Eu só quero chocolate

No Pará, terra do açaí, a produção de cacau amazônico ganha destaque e ameaça roubar a cena

Pedro Fonseca de Nossa Carlos Borges

O cacaueiro, planta milenar originária da Amazônia, é fonte da matéria-prima de um produto amado nos quatro cantos do mundo: o chocolate. Da semente à barra, as formas de cultivo e de se trabalhar com o cacau vêm transformando-se no Brasil.

Quando se fala em produtividade, é no Pará que os dados apontam forte crescimento. Segundo o IBGE, a participação no cenário nacional passou de 18%, em 2005, para 53% em 2018, quando o estado produziu mais de 116 mil toneladas do fruto em menos da metade do território que a Bahia, por exemplo, que manufaturou no mesmo período pouco mais de 122 mil toneladas.

O crescente protagonismo nacional foi comprovado na última edição do Chocolat Festival, realizada em 2019, em Belém. O evento reuniu profissionais do agronegócio, economia, moda, turismo e gastronomia com o objetivo de trocar experiências sobre a consciência ambiental e a valorização da biodiversidade amazônica, além de associar o consumo do cacau produzido no estado com hábitos saudáveis.

O que torna o cacau paraense especial?

Ele não foi trazido de nenhum outro lugar, ele estava aqui. Ele nasce na Cordilheira dos Andes e é disseminado pelo Rio Amazonas. Está em seu habitat natural, que traz possibilidades infinitas de cultivo e variedades".

Fábio Sicilia, criador da marca de chocolates Gauden

O cacau paraense pode ser considerado um dos melhores do mundo. Os especialitas garantem: a manteiga de cacau feita aqui no Pará não existe igual. Não à toa, as pessoas estão começando a vir até a Amazônia para explorar o potencial do fruto"

Alexandre Távora, dono da empresa Amazônia Cacau

Carlos Borges Carlos Borges
Carlos Borges

A filha do Combu

Um local que vem ganhando fama entre os especialistas em gastronomia no Brasil é a Ilha do Combu, que fica pertinho de Belém e tem como referência Izete Costa, mais conhecida como Dona Nena. Ela comanda uma produção de chocolate e cacau amazônico 100% orgânico desde 2006, mas sua história com o fruto começou bem antes. No Combu, moradores vivem nos rios que cortam a ilha e, em meio à mata, vivem árvores de cacau, cupuaçu e pupunha.

No início do século 20, os pais de Dona Nena cultivavam cacau de uma forma mais rústica: torravam, descascavam a semente e "batiam" no pilão com açúcar. Em 2002, ela começou a fazer artesanato com a iguaria e, em 2006, teve a ideia de resgatar a tradicional receita do Combu.

Uma das pessoas que ajudou a impulsionar os negócios de Izete foi o chef paraense Thiago Castanho, dos restaurantes Remanso do Peixe e do Bosque, em Belém, que, em 2011, começou a usar o chocolate da empresária em suas receitas. O chef Felipe Castanho, irmão e sócio de Thiago, também se transformou em fã e defensor do cacau local:

A Amazônia, principalmente o Pará, nunca foi conhecida pelo cacau. Foi agora que os pequenos produtores conseguiram visualizar esse potencial. Como cozinheiro, podemos agregar valor ao prato, respeitando a sustentabilidade"

A influência dos irmãos fez com que o chef paulistano Alex Atala importasse para o sudeste os produtos para serem usados em um menu degustação de seu renomado restaurante, o D.O.M. O que ele não esperava é que uma de suas invenções, a mandioquinha glacê, que leva chocolate da ilha do Combu e chantili de mel de abelha indígena, faria tanto sucesso, tornando-se um dos pratos que definem Atala.

Com a visibilidade no cenário nacional, Dona Nena conseguiu resgatar a cultura e tradições ribeirinhas da região e proporcionar uma qualidade de vida melhor para toda a comunidade. Ela produz, dependendo da safra, até 300 quilos de chocolate por mês.

O chocolate é sustentabilidade, é minha vida. Ele significa uma independência financeira como mulher, como pessoa e produtora. No nosso caso, o ambiente nos torna únicos. Temos uma área de várzea abençoada, banhada todos os anos pelas luas cheias e a diversidade da flora. Esse é o grande segredo"

Carlos Borges Carlos Borges

O que torna o cacau paraense especial?

A única forma de proteger a floresta é dando respaldo às pessoas que vivem nela, como índios e ribeirinhos. Essa simplicidade também traz sofisticação ao produto nos olhos de quem vem de fora".

De Mendes, chocolatier renomado do Pará

A amêndoa do cacau no Pará não se resume ao chocolate, pelo contrário, ela tem diferentes fins, como fazer manteiga e cosméticos, o que aumenta o leque de possibilidades para criar produtos.

Davi Oliveira de Souza, produtor da Cooperativa de Produtos Orgânicos da Amazônia (Copoam)

Instagram/remansodobosque

O cacau do Pará na alta gastronomia

Um dos primeiros restaurantes a usar os produtos de Dona Nena foi o Remanso do Bosque, comandado pelos irmãos Thiago e Felipe Castanho.

Eles testaram diferentes receitas com o produto: "Fizemos várias experiências, como molho de carne, farofa, mousse, taco", explica Felipe.

Para o chef, é de extrema importância valorizar esses ingredientes da região, que representam a cultura brasileira: "Assim como o café e a uva, que precisam de condições específicas de cultivo, a Amazônia têm um clima especial. Se você prova o cacau daqui percebe que ele é diferente de qualquer outro. A própria embalagem é feita com a folha da planta. Tudo isso agrega valor ao produto final", diz o chef.

Esse resgate e introdução do produto paraense à alta gastronomia tem a ver com o grande número de frutas e frutos que representam a real origem do Brasil: "Quando se fala em Amazônia, pensamos em diversidade, mas, ao mesmo tempo que ela tem muita coisa, todos os produtos são sazonais. Tem a época do açaí, do chocolate, taperebá, cupuaçu, bacuri. Então, quando existe um produto bem feito, bem tratado e que cai na mão de boas pessoas, só mostra o potencial da gastronomia local", completa Felipe.

Ricardo Silva/Divulgação

O carro-chefe das sobremesas no Remanso do Bosque é a mousse de chocolate inspirada na ilha do Combu, servida em um pote de barro que representa a "jardinagem", uma "pá" como colher e a sobremesa que se assemelha à "terra". A receita leva nibs de semente de cacau da ilha do Combu, doce de cupuaçu e crumble de chocolate.

Deu vontade de chocolate?

@naminhapanela

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