Azul profundo

Por que as águas de Bonito são tão lindas? Desbravamos o paraíso aquático do Mato Grosso do Sul para descobrir

Eduardo Vessoni Colaboração para Nossa Giordano Cipriani/Getty Images

A contadora de histórias Fernanda Reverdito, de 38 anos, é da época em que Bonito tinha ruas de cascalho, o turismo era informal, em fazendas de amigos, e não havia nenhum controle de acesso. "Tudo era o nosso quintal", lembra.

Desde a infância de Fernanda para cá, a cidade a pouco menos de 300 quilômetros de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, nunca mais foi a mesma. Virou referência para o setor turístico no Brasil e se tornou a capital nacional do ecoturismo, atraindo 200 mil visitantes por ano em tempos pré-pandêmicos.

Mergulhar em Bonito é como submergir em um imenso aquário de borda infinita, com águas mansas e visibilidade rara para um rio, podendo chegar a 13 metros de distância. A surpreendente transparência é favorecida pelas rochas calcárias, que funcionam como uma espécie de filtro natural ao serem dissolvidas pelas águas de pH ácido das chuvas.

Segundo o geólogo Giancarlo Lastoria, "mudanças de temperatura e do pH da água provocam a precipitação dos carbonatos dissolvidos, arrastando os sólidos em suspensão e propiciando a limpidez". Essas águas que se infiltram por vias subterrâneas retornam à superfície dando origem a nascentes e garantindo a perenidade dos rios da região.

São elas as estrelas de dezenas de atividades aquáticas na região. A mais impactante é o mergulho com cilindro na Lagoa Misteriosa, atividade que realizei e que foi, para mim, a prova definitiva de que o nome deste destino turístico não é exagero.

Giordano Cipriani/Getty Images
Giordano Cipriani/Getty Images Giordano Cipriani/Getty Images

Do assombro ao mistério

Diz a lenda que peões em busca do gado ouviam sons, semelhantes aos de vozes humanas, que saíam de dentro de uma lagoa escondida em uma mata fechada. O local foi apelidado de Capão Assombrado, primeiro nome da hoje chamada de Lagoa Misteriosa.

Parte do mistério estaria solucionado quando se descobriu que aqueles gritos eram produzidos por urubus no período do acasalamento.

Mas a lagoa continua chamando. Quanto mais se desce, mais longe a gente quer deslizar por imensos paredões rochosos que confinam águas exageradamente azuladas. Antes mesmo de submergir, você pode estar preparado para tudo, mas a mente demora para organizar o que se vê (e o que não se vê) sob os pés.

Localizada no município vizinho de Jardim, a Lagoa Misteriosa fica no fundo de uma dolina e é uma das cavernas alagadas mais profundas do Brasil. Adquirida em 2005 pelo casal Eduardo e Simone Coelho, levou quatro anos para ter seu Plano de Manejo Espeleológico concluído por uma equipe que envolveu 15 pesquisadores.

"Somos privilegiados e muito gratos por poder cuidar da Lagoa Misteriosa. Ainda fico emocionada quando mergulho lá. Aquela imensidão de abismo azul é algo que me toca profundamente", descreve Simone.

João Gomes/Grupo Rio da Prata João Gomes/Grupo Rio da Prata

O encontro com a Misteriosa

A atividade começa com uma caminhada leve até uma extremidades da dolina onde fica o mirante que dá uma prévia do que vem pela frente. Logo o visitante deve encarar uma descida pelos 190 degraus de uma escadaria que finda na plataforma de mergulho.

O local pode ser explorado em flutuações na linha d'água da lagoa ou em mergulhos com cilindro, que vão de 8 metros de profundidade (batismo) a delirantes 60 metros (mergulho técnico).

Com vida aquática reduzida, como lambari e mussum (peixe de hábito noturno parecido a uma cobra), o local surpreende mesmo pela imensidão infinita dessa caverna vertical e pelos tons de suas águas. Mesmo a 40 metros de profundidade, as copas das árvores lá fora se exibem, minúsculas, sobre nossas cabeças, lembrando que o abismo é logo ali.

O pico da temporada da cristalinidade costuma ser em julho. Entre meados de setembro e abril, a proliferação de algas que dão tons esverdeados à lagoa reduzem a visibilidade e somente mergulhadores avançados e técnicos estão autorizados a mergulhar

De acordo com o Cadastro Nacional de Cavernas do Brasil, a Lagoa Misteriosa é a nona caverna mais profunda do Brasil. Pelo menos é o que se sabe até hoje: em 1998, o mergulhador Gilberto Menezes de Oliveira encarou um mergulho de oito horas para chegar a 220 metros de profundidade. E ainda assim não conseguiu encontrar o fundo da lagoa.

E, até hoje, ela continua misteriosa (e linda).

Marcelo Krause/Grupo Rio da Prata Marcelo Krause/Grupo Rio da Prata
Giordano Cipriani/Getty Images Giordano Cipriani/Getty Images

Ver para crer

De batismo de mergulhadores inexperientes a mergulhos técnicos em cavernas, Bonito conta com todas as modalidades para quem quer ter a sensação da gravidade zero em águas doces.

No Rio da Prata, na RPPN Fazenda Cabeceira do Prata, é possível fazer mergulho de batismo, uma espécie de aperitivo para quem ainda não é certificado.

Após um treinamento breve, o visitante é guiado por um instrutor em águas rasas de até sete metros de profundidade. Nos 30 minutos seguintes, a sensação é de flutuar entre dourados, lambaris e piraputangas, só para citar algumas das 59 espécies de peixes que dão as caras nessa área protegida de quase 300 mil hectares, em Jardim.

"A água doce tem menor densidade do que a do mar. Por isso, aqui você desliza e desce com mais facilidade", lembra João Gomes da Silva, instrutor de mergulho.

Nessas águas cristalinas, a 48 km de Bonito, é possível fazer também flutuação com colete e snorkel, a constantes 24° C. Considerada a mais longa do destino, um percurso de 2,6 km, a atividade acontece no rio Olho d'Água e, nos últimos 600 metros, desvia em direção ao Prata.

É tudo bem simples. É só se equipar, cair na água e deixar a correnteza levá-lo entre jardins submersos, galhadas e formações rochosas. Tem até o Vulcão, como é chamada uma das ressurgências do Olho d'Água, cujo movimento faz as areias do fundo parecerem em constante erupção.

Daniel de Granville/Grupo Rio da Prata Daniel de Granville/Grupo Rio da Prata

Águas (re)laxantes

Basta uma flutuação ou um banho de cachoeira para ter as energias renovadas em Bonito. Para o Imasul, órgão vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente que faz o monitoramento da qualidade das águas da região, os rios de Bonito estão classificados como "bom" e "ótimo".

Em outras palavras, é só se equipar e cair em uma das águas mais cristalinas do país. Só não é recomendável ingeri-las.

De acordo com o geólogo Giancarlo Lastoria, os calcários dolomíticos são conhecidos pela alta concentração de magnésio e funcionam como uma espécie de laxante para o trato intestinal.

"Como a água distribuída no sistema de abastecimento de Bonito não passa por processo de tratamento para abrandamento de cálcio e magnésio, a ingestão pode provocar efeito laxativo no turista".

O visitante de fora irá perceber também a "sensação gordurosa na pele" e pouca produção de espuma no sabonete ao tomar banho, "por conta da água mais alcalina".

Eduardo Vessoni/UOL

Sem pechinchas

Desde 1995, o Conselho Municipal de Turismo (COMTUR) estabeleceu a obrigatoriedade do Voucher Único, tíquete de acesso que controla o número de visitantes e padroniza os valores das entradas nas atrações.

Em outras palavras, não existe nenhuma possibilidade de encontrar preços diferentes entre agências para um mesmo passeio.

Sem venda direta de ingressos nos atrativos, as agências de turismo de Bonito são os únicos locais autorizados a comercializar os passeios e emitir o voucher. Segundo guias locais, a única forma de encontrar algum tipo de desconto é no valor do transporte entre a cidade e cada atração, de acordo com a empresa que faz o transfer.

Confira nos GUIA NOSSA - BONITO mais informações sobre o destino: como chegar, onde ficar e detalhes de todas as demais atrações.

BRASILEIRO

Olhares sobre os sabores, belezas e saberes de nosso país

Esta reportagem faz parte da temporada Brasileiro, de Nossa, uma série de conteúdos especiais que, durante três meses, abordam temas relacionados às regiões do país. Ela é dividida em cinco ciclos, cada um com um curador que atua como editor especial de Nossa na seleção dos temas, personagens e criadores da temporada. Teresa Cristina foi a responsável pelo ciclo sobre o Sudeste. A atriz Tainá Müller assumiu o posto para o Sul do Brasil. Agora, o chef Paulo Machado desbrava o Centro-Oeste com a gente.

Getty Images

Homem & natureza

Um mergulho nas belezas da região Centro-Oeste a partir do olhar do chef pantaneiro Paulo Machado

Ler mais
Keiny Andrade/UOL

Mix culinário

O sobá é uma herança japonesa que virou tradição em Mato Grosso do Sul e adaptou sabores locais. Aprenda a fazer!

Ler mais
Getty Images

Destino a descobrir

Conheça Nobres, o paraíso de Mato Grosso com rios cristalinos, cachoeiras belíssimas e uma fauna exuberante

Ler mais
Topo