre a pedra filosofal da qual fizeram parte nomes como Wilson Batista, Francisco Alves, Madame Satã, Geraldo Pereira, Jacob do Bandolim e Nelson Cavaquinho — que morou na lendária Rua Joaquim Silva, do Bar Semente.

Vocação para o bar

Dudu Nobre, Xande de Pilares e Gregório Duvivier, entre muitos outros, encabeçam a lista da nova geração boêmia da cidade. "Eu viveria de bolinhos", confessa Duvivier, que circula por bares das zonas Norte e Sul do Rio.

Já Moacyr Luz figura na lista de notáveis e veteranos boêmios cariocas, como Aldir Blanc, Elizeth Cardoso, Noel Rosa, Cartola, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Músicos, poetas, intelectuais e personagens que deixaram seu legado para as gerações seguintes.

O botequim marcou a história do Rio desde o século 19. Da Lapa antiga, passando pela Tijuca, as rodas de samba e tira-gostos, até a bucólica Ipanema dos anos 1960, o bar é o lugar do encontro. Segundo o compositor Moacyr Luz, é "o espaço de não fazer nada, mas onde tudo acontece".

"Precisamos destes espaços. Eles são esteios de memórias, aspirações, anseios, sonhos, desilusões, conquistas, fracassos, alegrias e invenções da vida de inúmeras gerações que passaram por suas mesas", escreveu o escritor e historiador Luiz Antonio Simas.

Provavelmente foi na Casa Villarino, aberta no Centro em 1953, que eclodiu a gênese do movimento que exportou a música do Rio para o mundo: a bossa nova. Foi ali que Tom e Vinicius se encontraram pela primeira vez, no verão de 1956. Infelizmente, o bar fechou as portas por tempo indeterminado, em razão da pandemia.

Fique ligado

O "Botequim da Teresa" vai ao ar todas as sextas-feiras, às 10 horas, no YouTube de Nossa, no UOL Play, no site e no Facebook de Nossa. No primeiro episódio, dia 26, Teresa recebe o cantor e compositor Xande de Pilares e vai para a cozinha preparar a coxinha do Bar da Gema, considerada por ela "a melhor do mundo". Coloque já o lembrete para não perder.

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