O guia do mochileiro moderno

Conheça o perfil da nova geração de viajantes que trocam o mochilão raiz por novas experiências na estrada

Betina Neves Colaboração para Nossa Divulgação

Dividir quarto com outras 16 pessoas, sair a esmo com um mapa de papel, entrar em qualquer biboca para comer, varar dez cidades em duas semanas. Se é isso que você entende por viagem de mochilão, saiba que os tempos são outros.

É o que atesta uma pesquisa do principal site de reservas de hostels do mundo, o Hostelworld, que entrevistou mais de 5 mil pessoas de sete países (incluindo o Brasil) e analisou o comportamento de diferentes gerações de mochileiros.

Em comparação com os viajantes do passado, os millenials (ou geração Y) e a geração Z viajam mais, têm maior interesse por experimentar a culinária local dos destinos, fazem trabalho voluntário e são mais propensos a ter experiências culturais do que sair à noite.

Superconectados, têm todas as informações, resenhas, comentários, notas e fotos à mão para planejar seus itinerários, e o fazem com maior antecedência.

Eles podem até não se importar em dormir em quartos compartilhados, mas querem muito mais do que os albergues simplões de outrora: procuram hostels confortáveis e bem decorados que ofereçam atividades e serviços especiais.

E não se importam em pagar mais por isso. A preocupação com grana ainda existe, claro, mas os novos mochileiros tendem a desembolsar mais para dormir, comer e passear. Essa tendência está transformando a indústria do turismo e, principalmente, a dos hostels, que deixaram a alcunha "albergue" em desuso.

Viagem com propósito

O chamado slow travel (em português, viajar devagar), tendência do turismo global, foi também abraçado pelos mochileiros. Entre os da geração Z, a média observada na pesquisa é de visitar apenas um ou dois países por viagem. A ideia é menos pressa e mais imersão: sair de roteiros rápidos e engessados e investir em experiências mais profundas.

Na contramão das fotos batidas das redes sociais (nos mesmos lugares, com as mesmas poses), o mochileiro moderno também tem um desejo de sair do lugar-comum. A pesquisa anotou uma diminuição de 33% no interesse pelos roteiros mais manjados. Há uma vontade de resgatar as raízes de um mochilão mais aventureiro e intrépido para sair da zona de conforto e viver algo diferente.

Buscar experiências genuínas alavancou a busca por trabalho voluntário, tendência da vez para quem está indo mochilar hoje, principalmente em viagens longas. Mochileiros usam cada vez mais plataformas como o WWOOF, o Workaway e o brasileiro Worldpackers, que conectam pessoas que oferecem trabalhos (e, em troca deles, hospedagem e às vezes alimentação gratuitas) com quem quer viajar.

De cuidar de crianças em casas de família a trabalhar em hortas orgânicas de comunidades sustentáveis, de ajudar na recepção de hostels a dar aula de inglês em escolas: as opções são diversas. O único custo é a taxa de cadastro nos sites, que gira em torno de US$ 50 (cerca de R$ 230 na conversão atual) para plano anual.

"Criamos a plataforma em 2014 e hoje temos 1,7 milhão de usuários cadastrados, cerca de 30% deles brasileiros", diz o paulistano Allan Formigoni, um dos fundadores da Worldpackers. "Vemos que o mochileiro millennial quer cada vez mais dar um propósito às suas viagens e, por isso, busca oportunidades de fazer imersões culturais, descobrir novas habilidades e ajudar aqueles que precisam".

O site Worldpackers, que tem mais de 6 mil estabelecimentos cadastrados dispostos a receber viajantes, começou oferecendo trabalhos em hostels e depois expandiu para projetos sociais, comunidades ecológicas, acampamentos de surfe, entre outros.

Outra plataforma muito usada pelos novos mochileiros é o Couchsurfing. Comunidade virtual com mais de 14 milhões de usuários, o site permite que se crie um perfil e procure casa para ficar ou companhia para sair em até 200.000 cidades pelo mundo - sem pagar nada.

Para garantir a segurança, pode-se deixar e receber avaliações e enviar mensagens públicas ou privadas. Além de diminuir os gastos da viagem, o site ajuda a conectar mochileiros com moradores dos destinos, possibilitando trocas culturais.

A revolução dos hostels

A mudança de comportamento do mochileiro provocou, na última década, uma transformação no mercado dos hostels. Duas edições da pesquisa Global Hostel Marketplace, da agência americana Phocuswright, mostraram as características dos albergues transformados pelos millennials e, agora, pela geração Z, e estimaram que o setor cresça de 7 a 8% ao ano. Em 2020, deve movimentar até US$ 6,4 bilhões no mundo todo.

A decoração virou foco principal dos novos hostels, e as instalações foram turbinadas com piscinas, rooftops, piscinas, bares e jardins. Beliches ganharam designs diferentões e cortinas, prateleiras, tomadas com entrada USB, bons armários e colchões.

Banheiros agora têm secadores, shampoos de marca e chuveiros potentes. Cafés da manhã foram ampliados e melhorados. E quartos privativos passaram a ser tão importantes quanto os compartilhados, para quem tem mais poder aquisitivo, mas ainda curte o ambiente social dos hostels.

Rede "hosteleira"

Outro movimento do mercado foi o surgimento de redes. Tão consolidadas na hotelaria, só recentemente elas passaram a ter mais impacto no mundo dos hostels, antes fragmentado e predominantemente de donos independentes. Agora, algumas marcas começaram a se fazer conhecidas e abrir múltiplas unidades, como a britânica Generator e a americana Freehand.

"O fortalecimento das redes tem a ver com a profissionalização do serviço e com a criação de uma identidade: o viajante agora pode escolher um destino porque vê que ali tem um hostel da rede que já conhece e sabe que tipo de experiência vai encontrar", diz Flavia Lorenzetti, head da Selina do Brasil. A marca panamenha, que mistura hostel com espaço de coworking, saltou de três unidades em 2016 para 60 em 2019, três delas no Brasil.

Os estabelecimentos do Selina ticam todos os itens de hospedagem para millennials: têm décor arrojado, com murais e grafites de artistas convidados, oferecem tanto quartos privativos quanto compartilhados (cujas diárias variam entre R$ 60 e R$ 400 na unidade do Rio) e instalações como restaurante, piscina, sala de cinema e estúdio de yoga.

Há atividades rolando sete dias por semana, entre tours gastronômicos, aulas de surfe, trilhas e bicicleta, e serviços como arrumação de quarto e fartos bufês de café da manhã. Para a demanda crescente de nômades digitais, há espaços de coworking e cursos, worskshops e palestras.

"O mochileiro millennial, mesmo o que fica no quarto coletivo, paga muito mais por experiências, principalmente na faixa etária que mais atendemos, entre 29 e 35 anos. Além disso, ele é um consumidor mais consciente, quer saber desde quem fez o lençol da cama até para onde vai o lixo do hostel", diz Flavia.

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