A "Noronha" do Japão

Com praias cristalinas, clima subtropical e cultura peculiar, Okinawa é um outro "país" dentro do Japão

Por Gilberto Yoshinaga Colaboração para Nossa, de Toyota (Japão) OCVB

Reino independente até o século 19, base militar norte-americana no pós-guerra, com clima subtropical e língua própria, o conjunto de ilhas da província de Okinawa é um dos principais destinos turísticos na Ásia.

As praias exuberantes de água azul-esverdeada e as temperaturas que permitem banho de mar mesmo quando está nevando em outras regiões do Japão garantem um fluxo intenso de visitantes durante todo o ano.

Com população próxima a 1,5 milhão de habitantes e formada por mais de 150 ilhas, a "Fernando de Noronha" do Oriente localiza-se no extremo sul do país, no Mar da China Oriental, a mais de 2 mil km de Tóquio - e separada, por mais de 800 km, das principais ilhas que formam o Japão.

Diferente das demais províncias japonesas, Okinawa é muito conhecida por suas praias, pelos recifes de coral e pela vida marinha abundante, o que a torna um destino também muito apreciado por quem gosta de praticar esportes radicais, sobretudo o mergulho.

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Povo hospitaleiro

Os nativos, também chamados de "uchinanchu", se diferenciam dos demais japoneses por terem hábitos mais tranquilos e, diz-se deste lado do mundo, por serem receptivos. A cultura local valoriza a preservação do conceito chamado "yuimaru", que, na língua okinawana, significa algo como "espírito de cooperação mútua", um senso de solidariedade característico de seu povo.

De fato, na diáspora nipônica mundo afora, os descendentes de okinawanos fazem questão de preservar laços e, frequentemente, inclusive no Brasil, realizam grandes eventos de confraternização e celebração de suas raízes.

"A comunidade uchinanchu se realiza, articula-se e se mostra, efetivamente, nos alegres e comensais momentos festivos. Entre os uchinanchu há uma rede transnacional articulada, mobilizados pela identidade cultural", descreve a antropóloga Yoko Nitahara Souza, na sua dissertação de mestrado defendida na Universidade de Brasília. Ela, que acompanhou diversas celebrações do centenário da imigração de okinawanos no Brasil, relata que tais eventos possuem "caráter festivo, hospitaleiro, expansivo, receptivo e solidário, pacífico e caloroso da cultura uchinanchu".

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De reino independente a base norte-americana

Folhear as páginas da história de Okinawa é tão fascinante quanto contemplar suas paisagens. Também conhecido como Ryukyu, o conjunto de suas ilhas já foi um reino independente entre os séculos 15 e 19.

Na época, o comércio marítimo favoreceu intercâmbios de todo tipo com a China, que ali exerceu forte influência política e cultural durante séculos. Depois de muitas disputas, algumas delas violentas, o reino de Ryukyu ruiu e Okinawa foi anexada ao Japão em 1872 - sete anos depois, ganhou o status de província.

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Militares americanos hasteiam a bandeira americana em praia de Okinawa, em 1945

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Okinawa ficou sob domínio dos Estados Unidos por 27 anos, período em que bases militares foram instaladas na ilha. A devolução do território ao governo japonês se deu em 1972, mas, devido à sua posição estratégica entre Japão, China e as duas Coreias, parte da ocupação norte-americana é mantida até hoje, abarcando cerca de 20% da ilha principal.

Apesar de algumas instalações militares terem sido desativadas, como a de Mihama, que se transformou no centro de compras American Village, nos últimos anos têm sido frequentes manifestações contra a presença dos norte-americanos na província. A última ocorreu em meados de 2015, quando dezenas de milhares de okinawanos foram às ruas pedir a expulsão dos militares. Mas o governo japonês tem preferido manter a boa relação diplomática com os EUA.

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Festas populares

De tradição festiva, o arquipélago é marcado por eventos coloridos e grandiosos

Hitoshi Maeshiro/EFE

A trajetória histórica de Okinawa consolidou uma cultura muito singular. O calendário anual é repleto de eventos temáticos, como o All-Okinawa Eisa Festival, em torno da cultura "eisa", uma performance de dança típica ao som de tambores chamados de taikô.

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O Grande Cabo de Guerra de Naha, feito com uma corda que pesa 43 toneladas (recorde mundial no Guinness Book) é puxado por milhares de pessoas e considerado um amuleto da sorte. Após os 3 dias do evento, pessoas levam seus pedaços.

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Influências culturais

Nove prédios históricos de Okinawa, erguidos durante o reino de Ryukyu, foram declarados patrimônios da humanidade pela Unesco, em 2000. Um deles, o castelo de Shuri, que tinha 500 anos, foi totalmente destruído por um incêndio ocorrido no fim de outubro de 2019. Ainda assim, ruínas de outros castelos que integram o circuito tombado, como os de Nakijin e Zakimi (foto acima), permitem que os visitantes façam uma "viagem no tempo" e contemplem as vistas panorâmicas de tais sítios.

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A estética okinawana também ganhou contornos muito singulares de influência chinesa. Diferentemente dos tons cinzas e marrons comuns no restante do Japão, por exemplo, em Okinawa os telhados de muitas casas costumam ser avermelhados.

Outra referência chinesa são as estátuas de leões ou dragões "shisa", vistas por todos os cantos - inclusive, essas figuras estão entre os suvenires preferidos dos turistas. Acredita-se que elas oferecem proteção e servem para afastar maus espíritos.

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Inspirações do mar

Okinawa também é conhecida pelas peças de cerâmica, que fundem influências chinesa, coreana e japonesa. Com mais de 800 anos de tradição, essas peças costumam ser produzidas com cores e elementos comuns na natureza local, principalmente plantas e referências ao mar. O melhor lugar para encontrá-las é na rua Tsuboya Yachimun Dori ("yachimun" significa cerâmica, na língua okinawana), em Naha, capital da província.

"Amo arte em cerâmicas e gosto muito de ver os artesãos produzindo peças de yachimun", afirma a tradutora brasileira Ana Shudo, de 62 anos, que está no Japão desde 1989 e, há dois anos, se mudou para Chatan, na ilha principal. "Até existe produção industrial dessas peças, mas é muito legal observar o estilo de cada artista. E fico feliz porque também há jovens preservando essa tradição herdada dos antepassados".

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Muito perto dali fica a famosa Kokusai Dori, o mais disputado centro de compras da ilha principal, onde turistas também costumam procurar por pratos típicos, como o soba de Okinawa ou o chanpuru de goya - legume amargo de forma semelhante a um pepino, conhecido no Brasil como mormódica ou melão-de-são-caetano.

O menu típico inclui muitos peixes e frutos do mar, com receitas que remontam ao período do antigo reino - e, devido ao clima tropical, também há produtos incomuns no restante do Japão, como abacaxi, goiaba, cana-de-açúcar e até carambola.

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Terra dos imortais

Com expectativa de vida média acima de 83 anos, o povo japonês está entre os mais longevos do mundo. Okinawa é um destaque à parte nesse ranking positivo, o que a faz também ser conhecida como "terra dos imortais". Estima-se que a província possua mais de 400 habitantes com 100 anos de idade ou mais. Essa longevidade é atribuída à alimentação saudável e ao estilo de vida de seus nativos.

"A expressão 'qualidade de vida' vem sendo banalizada ultimamente, mas em Okinawa eu de fato descobri o significado dela", diz Shudo.

Se existe realmente um segredo para que os okinawanos tenham vida longa, isso é o que muitos turistas tentam descobrir. Fato é que Okinawa consegue ser longeva não apenas individualmente, mas como um povo distinto, que sabe preservar sua rica história e valores culturais muito próprios. Isso é o que faz a província ser uma espécie de "país à parte" dentro do território japonês.

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