Paraíso de piratas

Por 300 anos, vilões dos mares aterrorizaram a Flórida. Hoje, inspiram lendas de tesouros e movem o turismo

Texto: Diogo Schelp Artes: René Cardillo, via IA, com base em referências de época dos piratas René Cardillo via inteligência artificial

Durante mais de 3 séculos, no período colonial, antes de ser tornar parte dos Estados Unidos, a Flórida foi um paraíso dos piratas. Por sua característica e posição geográfica, uma longa península que desponta em direção a Cuba e ao Mar do Caribe e que separa o Golfo do México do Atlântico Norte, tornou-se ponto de passagem dos navios espanhóis carregados de riquezas das Américas rumo à Europa.

O litoral extenso e a profusão de ilhas — mais de 4500, sem contar as pequeninas — serviam também de base e esconderijo para os assaltantes dos mares que rondavam a lucrativa rota e que, entre um ataque a navio e outro, aproveitavam para saquear os primeiros vilarejos de europeus na região.

Não é à toa que existam tantas histórias de piratas e dos tesouros que eles teriam escondido nas ilhas ou ao longo dos 1300 quilômetros de praias da Flórida.

Capitães lendários como Francis Drake, Robert Searles, Henry Jennings, Edward "Barba-negra" Teach, Billy Bowlegs, Jean LaFitte, José Gaspar (Gasparilla) e William Kidd aterrorizaram os mares e hoje inspiram personagens de filmes e livros, motivam festas populares, são temas de atrações turísticas e até dão nome a lugares do estado americano.

A existência de alguns desses bucaneiros tem comprovação em documentos históricos, enquanto a de outros é passada de geração em geração em relatos informais — assim como as lendas de que milhões de dólares em ouro e joias ainda estão enterrados em alguns locais da Flórida. Conheça as histórias de cinco piratas e seus mistérios.

FRANCIS DRAKE

Sir Drake não era um pirata qualquer, mas um navegador habilidoso que chegou a ser contratado pela rainha da Inglaterra para explorar novas rotas marítimas e infernizar as frotas espanholas e portuguesas.

Ele foi o primeiro britânico a completar a circum-navegação do globo. Em 1586, quando voltava com seus 23 navios para a Inglaterra, depois de realizar um ataque a Cartagena, na atual Colômbia, aproveitou para saquear e incendiar um pequeno entreposto espanhol na costa floridense, que seus marujos descobriram ao avistar a luz da torre na entrada de um porto. Dezenas de moradores foram mortos, mas muitos conseguiram fugir e se esconder na mata.

O vilarejo atacado era St. Augustine, hoje a cidade mais antiga dos Estados Unidos, fundada pelo governador espanhol Pedro Menéndez de Avilés em 1565 — 21 anos antes, portanto, de enfrentar o seu primeiro ataque pirata.

O território da Flórida estava sob domínio da Espanha desde 1513 — quando foi visitado pela primeira vez por uma expedição europeia, sob comando de Juan Ponce de León — e assim permaneceria até 1821, exceto por um curto período em que esteve nas mãos dos ingleses, no século 18.

Foi Ponce de León quem deu nome ao futuro estado americano: ele ficou impactado com as flores da vegetação local.

Atribui-se a Drake, o primeiro pirata a atacar St. Augustine, também o pioneirismo na prática de enterrar tesouros, inclusive em outros lugares do mundo por onde passou, como no Panamá.

ROBERT SEARLE

Em 1688, o capitão Robert Searle, conhecido por sua brutalidade, capturou em alto mar um navio espanhol que estava levando farinha de Cuba a St. Augustine. Ele escondeu seus piratas no porão da embarcação e assim entrou no entreposto da Flórida, como um verdadeiro cavalo de Troia marítimo.

Durante o saque ao povoado, seus homens mataram dezenas de pessoas, sequestraram as mais abastadas para posterior resgate e pegaram as não-europeias para serem vendidas como escravas.

O fato de os bandidos terem ido embora sem queimar as casas levantou a suspeita dos moradores que haviam conseguido fugir de que eles pretendiam voltar.

Antes mesmo do ataque cometido por Searle, os espanhóis já haviam se convencido da necessidade de reforçar a segurança de St. Augustine, inciando a construção de um forte, o Castillo de San Marcos, concluído em 1695.

A partir daí, St. Augustine ficou livre de ataques piratas e a arquitetura local preserva características e vestígios do período colonial até hoje.

O que fazer em St. Augustine

Alice Gaspar/Arquivo Pessoal

The Pirate and Treasure Museum

O museu temático tem uma coleção com 800 artefatos piratas, incluindo baús de tesouro, moedas e armas que os bucaneiros costumavam usar. Horário de funcionamento: diariamente, das 10h às 19h. Ingressos: US$ 9,99 (crianças), US$ 18,99 (adultos), US$ 15,99 (idosos) Endereço: 12 South Castillo Drive.

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Reprodução

The Pirate Ship Black Raven

Essa réplica de um navio pirata faz passeios de cerca de 1,5 hora saindo da marina municipal, no centro de St. Augustine. Inclui brincadeiras de luta de espadas a bordo e caça ao tesouro com as crianças. Ingressos: a partir de US$ 39,9. Site para reservas: blackravenadventures.com

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Visit Florida/Daron Dean

Castillo de San Marcos

O forte construído para proteger dos ataques de piratas e de navios militares britânicos no século 17 é o mais antigo dos EUA. Aberto para visitação, realiza tiros de demonstração de mosquetões e canhões antigos aos sábados e domingos. Horário de funcionamento: diariamente, das 9h às 17h. Ingresso: US$ 15. Endereço: 1 South Castillo Drive

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BILLY BOWLEGS

Boa parte das histórias de tesouros escondidos da Flórida envolvem o apelido "Billy Bowlegs", ora se referindo a um certo William Augustus Bowles que se aliou aos povos indígenas creeks e seminoles na segunda metade do século 17, ora a um homem de sobrenome Rogers, de família rica e com gosto pela aventura, que, antes de se tornar capitão, pertenceu ao bando de outro pirata notório, Jean Lafitte, de New Orleans (na Luisiana), no início do século seguinte.

Um desses piratas de nome Billy Bowlegs, ao tentar fugir com sua tripulação de um navio de guerra britânico, navegou com sua embarcação, de menor porte, para dentro de uma lagoa no litoral da Flórida onde os adversários não conseguiriam entrar. Lá, encurralado, afundou seu navio, carregado com grandes quantidades de ouro e prata, e escapou em um bote.

Antes de morrer, Bowlegs teria contado a um amigo a localização do tesouro, mas quando este foi procurá-lo, a paisagem do local havia mudado e ele nada encontrou.

A localização desse tesouro rende muitas especulações, mas há quem diga que está em algum lugar da Baía de Pensacola, a oeste da Flórida, quase na divisa com o estado do Alabama — e que uma parte do butim que o pirata conseguiu retirar do navio antes de afundá-lo foi enterrada dentro de três baús debaixo de uma palmeira no condado de Escambia.

Outra versão garante que os restos do navio e sua fortuna estão a alguns quilômetros a leste dali, perto de uma das ilhotas da baía de Choctawhatchee.

Atribui-se também a Billy Bowlegs um tesouro no valor de 3 milhões de dólares que estaria enterrado em um túnel secreto sob o forte San Carlos de Barrancas, em Pensacola.

Outro local por onde o nome do pirata é mencionado é a ilha de St. George, na baía de Apalachicola, conhecida por supostamente abrigar seis tesouros escondidos. Um deles teria sido enterrado por Billy Bowlegs — há quem diga que foi o Augustus, há quem diga que foi o Rogers — dentro de vários baús perto do antigo farol.

O que fazer em Pensacola e região

Divulgação

Forte San Carlos de Barrancas

Construído pelos ingleses a partir de 1787, depois pelos espanhóis e americanos, o forte é um dos marcos históricos nacionais e protege a entrada da Baía de Pensacola. Há uma lenda de que um dos tesouros do pirata Billy Bowlegs está enterrado em um túnel secreto sob a fortificação. Temporariamente fechado para reformas, com abertura para visitação prevista entre março e maio de 2025.

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Museu Nacional de Aviação Naval

Trata-se de um dos maiores museus de aviação do mundo. A visita vale principalmente para conhecer como aviões, helicópteros e porta-aviões revolucionaram as batalhas navais, num belo contraponto tecnológico aos combates em alto-mar dos tempos dos piratas. Horário de funcionamento: diariamente, das 9h às 16h. Ingresso: Gratuito. Endereço: 1750 Radford Blvd

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Reprodução

Billy Bowlegs Festival

Inspirado no Mardi Gras, carnaval de New Orleans, o festival é realizado desde 1953 pela população local de Fort Walton Beach, na baía de Choctawhatchee, em homenagem ao pirata William Augustus Bowles. Os foliões se fantasiam de pirata e há uma simulação de invasão do povoado por Billy Bowlegs, seguida por uma brincadeira de caça ao tesouro.Quando: 16, 17 e 19 de maio de 2025.

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HENRY JENNINGS

Considerado um dos piratas mais bem-sucedidos da Flórida, Jennings teve notícias do naufrágio de uma frota de navios espanhóis carregados de ouro, moedas de prata e pedras preciosas que partiu de Cuba rumo à Europa em 1715, mas que ao passar pela costa da Flórida foi surpreendido por um furacão.

Apenas um dos doze navios não foi destruído e a maior parte do carregamento precioso foi ao leito de uma área de mar raso ou arrastado para as praias mais próximas, onde é hoje a cidade de Sebastian.

Jennings foi para lá com sua tripulação a tempo de encontrar um navio espanhol tentando recuperar parte da fortuna perdida. Os piratas atacaram os espanhóis e roubaram de seu acampamento 340.000 peças valiosas que haviam sido recuperadas. Eles voltaram algum tempo depois para um segundo roubo.

Podre de rico, Jennings aposentou-se pouco tempo depois ao assinar um perdão real proposto pela coroa britânica para acabar com a pirataria no Caribe.

Os naufrágios frequentes nos tempos de domínio espanhol fazem com que o litoral composto pelos condados de Indian River, Martin e St. Lucie seja conhecido até hoje como Costa do Tesouro.

Nas areias das praias locais, otimistas munidos com detectores de metais ainda conseguem encontrar moedas de prata desse e de outros naufrágios, trazidas pelo mar principalmente após fortes tempestades.

Na década de 1980, o mergulhador Mel Fischer encontrou dois dos galeões espanhóis de um naufrágio ainda mais antigo, de 1622, que carregavam dezenas de milhares de moedas de prata, além de artefatos em ouro e outras preciosidades. Os descendentes de Fischer até hoje exploram as águas da região, em busca dos vestígios das embarcações afundadas.

Getty Images

O que fazer em Sebastián

Fundado pelo mergulhador e caçador de tesouros naufragados Mel Fisher (leia sua história aqui), o Museu Mel Fisher's Treasures, com peças e objetos descobertos por ele, é mantido hoje pela terceira geração de sua família, que segue também explorando o fundo do mar em busca de fortunas.

Para os visitantes mais intrépidos, é possível agendar mergulhos nos naufrágios dos navios espanhóis Atocha e Margarita para procurar pessoalmente por moedas e outros remanescentes dos tesouros naufragados. A loja do museu vende moedas reais encontradas nessas embarcações.

Horário de funcionamento: De segunda a sábado, das 10h às 17h.
Ingresso: US$ 8
Endereço: 1322 US Highway, Sebastian, FL
Mais informações no site

CALICO JACK RACKHAM

O inglês John Rackham, conhecido como "Calico Jack", era temido por comandar um bando de piratas a bordo da corveta William. Atribui-se a Jack a invenção da bandeira preta com uma caveira e dois ossos cruzados.

Antes dele, os piratas usavam flâmulas vermelhas para indicar seu espírito sanguinário e ausência de afiliação nacional — eram bandidos dos mares, não representavam nenhuma pátria. Essa bandeira era chamada de "Joli Rouge" ("bela vermelha", em francês), nome que foi posteriormente anglicisado para "Jolly Roger" e é utilizado até hoje para se referir à versão preta com caveira, mais ameaçadora, popularizada por Calico.

Getty Images

A tripulação de Calico Jack também ficou célebre por contar com duas mulheres piratas, algo raríssimo, se não inédito, na época.

A primeira a se juntar ao grupo de cerca de 20 criminosos foi Anne Bonny, uma irlandesa de vinte e poucos anos que conheceu Jack nas Bahamas, por volta de 1718, e com quem passou a ter um relacionamento.

Meses depois, o capitão incorporou mais uma mulher ao seu pequeno bando: Mary Read, uma britânica perto dos seus 30 anos que participou de batalhas na Europa disfarçada de homem e que estava em um navio abordado pelo William nos mares do Caribe.

Tanto Anne quanto Mary, desafiando as normas sociais da época, vestiam-se com roupas masculinas, andavam armadas e participavam das lutas e dos ataques a navios ao lado dos outros piratas comandados por Calico Jack.

Inicialmente baseado em Cuba, Calico fugiu com seu bando para a costa oeste da Flórida para evitar enfrentamentos com a marinha espanhola, mais especificamente na foz do rio Shark, na baía de Oyster, onde também guardava o seu butim.

Em 1720, foi preso junto com toda a sua tripulação pelos britânicos. Os piratas foram enforcados depois de se negar a contar onde escondiam o tesouro avaliado em 2 milhões de dólares. Anne e Mary teriam sido poupadas, com a alegação de que estavam grávidas.

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