Japão em cinco passos

Brasileiro mais viajado do arquipélago diz como aproveitar ao máximo sua viagem

Roberto Maxwell Colaboração para Nossa, de Tóquio (Japão)

Uma mera volta num quarteirão de Tóquio poderia se tornar um passeio de um dia inteiro, uma vez me disse uma amiga que visitava a capital japonesa. Ela tem razão: há 16 anos no Japão, com 44 das 47 províncias (o equivalente aos estados brasileiros) percorridas e uma lista de experiências e imersões culturais na bagagem, ainda me pego fazendo descobertas, mesmo nas esquinas do bairro onde moro.

Já me conformei, de bom grado, com a ideia de que vou passar a vida inteira em Tóquio sem conhecer totalmente a cidade que me acolheu, quiçá o restante do Japão. Mas, como se diz em japonês, "shikata ga nai" — fazer o quê, né?

Pode-se dizer que sou um viajante profissional — visito, escrevo, registro, revisito e, às vezes, atuo como consultor de viagens e guia turístico. Penso em viagem como algo extremamente pessoal. Nada é "imperdível". O impacto que um lugar pode causar depende da sensibilidade de cada um. Eu, pessoalmente, acredito no poder da experiência e da descoberta. É isso o que tem me guiado perambulando por essas bandas.

Com o tempo, desenvolvi um estilo de viajar que passa longe da intenção de ticar todas as atrações de uma lista. Tudo isso é parte de uma lição que aprendi nesses anos aqui e que pode se resumir em um ditado: "ichig ichie", ou seja, cada encontro é único. Busco aplicar essa ideia nas minhas viagens em cinco passos.

1 - Desenhe a viagem

Poucos países do mundo permitem que você desenhe sua viagem com tanta clareza quanto o Japão. Tudo funciona no ponteiro do relógio. Os trens, por exemplo. Lembra da notícia que viralizou sobre a companhia que pediu desculpas aos clientes por uma composição que partiu 20 segundos antes do horário? Pois é. Não é exagero, é compromisso. O tempo do outro é algo levado a sério por aqui.

Certa vez, queria visitar uma área bem remota no interior da ilha de Shikoku, onde uma senhora ficou conhecida mundo afora por produzir bonecos de pano e espalhá-los pela vila onde mora. Era uma história encantadora, numa região em que a população se reduzia rapidamente.

Sem crianças, a escola da vila fechou e a dona encheu o local de bonecos, numa tentativa de preencher o vazio. Para se chegar até lá partindo de Takamatsu, o centro urbano mais próximo, era preciso pegar um trem, um ônibus e, por fim, uma van, a única alternativa de transporte público na região.

Pelas minhas contas, eu teria 24 minutos para conversar com a senhora e visitar a vila, antes de pegar a van de volta até o ponto de ônibus e enfrentar as quase 3 horas da viagem de retorno. Assim foi feito.

Fotografei o local, tomei um chá com a senhora e, conforme a tabela, o motorista estava passando no ponto de ônibus no horário determinado. Infalível. Use essa confiabilidade a seu favor, mesmo quando a intenção for relaxar. Afinal, nem sempre a gente precisa sair mais cedo. O importante é ter certeza de quando e como chegar.

2 - Desafie os estereótipos

"Os japoneses são frios?"

Esta é uma das perguntas que eu mais ouço. Para mim, a resposta é clara: não.

Entretanto, é difícil explicá-la em palavras, em especial para o brasileiro que entende como calor humano o ato de abraçar, tocar e expressar de forma direta os sentimentos. Isso dificilmente você vai encontrar durante uma viagem ao Japão. Por outro lado, não demora muito para se descobrir como os japoneses expressam seu afeto. Basta que você não deixe que pequenos gestos passem despercebidos.

Certa vez, fui recolher na recepção de um hotel uma lembrança deixada por uma amiga brasileira que estava de passagem na cidade. Muito ocupado, não consegui encontrá-la nem para um café. Mas o hotel aceitou gentilmente me entregar a encomenda.

O dia estava muito quente e eu entrei no salão esbaforido e suando em bicas. Mal cheguei no balcão e a atendente me estendeu uma toalha branca. Passei no rosto e ela estava geladinha. A moça não perguntou meu nome, nem se eu era hóspede. Foi um sorriso no rosto, uma mensagem de boas-vindas e uma dose de conforto. Isso é "omotenashi".

Esta palavra, que ganhou o mundo durante a defesa de Tóquio como sede da Olimpíada, é a atitude de prever a necessidade do outro e, claro, promover algo para atendê-la. Na falta de uma tradução exata para o português, usamos a palavra hospitalidade. Mas vai muito além disso.

"Omotenashi" é o cuidado que as pessoas têm umas com as outras, que se expressa quase sempre em pequenas atitudes que só se podem ser percebidas quando a gente se livra dos estereótipos.

3 - Deixe-se surpreender

Trabalhei por dois anos com um repórter brasileiro que era extremamente perspicaz. Certa vez, estávamos gravando uma reportagem sobre doces em uma elegante loja de departamentos em Tóquio, quando ele me solta uma frase com uma ideia que nunca me saiu da cabeça.

Ele estava falando sobre o "daifuku", uma iguaria japonesa feita com uma massa de arroz glutinoso e recheada com pasta de feijão. Nas palavras dele, o doce era o "jeito japonês de comer o prato mais presente na mesa dos brasileiros". Nosso indefectível arroz com feijão em versão nipônica.

Entretanto, quando a reportagem foi ao ar, os comentários na internet eram de nojo. No Brasil, muita gente acha que comer arroz e feijão da maneira que os japoneses fazem é algo impensável.

O mundo é tão grande e tem gente que acha que a única maneira correta de lidar com determinado ingrediente é a nossa.

Obviamente, o daifuku nem de longe é um PF brasileiro. Mas só experimentando para descobrir que o doce à primeira vista inusitado é delicioso, dispensando salada e um filé com fritas para ser bom. Moral da história: deixar-se surpreender é importante para abrir horizontes.

É claro que às vezes a gente tem um pé atrás com surpresas. Na minha primeira viagem pelo Japão, uma mudança repentina de planos quase me deixou sem hospedagem em Fukuoka, no sul do país. A única opção que encontrei foi um hotel "cápsula".

Entrei no estabelecimento como se estivesse indo para o meu próprio funeral. Eu, que embora não seja tão alto ou corpulento, estava preocupado se conseguiria dormir num espaço tão exíguo. Cheguei a me sentir humilhado, para ser sincero. Entrei no hotel resignado, coloquei as coisas no armário e fui tomar um banho no espaço coletivo, com banheiras de água quentinha e duchas.

Quando finalmente não tinha mais nada para fazer, fui para a cápsula, passar o que imaginei que seria a noite mais assombrosa da minha vida. Me enfiei no espaço e, quando percebi, estava sentado. A cápsula era muito mais espaçosa do que eu imaginava. Com um colchão confortável e a temperatura correta, tive uma excelente noite de sono a despeito de todas as minhas preocupações.

Dormir confortavelmente numa cápsula. Relaxar numa banheira quente em pleno verão. Apaixonar-se por um doce de arroz com feijão. Os japoneses são mestres em fazer o impossível possível.

4 - Fuja para as montanhas

Sete dias é mais ou menos a média da duração das viagens dos brasileiros que atendo como acompanhante de viagem no Japão. É um tempo curtíssimo se pensarmos que de São Paulo a Tóquio são, pelo menos, 24 horas de viagem. Leva três dias só para se ajustar ao fuso horário.

É tentador querer passar toda a viagem nas grandes cidades japonesas, com seus zilhões de opções para tudo. Tóquio, Osaka e Quioto, só para citar as mais conhecidas, são mesmo lugares que merecem atenção. Mas elas mostram sobre o Japão o mesmo que São Paulo, Rio e Salvador denotam sobre o Brasil. É muito, mas não é tudo.

O arquipélago japonês é boa parte formado por montanhas. Embora a maioria da população viva no litoral mais plano, a relação do Japão com seus picos, planaltos e vales é visceral. Não à toa, o maior símbolo do país é o Monte Fuji. Montanhas e suas florestas falam fundo ao coração dos japoneses.

Uma das lembranças mais fortes de minhas andanças vem de Kurama e Kibune, uma região montanhosa nos arredores de Quioto. Uma trilha entre as árvores liga as duas localidades, passando por um templo budista de grande importância histórica. Já na entrada da rota, você tem um encontro com uma criatura nariguda: o tengu, uma espécie de protetor das florestas.

Na caminhada, é fácil se sentir um filme do famoso Estúdio Ghibli. As raízes longas das árvores se espalhando pelo solo parecem tentáculos que vão te abraçar a qualquer momento. Pode parecer ameaçador mas tudo depende de como você encara as coisas. Para mim, as árvores nunca pareceram tão vivas.

No silêncio da floresta, quem fala mais alto são os pássaros e o rio. Essa experiência, que traz uma sensação de estar integrado à natureza, é o que os japoneses chamam de "shinrin yoku", banho de floresta. É explorar um Japão profundo.

5 - Saia da rota

A terra seca, cheia de fumarolas, dá um quê de desolação à paisagem. Já os cata-ventos coloridos, que margeiam aos milhares os caminhos que levam a um lago de águas mortas, são o toque surrealista. O silêncio e o cheiro de enxofre preenchem a paisagem.

Diz a lenda que, quando morremos, encontramos um rio e é preciso atravessá-lo. Osorezan, no extremo norte da ilha de Honshu, é como o "lado de lá" materializado na Terra.

Ali fica o Bodaiji, um templo budista que realiza um festival em memória dos mortos toda terceira semana de julho. A procissão é pequena e centrada nos monges. A audiência só se movimenta quando, já no final, os religiosos entram no templo.

O povo vai atrás, acompanhando as orações. Fundado numa área cheia de fumarolas, o templo também é um onsen, um banho de águas termais que brotam junto com os gases das fumarolas. Tido como uma dádiva da natureza, diz-se que purifica e acalma o corpo e a alma.

Numa área à parte, os fiéis formam filas na frente de umas tendas azuis. Dentro, mulheres em transe conversam com os visitantes. São as itako, mensageiras dos mortos, um elo entre os que se foram e os ficaram. Fazia poucos meses que eu tinha perdido minha avó. Não sou uma pessoa de fé no sobrenatural, mas a saudade me levou à fila.

Poucos minutos depois, um senhor se aproximou. Ele queria saber se eu pretendia fazer uma consulta. Disse que sim e ele ficou pensativo. Pediu um tempo e foi falar com outros membros da organização. Ele voltou pouco depois. "Acho que o senhor não vai conseguir se consultar", disse. Perguntei gentilmente o porquê. "Não sei se a médium vai entender a mensagem do seu ente querido", explicou.

Discretamente, eu ri. Agradeci a gentileza (a consulta não é barata) e saí da fila. Mas fiquei de longe observando as pessoas saindo emocionadas das tendas. Não uma emoção explícita, isso não é comum entre os japoneses. Mas pequenos gestos, uma lágrima furtiva, uma expressão de saudade? Olhei no entorno e percebi que eu e os meus amigos éramos os únicos não-asiáticos no lugar. Fazia sentido que a médium não soubesse falar outra língua que não o japonês.

No Japão, manifestações e experiências como as que eu vivi em Osorezan quase sempre acontecem fora do radar dos guias turísticos — e dos celulares esbaforidos dos blogueirinhos de viagem. É preciso ir mais além para ter oportunidades como essa, que me marcou de forma profunda.

Por fim, conforme-se

Uma vez, atendi uma família paulistana em um passeio guiado de seis horas em Tóquio. O pai era o mais empolgado.

Quando a gente chegou no Sensoji, o templo budista mais antigo e movimentado de Tóquio, senti que ele começou a tentar apressar o passo.

Saímos de lá depois de uma hora e partimos para o próximo local. Ele tinha pressa e isso estava deixando a mulher irritada e os filhos adolescentes agitados.

Num determinado momento, de forma irônica, perguntei se estava indo muito devagar. A mulher ensaiou um "não", mas ele nem a deixou terminar a palavra. O homem queria que eu fosse ainda mais rápido. "Assim, não vamos conseguir ver tudo o que planejamos", disse.

Lamentei pela família. O homem não estava dando tempo para sentirmos o aroma de incenso no ar, para descobrirmos as belas pinturas do teto do templo, para apreciarmos as cores diversas das carpas dentro do lago?

O que quero dizer é que o Japão não é fácil de ler com os olhos de quem nunca pisou no país. Se você simplesmente passa pelos lugares, as coisas parecem um emaranhado de informações. É preciso tempo. Se você valoriza a lembrança mais do que as fotos que vão para a lista do WhatsApp, não faça nada correndo.

Não há nenhuma possibilidade de você sair do Japão tendo visto "tudo" em uma única semana. Conforme-se, viva e se entregue porque cada momento é único. E, como dizem os japoneses, ichigo ichie.

Roberto Maxwell é jornalista e produtor de TV. Radicado no Japão desde 2005, é especialista em gastronomia japonesa e ministra diversos cursos na área.

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