Fora do grid

Aventuras e (várias) gafes "eróticas" nas viagens de Mariana Becker, rosto mais conhecido da cobertura da F1

Adriana Negreiros Colaboração para Nossa Júlia Rodrigues/UOL/Arte UOL

Há um aspecto da personalidade da jornalista Mariana Becker que passa despercebido em suas aparições na TV: ela é engraçadíssima. Não do tipo convencional, que possui um vasto repertório de piadas ou nasceu com talento ímpar para a imitação. A graça de Mariana está em uma habilidade rara, ainda mais em tempos de vidas supostamente perfeitas — ou de imperfeições romantizadas — expostas nas redes sociais: ela sabe rir de si mesma.

Bem-humorados têm a capacidade de identificar o inusitado — que, por vezes, também é cômico — nas situações do cotidiano. E esta aptidão fundamental para a prática do bom jornalismo explica parte do sucesso de Mariana Becker como repórter de TV.

Desde 2007 à frente da cobertura do circuito de Fórmula 1 da TV Globo, ainda consegue surpreender o público em suas reportagens sobre pilotos, corridas, motores e ultrapassagens. Seria compreensível se, depois de tanto tempo, ela se tornasse repetitiva, talvez até enfadonha. Mas, ao contrário, Mariana continua a produzir reportagens com frescor. Mesmo porque o assunto pode até ser o mesmo, mas todo o resto — ela incluída — está em constante mutação.

Não fosse Mariana Becker uma mulher que vê novidade em tudo, nada justificaria o fato de já ter visitado o Japão mais de uma dezena de vezes — e, mesmo assim, ainda contemplar o país em seus roteiros de viagem. A cada visita ela vive o lugar de um jeito, ou por um ângulo, diferente.

E isso também vale para o Marrocos, onde recentemente fez longas cavalgadas, ou Espanha e Suíça, dois de seus destinos preferidos nas pausas para lazer e descanso. O último, aliás, foi seu refúgio durante os meses iniciais da pandemia. Mariana e o marido, o produtor de TV Jayme Brito, têm um apartamento de férias em Crans Sierre. "Eu subia as montanhas caminhando, tipo uma noviça rebelde", diverte-se.

Apesar do temperamento otimista, de vez em quando se abate. "Dá uma certa tristeza pensar que isso venha a ser a nossa realidade: não poder mais abraçar e beijar as pessoas, ou dizer 'senta aqui que eu estou com saudades'", lamenta. Foi de sua casa em Mônaco que Mariana Becker deu a seguinte entrevista a Nossa:

Em quartos separados

Você é casada com um dos seus produtores. Portanto, todas as suas viagens a trabalho são feitas ao lado do marido. Isso é bom ou ruim?
Tem os dois lados. Por um lado, conseguimos nos ver. Se não trabalhasse com ele, meu marido precisaria ter uma paciência e uma paixão imensas, porque passo muito tempo viajando. Então é bom, porque ficamos juntos, ele entende a intensidade das minhas frustrações e felicidades, sabe o quanto aquilo é importante. Mas, ao mesmo tempo, é muito difícil.

Por quê?
Imagina, você está em casa com seu marido ou sua mulher. Sempre dá rusga, alguém está de mau humor, responde errado. No trabalho, isso se intensifica. Por mais que digam "trabalho é trabalho, casa é casa", não é. Parabéns para quem consegue, mas se gritou comigo no trabalho, não vai dizer "oi, amor". No mínimo, vai dar um tempo, "você fica aí, eu fico aqui". Mas encontrei uma solução para isso.

Qual foi?
Nas viagens a trabalho, ficamos em quartos separados. A Globo paga um quarto para cada um. Chegamos muito cansados, temos pouco tempo para baixar a bola, tirar a tampa do estresse. É o tempo de comer e dormir. Então vai cada um para o seu quartinho, eu tomo banho, tenho tempo de me acalmar, ler, trocar de roupa. Depois, saímos para jantar, nos visitamos, namoramos, mas vai cada um nanar no seu canto.

Nessas viagens a trabalho, dá para relaxar e aproveitar um pouquinho o destino -- ainda mais tendo a companhia do marido?
Às vezes. Tem alguns lugares que nós dois gostamos muito e já temos o restaurante preferido, o garçom até sabe o que vamos comer, em que mesa gostamos de nos sentar. Pode ser uma coisa rápida, uma passadinha antes do voo, mas também acontece de esticarmos a viagem. Isso já aconteceu umas 500 vezes. Mas há ainda os lugares que eu amo loucamente e ele, não. É o caso do Japão, já fui 12 vezes.

Avô desbravador, neta sem limites

Mariana arregalava os olhos, parava tudo o que estava fazendo, era só ouvidos para as histórias contadas pela mãe, a professora de inglês Roseli Becker, sobre o pai dela, o médico do Exército José Carlos de Araújo Gertum (no centro da ilustração).

Eram relatos de aventuras fantásticas. Doutor Gertum viajou até as fronteiras do Brasil, entre 1927 e 1930, ao lado do marechal Cândido Rondon. Além disso, passou uma temporada na reserva indígena do Xingu (como mostra uma das fotos da montagem). Mariana aprendeu que o avô era um defensor incansável dos povos nativos do país.

Coube a ele, em várias ocasiões, explicar para os ignorantes da vida urbana quão sábios, respeitáveis e higiênicos eram os indígenas"

Em meio a tantas viagens para o interior do Brasil, Gertum contraiu malária e febre amarela. Apesar do sucesso na carreira como médico do Exército, cultivava hábitos simples. "Era um general tímido. Obrigado a desfilar no 7 de setembro com aquele penacho dos dragões, não deixava a família ir assisti-lo. Odiava exposição, ainda mais de penacho", diz Mariana.

Reservado, mas de opiniões fortes. Não aceitava, por exemplo, que suas filhas fossem mulheres frágeis, dependentes de um "bom" casamento. Exigiu, de todas, que frequentassem a universidade, lutassem pelo próprio sustento e, da mesma maneira, fossem impecáveis amazonas. As garotas aprenderam a andar e cavalgar simultaneamente.

Apaixonado por cavalos, Gertum costumava montar e sair por aí, na companhia exclusiva dos próprios pensamentos, para regressar ao fim do dia, revigorado. Mariana identifica, no comportamento do avô, traços da própria personalidade.

Ela adora, por exemplo, viajar sozinha. Costuma dividir as férias em três partes — uma para a família no Brasil, outra para o marido e a uma para si. "Gosto de ficar quieta e observar tudo no tempo que eu quiser", afirma.

José Carlos de Araújo Gertum morreu em 1967. Mariana nasceu em 1971. Infelizmente, os dois não se conheceram. A falta de convivência, no entanto, foi recompensada pelo esforço da mãe em manter viva a memória do avô — e cultivar, na caçula, algumas de suas melhores qualidades.

"Ele era um cara alheio ao que se passava socialmente. Criou as filhas com a convicção de que não há limites para o que uma mulher pode fazer. Tinha suas próprias opiniões e fim de papo", afirma Mariana, uma mulher sem limites - e cheia de convicções. Fim de papo.

Perrengues no Oriente

Como são suas estadias no Japão?
Começo com uma longa pesquisa, antes da viagem, que leva entre três e quatro meses. Investigo onde está o Japão antigo. Chegando lá, faço peregrinações. Uma vez fiz o Kumano Kodo, que é uma peregrinação dos antigos monges numa cadeia de montanhas. Hospedei-me nos mosteiros. Depois fiz outro percurso entre Kioto, a antiga capital imperial, e Tóquio, a capital política, de fato. A família imperial ficava em Kioto e precisava ir o tempo todo para Tóquio. O comércio fazia-se nesse percurso e a Unesco preservou partes do caminho exatamente como eram séculos atrás.

Você fez o percurso a pé?
Sim, durante vários dias, com mapa e mochila. Apesar de haver poucas coisas escritas em inglês, viajar pelo Japão é muito fácil, porque tudo funciona. Eu ficava hospedada em lugares antigos. Chegava, já tinha meu quartinho, a caminha no chão, a comida. Como vou muito ao Japão, e leio muito sobre o país, sei como me comportar. Essa é a parte da viagem que faço sozinha. Depois, passo uma semana em Tóquio, com uma amiga que mora lá.

Quem viaja tanto certamente já enfrentou bons perrengues. Você lembra de algum em especial?
Já aconteceram vários, embora não seja o que mais guardo das viagens. Mas, certa vez, em Takayama, no Japão, fiquei em um ryokan -- uma pensão japonesa bem tradicional -- na beira de um rio. Meu quarto tinha uma varanda, descia uma rampa e aí era o riozão. Achei aquilo lindo. Saí para comer, voltei de noite, escuro, frio, liguei a televisão no quarto. Lá pelas tantas vi no telejornal que estava chegando um furacão em Takayama. Mostrava o mapa, Takayama em vermelho, e eu via as imagens das pessoas se mudando, de barricadas. Chamei a dona do ryokan, apontei para a TV, "ali, ó?" "Medo, furacão".

Em que língua?
Um pouco de japonês, mas a comunicação mesmo era por mímica. Ela me entregou uma lanterna, um capacete e uma bota. Disse que, se o furacão chegasse, ia até lá me acordar para irmos para o abrigo.

Que medo! E deu pra dormir?
Bom, eu deixei a mochila pronta, guardei os documentos numa pochete, deitei-me toda vestida. Mas pensava: "E se ela não vier me buscar?". A luz do ryokan iluminava o rio, avistei uma pedra. Mentalmente, marquei onde a água batia. Botei o despertador para tocar a cada 15 minutos. Eu despertava, olhava a pedra, via se o rio tinha subido e voltava a cochilar. Se o rio desse uma subidona eu ia embora! Chegou uma hora em que, com tanto sono, não sabia mais onde havia feito a marca na pedra. Mas deu tudo certo, o furacão não chegou.

Que sufoco.
E teve um outro, na China. Fui para lá cobrir o Grande Prêmio, mas cheguei um pouco antes da equipe, porque ia fazer uma matéria e queria explorar o lugar. No segundo dia, o meu cartão bloqueou, dizia que eu estava colocando a senha errada. Liguei para o banco, "sinto muito, senhora, só vindo buscar um cartão novo". Eu dizia para a moça, " estou em Xangai, não posso ir aí", mas não teve jeito. Só tinha aquele cartão de crédito e nenhum tostão no bolso. Faltavam cinco dias para a equipe chegar.

E como você se saiu dessa?
Consegui um dinheiro emprestado com a motorista que havia contratado em Xangai, economizava, comia um pouquinho, mas a grana só deu para dois dias. Passei os últimos três à base de chá verde e ameixas, que era o que havia de graça no hotel. Fiz um detox!

Família aventureira

Mariana Becker é de uma família de viajantes. Seu pai, o médico José Alberto Becker, sempre gostou de explorar novos destinos. Para suas aventuras, fazia questão de carregar os filhos — um garoto, Fernando, e quatro meninas, Bettina, Lisa, Clarissa e a caçula, Mariana. Percorria a Patagônia, cruzava o Brasil do sul ao nordeste, embrenhava-se no matagal com uma lanterna na mão.

E eram aventuras mesmo. Aos nove anos, Mariana já sabia montar as próprias barracas dos acampamentos que fazia com a família nas matas gaúchas. No rigoroso inverno do Rio Grande do Sul, tomava banho em lagos cujas águas quase congelavam — para, na sequência, aconchegar-se no quentinho da barraca, ao lado do pai, que preparava jantares dignos dos melhores restaurantes (a mãe, a professora de inglês Roseli Becker, preferia dormir no hotel).

Ali não tinha essa história de acampamento com sanduíche de queijo ou embalagens estufadas de salgadinhos. O menu das barracas oferecia opções sofisticadas como "escalopes de javali" — nome pomposamente criado pelo doutor Becker para conferir estilo a uma de suas experiências gastronômicas.

Claro, imprevistos também aconteciam. Certa noite, ao voltarem para o acampamento, os viajantes descobriram que o lombinho guardado para o jantar havia sido surrupiado. Como os cachorros do mato costumavam rondar as barracas atraídos pelo cheiro da carne fresca, concluiu-se que o ladrão era um deles. Além de roubar o principal ingrediente da "cozinha", o meliante ainda revirou todo o ambiente e, não satisfeito, abriu uma lata de manteiga Aviação e lambeu parte do seu conteúdo.

Como alguns ovos haviam sobrevivido à sanha do cão fora da lei, o doutor Becker teve uma ideia para compensar o sumiço do lombinho. "Quem quer ovos fritos na manteiga lambida?". Claro, Mariana foi a primeira a levantar a mão. "Comi e adorei. Depois voltei para a escola contando mil histórias. Mas até hoje não sei se ele usou mesmo aquela manteiga", afirma, aos risos.

Poliglota em gafes

Recentemente, você foi elogiada nas redes sociais por conduzir entrevistas em francês, inglês e espanhol. Sempre teve facilidade para línguas?
Tenho um ouvido bom. Minha mãe é professora de inglês, tenho duas irmãs tradutoras e intérpretes, meu pai também tem bom ouvido. Mas não falo sem erros, não tenho um francês castiço, um italiano impecável. Às vezes erro os tempos verbais. Posso conduzir entrevistas em italiano, francês, espanhol, inglês e, claro, português.

Já sei um pouco de japonês, não passo fome, e conheço todas aquelas menções de agradecimento. O japonês é muito cerimonial e faz parte da boa educação ser assim. Eles não esperam que eu seja, mas faço questão de ser, por uma questão de gentileza. Mas eles desculpam tudo dos estrangeiros, porque a gente não sabe, comete mil gafes. Eu já cometi várias.

Ah, agora você vai ter que contar.
Em Suzuka, os moradores são muito apaixonados por Fórmula 1. Qualquer pessoa que trabalhe com Fórmula 1 é tratada de maneira especial. Eu estava numa mesa com a equipe toda, inclusive um nipo-brasileiro, nosso produtor local. Tínhamos acabado de comer e chegou uma rodada de cervejas. O garçom disse que era uma oferta da mesa ao lado. Era uma família, pai, mãe e dois filhos. Falei "arigatô" -- obrigada, em japonês --, servimos a bebida, virei de novo para a mesa, levantei a cerveja e disse "tim-tim". Tim-tim quer dizer peru, em japonês.

Peru, o bicho?
Não! Eu virei para a mesa e disse "pênis, pênis!". O produtor nipo-brasileiro ficou aflito, "não, Mariana, não", mas já era tarde.

E como a família reagiu?
Ficou toda meio sem graça, eu tentei dizer "não, não foi isso o que quis dizer", mas não havia o que fazer. Por que, em meio a todas as palavras do mundo, eu escolhi "pênis"? E como explicar que tim-tim no Brasil é saúde, e não pênis? E dizer isso em japonês? Eu já estava nervosa, suando, deixei pra lá.

Onde consigo uma "prostituta"?

E quais as outras gafes em viagem?
Certa vez, na Argentina, fui acompanhar uma corrida em Rosário e tive que fazer uma matéria sobre barulho de carro. No meio da matéria, eu perguntava para as pessoas se usavam protetores auriculares -- se traziam de casa, se compravam lá, se o uso incomodava. Só que você deve dizer tapones, e eu dizia tampones. Absorvente íntimo. Eu chegava para os argentinos, eles com aquela cara circunspecta. "Te gusta utilizar los tampones?". Eu perguntava "Você traz OB de casa?", ou "Você compra o seu Tampax aqui?".

Que situação....
E eu saí feito uma metralhadora, perguntando isso pra todo mundo. E eu notava que alguns passavam uns segundos em silêncio. Até que um amigo argentino ouviu e me chamou: "Mariana, deixa eu te ajudar com uma coisa. Não é tampone, é tapone". Quase morri de vergonha. Nessa mesma viagem, cometi outra gafe terrível.

Mais uma?
Sim. Meu chefe tinha me pedido uma camisa de time de futebol. Aí cheguei no meio de um monte de jornalistas e falei, alto: "E aí, galera?". A brasileira gente boa, divertida, né? "Onde é que eu consigo uma camisa? Meu chefe disse que as daqui são as melhores!". Aquele argentino que me alertou sobre os tampones cuspiu-se todo. "Mariana, não é possível".

Mas o que aconteceu?
Camisa, em espanhol, é remera. Mas eu falei ramera, que significa "prostituta". Então eu disse: "Onde consigo umas prostitutas aqui? Meu chefe disse que as argentinas são as melhores!". E espanhol é uma língua que sei, aprendi cedo, não tem justificativa!

Isso, em tese, deveria ser uma garantia contra as gafes, não?
Mas também já cometi gafes em inglês, outra língua que domino. Eu estava em um hotel na Inglaterra, apressada para sair, tinha tomado um banho e não encontrava o secador de cabelos. Liguei para a portaria. Secador de cabelo é hair dryer ou blow dryer. E a vida inteira falei para mim mesma: "Mariana, não confunda blow dryer com blowjob", o vulgo boquete. O que eu fiz?

Já posso imaginar.
Liguei para a portaria, me vestindo, botando os óculos. "Can you send me a blowjob, please? (por favor, você pode me mandar um sexo oral?)". Se os argentinos são circunspectos, imagina o inglês. Do outro lado, um silêncio sepulcral. Foi o tempo de eu respirar para perceber o que havia feito. Pedi desculpas, comecei de novo, e aí me mandaram o secador de cabelos. Mas toda vez que passava na recepção do hotel imaginava que diziam "olha lá a louca do 302, que liga aqui pra baixo pedindo coisas". Pênis, prostituta, boquete. Ou seja, basicamente, sou a tarada do exterior.

E sua família, como lida com essas gafes?
Meu marido morre de vergonha [risos]. Mas é isso. Viver comigo é uma eterna aventura.

O que não falta na mala da Mariana

Sachê de lavanda

"Como viajo demais, gosto de deixar o quarto do hotel ou da casa alugada com o jeito da minha toca. Levo um sachê de lavanda, que deixo na cama -- isso me livra de travesseiros com cheiro de mofo, por exemplo"

Brinquedo (de criança)

"Também costumo levar o Flico, uma pelúcia de brinquedo, que fica me esperando no quarto. É tudo para deixar o ambiente o mais acolhedor possível, já que eventualmente não sei o que vou enfrentar"

Livro

"Se é viagem a trabalho, levo alguma coisa leve, para ler antes de dormir. Quando é uma imersão, prefiro romances históricos e biografias que me ajudem a entender melhor aquele lugar"

Amuletos

"Não abro mão de uma proteção religiosa, independente da religião -- pode ser uma cruz ortodoxa, uma santinha, uma iansã, um buda. Como tenho medo de avião, sempre dou uma seguradinha em um desses protetores"

A pandemia e a Fórmula 1

Para alguém que viaja tanto a trabalho, a necessidade de permanecer em casa, por causa da pandemia do coronavírus, de alguma maneira representou um alívio? Um sentimento do tipo "finalmente terei tempo para arrumar as gavetas?".
Na verdade, eu já vinha das férias, estava na hora de recomeçar a efervescência das viagens de Fórmula 1. Mas sabe aquele sentimento de quando você descobre que não precisa ir à aula? Ou de que tem mais dois dias de viagem? Claro que, no início, deu isso, junto a uma sensação esquisita -- que, acho, deu para todo mundo -- de um adeus à culpa por não estar fazendo nada. Em vez disso, foi happy hour todo dia, cozinhar loucamente, como se não houvesse amanhã, em termos de calorias. Foi uma sensação de "já que estamos no inferno, vamos abraçar o diabo". Mas não tive essa vontade de organizar minhas coisinhas, não.

Interessante você ter se libertado da culpa, porque muita gente, ao contrário, sentiu uma culpa imensa por não estar trabalhando do jeito convencional.
Ah, mas isso foi no início. Imagina, eu trabalho com eventos esportivos. Não sabia se ia ter algum evento esportivo no mundo de novo.

Bateu uma insegurança?
Total. Mas eu me refugiava. Fomos para a Suíça porque lá tem mais alternativas de hospital. Aqui, em Mônaco, só tem um. Se ficássemos doentes, não sei se conseguiríamos atendimento. Então eu subia as montanhas caminhando, ficava lá com as vacas leiteiras, comprava queijo quase todos os dias. Aproveitei para explorar a região com uma certa calma. Permanecemos lá até recomeçar a Fórmula 1.

As corridas da Fórmula 1 foram uma espécie de tubo de ensaio para o que ocorrerá no mundo dos eventos na era do coronavírus. Como você se sente fazendo parte dessa experiência?
A Fórmula 1, sem dúvidas, é um tubo de ensaio para os eventos em geral, porque congrega gente do mundo todo. E essa gente viaja por diversos países. Por isso, há um protocolo bem rígido -- e que pode ser chato, em alguns momentos, mas é o que temos. É isso ou não faço o meu trabalho. Há muitas regras, e uma delas determina que só posso conviver com a minha bolha, que são as pessoas do grupo com quem trabalho: dois produtores e um cinegrafista.

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