Depois da tormenta

Como está a retomada dos cruzeiros no Brasil após o baque histórico no setor causado pela pandemia

Carlos Marcondes Colaboração para Nossa Alonso Reyes/Unsplash

Após o hiato — necessário, mas devastador — causado desde a paralisação da temporada 2019/2020 e que abalou o setor de cruzeiros marítimos no mundo, os gigantes dos mares voltaram agora aos portos nacionais. Na estreia do MSC Preziosa em águas brasileiras, em Santos (SP), muitos profissionais do setor se emocionaram, após 20 meses de angústia e incerteza.

O retorno dos cruzeiros ao Brasil ocorre com restrições de no máximo 75% da capacidade de leitos, rígidos protocolos para os passageiros e, por enquanto, apenas cinco dos grandes navios (Costa Fascinosa e Diadema, e os MSC Preziosa, Seaside e Splendida) — e todos envolvidos unicamente em roteiros nacionais.

A temporada perdeu navios que desceram direto rumo à Patagônia e Antártica, já que as fronteiras marítimas seguem fechadas. O quadro poderá mudar em janeiro, dependendo das negociações entre armadoras, Anvisa e Governo Federal.

Mesmo com todas essas limitações e os possíveis impactos da quarta onda na Europa e da recém descoberta variante ômicron, o executivo Marco Ferraz acredita em um horizonte límpido para os cruzeiros turísticos. Entrevistado por Nossa, Ferraz não escondeu o sorriso no rosto, esperançoso. Ex-presidente da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo), o executivo comanda desde 2014 a Clia Brasil, principal entidade do setor no mundo e que representa uma frota de 268 embarcações, a ser reforçada com 93 novos navios até 2027.

Alonso Reyes/Unsplash
Eric Ribeiro
Marco Ferraz, presidente da Clia Brasil, principal entidade do setor no mundo

UM TSUNAMI NO SETOR

Embora a pandemia ainda assombre o planeta, a positividade parece ter retornado aos mares. Como foi ter passado pelo tsunami de uma temporada inteira paralisada?
Foi um baque enorme, sem precedentes, e um imenso desafio. Foi incrível o que as companhias conseguiram implementar, em 13 de março de 2020, encaminhando às suas casas 500 mil passageiros e 250 mil tripulantes quando tudo foi paralisado. Fizeram isso colocando as pessoas em primeiro lugar, fretando aviões e conversando com embaixadas.

A temporada 2019/2020 fechou com 30 milhões de cruzeiristas no mundo e alcançaria 31.5 milhões em 20/21. Crescíamos 5% ao ano e tivemos que parar tudo. Mas as companhias precisaram manter os navios ligados e a tripulação ativa, pois há muito trabalho para manter as certificações de qualidade, segurança e manutenção. Foram bilhões em gastos.

Algumas companhias ficaram pelo caminho, como a Pullmantur, que fez seu último roteiro pelo Brasil com um fretamento da CVC na temporada 19/20 e não sobreviveu.

Ainda é difícil dizer o que mudará daqui para frente quando a pandemia acabar. É provável que algumas medidas preventivas sejam reforçadas, como a exigência por comprovantes de vacinas e de certificações de saúde para quem for embarcar. Mas não há nada de concreto definido, nem pelas companhias, nem pelas autoridades. Será preciso aguardar para ver se teremos mudanças permanentes.

Brandon Nelson/Unsplash Brandon Nelson/Unsplash

DEMANDA REPRIMIDA

No último dia 5 de novembro tivemos a primeira saída da temporada. De volta ao mar, como você enxerga o mercado?
Foi um sufoco a espera da liberação. A decisão saiu poucos dias antes e já tínhamos quase toda a capacidade vendida, tanto novas compras como remarcações. Em Santos, no dia 5, foi difícil segurar a emoção. Os cruzeiristas de carteirinha estão retornando com força total.

A pandemia tem impactado um pouco mais a confiança de quem nunca viajou de navio. Hoje vemos o cenário com otimismo e demanda reprimida.

Em 19/20 eram oito navios com capacidade de 550 mil leitos, comercializamos 469 mil e movimentamos R$ 2,24 bilhões na economia brasileira. Agora estamos com cinco navios um pouco maiores, capacidade de 500 mil leitos, mas só podemos vender 75%. Estimamos gerar R$ 1,7 bilhão na economia nacional. Levando em conta que só o combustível subiu 91% no último ano, além do dólar e outros gastos, é possível que tenhamos uma movimentação financeira superior.

Para a temporada 22/23 devemos superar o patamar de 19/20, pois já temos confirmados cinco navios da MSC e três da Costa. No cenário global de cruzeiros, os níveis de crescimento devem ser retomados em 2024.

O mercado de luxo no setor de cruzeiros marítimos está sempre olhando lá na frente. As vendas para a volta ao mundo da temporada 2023 esgotaram em 48 horas, o que comprova o aquecimento desse segmento.

Marco Ferraz

iStock

Como o setor está reagindo às notícias sobre a ômicron e uma nova onda?

O setor de cruzeiros tem protocolos rigorosos, como o teste diário de 10% da tripulação e dos passageiros, além de testes pré-embarque, vacinação completa obrigatória para hóspedes e tripulantes (elegíveis dentro do Plano Nacional de Imunização), menor ocupação no navio, uso de máscaras, preenchimento de formulário de saúde pessoal (DSV - Declaração de Saúde do Viajante). Todos os espaços dos navios foram redimensionados para atender às novas necessidades, além do distanciamento entre grupos, entre outras medidas.

Passamos por outras variantes, como beta, delta e agora a ômicron, e todos os protocolos minimizam a possibilidade de infecções.

Além disso, nosso contato com a Anvisa é constante e, se for preciso, os procedimentos de segurança poderão ser flexibilizados ou ajustados, de acordo com possíveis novas exigências.

Nestor Pool/Unsplash Nestor Pool/Unsplash

CUIDADOS A BORDO

Por que o viajante deve confiar nos protocolos de segurança desse retorno e nas operações?
A Clia trabalhou num protocolo único, em conjunto com as 56 armadoras associadas e enviado para todas as autoridades dos 50 países em que operamos. A base saiu de um protocolo central e cada país fez um ajuste. Às vezes o país exige menos e a gente acaba usando o nosso, que é mais rigoroso e controlado.

No Brasil, nosso protocolo permite apenas vacinados com o ciclo completo, mais os 14 dias. Temos restrições de ocupação em 75%, testagem obrigatória para embarque e testes frequentes de, no mínimo, 10% das pessoas embarcadas. Há ainda agentes fazendo testes adicionais aleatórios antes do embarque.

No navio o uso da máscara é obrigatório, inclusive nas áreas externas, exceto piscinas e saunas. Foram trocados todos os filtros de ar e contamos com uma área médica muito evoluída, equipada com respiradores e toda a estrutura necessária.

Um passageiro identificado como positivo será isolado e será definido com a Anvisa quando e onde acontecerá o desembarque.

Temos contratados também hotéis preparados para a quarentena e estamos em sintonia com as secretarias de saúde de todas as cidades nas quais desembarcamos. É um protocolo que não elimina 100% a chance de ter um vírus a bordo, mas que mitiga ao máximo os riscos. Acho que não tem outro setor com esse tipo de controle no turismo.

Getty Images/iStockphoto
Navio de cruzeiro na Antártica: paradas proibidas na passagem pelo Brasil

Quais as chances de recebermos os navios com estrangeiros que agora estão no sul do continente?

Nossa expectativa é que as fronteiras aquaviárias sejam abertas até o início de janeiro. Já perdemos diversos navios de nossos associados que queriam ter parado por aqui na descida rumo a Patagônia e Antártica. São 35 navios passando por nossa costa. Temos, por exemplo, o Silversea, que pretende parar no Brasil na volta, fazendo algumas rotas na costa e também na Amazônia.

Mas veja que coisa sem sentido: se um dos navios que estão no sul do continente fretarem um avião para que os passageiros cheguem até Itajaí (SC) e levarem o navio vazio até o terminal, todos poderão reembarcar e seguir o roteiro normal pelo Brasil.

É isso que estamos tentando mostrar para o governo, que não faz sentido liberar via aérea e restringir a marítima.

Getty Images/iStockphoto Getty Images/iStockphoto

O DILEMA DA SUSTENTABILIDADE

Além da pandemia, que ainda provocará desafios para o segmento, a questão ambiental segue no holofote do turismo. O que o mercado tem feito para reduzir suas emissões?
A Clia Global tem três prioridades: saúde e segurança, compliance rigoroso e meio ambiente. São 80 mil navios no mundo, sendo 800 (1%) destinados a cruzeiros; destes, quase 270 são nossos associados.

Estamos investindo para liderarmos as mudanças no setor. Assinamos compromisso para reduzir em 40% as emissões de carbono até 2030, sermos carbono zero até 2050 e desenvolvermos soluções tecnológicas que criem combustíveis limpos. Tem crescido o uso de gás natural líquido, de diesel especial e dos sistemas de exaustão de partículas EGCS, que reduzem os níveis de óxido de enxofre em até 98%.

Também há investimentos em acquadinâmica, que gera economia de combustível entre 5% e 10%. Há aplicação de tintas especiais que diminuem o atrito, micro bolhas que contribuem para o desempenho da embarcação, iluminações em LED e diminuição do uso do ar-condicionado em locais arejados.

Há ainda a tendência dos Shoreside Power, carregando navios com energia elétrica nos portos, ainda não disponível no Brasil. É rigorosa a limpeza de resíduos e a água liberada é tão ou mais limpa do que a que acessamos em casa. Também reciclamos muito: todo vidro é moído e embalado, plásticos são amassados e óleos de cozinha separados. A gente recicla mais que 60% dos lares americanos.

Getty Images
Navio entrando na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, em janeiro de 2020

O que podemos esperar de novidades na costa brasileira para os próximos anos?

O trabalho da Clia é olhar para frente. Dos mais de 90 navios novos que estão sendo finalizados, por que um deles não pode ficar por aqui? O impacto econômico positivo seria significativo. Também estamos buscando novos destinos e temos dois bem adiantados: Ilha do Mel (PR) e Penha (SC), onde está o Beto Carrero World.

Os piers já foram reformados, mas ainda não dá para fazermos os testes. Está em fase de regulamentação Itaparica e estamos conversando com Morro de São Paulo e Barra Grande, também na Bahia, além de Vitória (ES).

Há conversas com o Ibama para uma possível reabertura de Fernando de Noronha (PE), onde já operamos no passado. E estamos mostrando todo o investimento em tecnologia e em sustentabilidade que estamos fazendo para voltarmos à ilha com uma embarcação segura e que siga todos os protocolos de preservação.

O nosso sonho é termos navios o ano todo no Brasil. Temos clima, destinos, demanda, mas dependemos de rotas aéreas. Se colocarmos, por exemplo, um navio baseado no nordeste, entre abril e outubro, precisaremos atrair americanos, australianos e europeus.

Marco Ferraz

Temporada: Férias

Série de conteúdos sobre as transformações no turismo e inspirações para a retomada das viagens

Getty Images

Guia: de malas prontas

Dicas para uma viagem mais segura em tempos de pandemia

Ler mais
Getty Images

Como está por aqui: EUA

'Vejo um país inundado por fake news sobre a pandemia'

Ler mais
Reuters

Como está por aqui: Japão

'Não há qualquer lampejo de reabertura das fronteiras'

Ler mais
Topo