SE MEU FUSCA (E CÃO) FALASSE

A história do brasileiro que está indo até o Alasca com seu golden retriever a bordo de um fusquinha 1978

Claudia Dias Colaboração para Nossa Divulgação

Influência dos "mochileiros"

Natural de Curitiba, Jesse trabalhou como vendedor em loja de roupas no badalado balneário catarinense até final de 2017. "Queria fazer algo novo e diferente, que eu lembrasse alguns anos à frente e me fizesse feliz", argumenta.

A inspiração para a viagem surgiu no Facebook, mais especificamente no grupo Mochileiros. "Encontrei vários relatos de pessoas que viajavam o mundo, sem muito dinheiro - o que, para mim, era impossível acontecer", lembra.

Três meses depois de deixar o emprego, decidiu que também seria o protagonista de uma aventura do gênero. Colocou tudo o que tinha à venda - entenda-se aí moto e alguns eletrônicos - e comprou barraca, caixa térmica, cadeira e mais alguns itens que poderia precisar pelo caminho. Tinha em mãos R$ 10 mil para começar a façanha.

A ideia era descer para Argentina, até o lugar chamado "fim do mundo". "Queria viajar, conhecendo os países, até o dinheiro acabar. E quando acabasse, trabalharia onde precisasse para seguir viajando", relata.

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Todos a bordo

A jornada começou, oficialmente, em 6 de maio de 2017. Na primeira noite, já rolou a primeira experiência com cara de perrengue: ele e Shurastey dormiram dentro do fusca, em um posto de gasolina de Florianópolis - prática que se repetiu muitas vezes pelo caminho.

Em 15 de junho de 2017 chegaram ao Ushuaia, depois de 7.000 quilômetros rodados e vivências inéditas até então. "Foi a emoção mais forte até hoje. Eu não tinha feito nada de tão extraordinário na minha vida e ter chegado e vencido todas as dificuldades, principalmente dos últimos 220 quilômetros embaixo de neve e com gelo na pista, foi incrível. Desci do carro, dei um berro tão alto e forte para aliviar toda tensão, que policiais vieram perguntar o que estava acontecendo. Respondi que estava feliz e eles foram embora dando risada", descreve Jesse.

Alasca entra no roteiro

Jesse permaneceu em Ushuaia em torno de 20 dias, hospedado na casa de Javier, um argentino que costuma ser anfitrião de aventureiros. Foi ele quem mostrou ao brasileiro o projeto de outro rapaz que havia chegado no Alasca de kombi. "Nesse momento, decidi que iria também, só não tinha noção de como fazer o roteiro e arrecadar dinheiro para viabilizar isso", comenta.

A grana, inclusive, estava minguando, ao mesmo tempo em que o carro pedia ajustes no motor. De volta ao Brasil, com R$ 300 na carteira, Jesse decidiu aproveitar que já reunia mais de 35 mil seguidores na conta do instagram @shurastey para fazer dinheiro.

"As pessoas queriam me encontrar pelas cidades que eu passava. Comecei a fazer encontros nas capitais, onde também vendia adesivos, bonés, canecas, almofada a quem quisesse ajudar o projeto", comenta. Do Rio Grande do Sul até o Pará, passando pelas Minas Gerais, Jesse, Shurastey e Dodongo percorreram outros 25.000 quilômetros em 11 meses.

Além da venda de itens estampados com o cão-propaganda, hoje Jesse se mantém com os ganhos de publicidade que faz nas redes sociais (atualmente, tem mais de 210 mil seguidores no IG), venda de vídeos virais e fotos, apoio dos seguidores e trabalhos com drones.

Seu rendimento não é muito superior ao gasto médio mensal, estimado em R$ 2.000. Desse total, entre 60% e 70% é consumido em combustível.

Dois anos e meio de estrada

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1ª fase: ao fim do mundo

Jesse, Shurastey e Dodongo saíram de Santa Catarina, sentido sul. Passaram pelo Rio Grande do Sul antes de entrar no Uruguai, seguido por Argentina e, por fim, Ushuaia. Voltaram pela Argentina, depois Paraguai, entraram no Brasil por Foz de Iguaçú e fecharam o roteiro em Curitiba, depois de, aproximadamente, 15.000 quilômetros rodados.

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2ª fase: o Brasil de cabo a rabo

Em novembro de 2017, Jesse e Shurastey deixaram a capital paranaense rumo ao Rio Grande do Sul, onde permaneceram até fevereiro de 2018. De lá, subiram toda a costa brasileira até Belém, no Pará, tendo passado também por Minas Gerais. Foram quase 11 meses e em torno de 25.000 quilômetros de estrada.

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3ª fase: aventura latinoamericana

Saindo de Belém, em janeiro de 2019, com destino ao Maranhão, eles seguiram para Tocantins, Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso do Sul, até atravessar para Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador, Guatemala e México. Na última rota, foram mais de 20.000 quilômetros percorridos.

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Shurastey, o parceiro inseparável

Qualquer semelhança sonora do nome do golden retriever Shurastey com a música "Should I Stay or Should I Go?", da banda The Clash, não é mera coincidência. Aliás, o nome do projeto como um todo, "Shurastey or Shuraigow?", é uma brincadeira com o sucesso do grupo inglês.

Presente no dia a dia de Jesse desde 2016, Shurastey é superparceiro: adora entrar na água, seja em rios, cachoeiras ou praias. Também ama correr, rolar e até ter o corpo "enterrado" na areia. Às vezes, dorme na barraca com seu dono, mas geralmente fica fora do carro.

"Ele é muito companheiro: se vou fazer uma trilha, ele vai junto; se entro no mar, ele também vai. Quando acordo, está me esperando e está sempre ao meu lado", diz Jesse, que tem o seu parceiro tatuado no braço - ele também ostenta tattoos de Dodongo e do mapa-múndi.

O cachorro é peça-chave dessa aventura. "Acho que se estivesse sozinho, sem ele, já teria parado, porque a parte emocional pega muito - você não tem contato com outras pessoas, não conversa com ninguém e o Shurastey me dá esse suporte emocional", afirma.

Jesse praticamente não tem despesas com seu animal, hoje com 4 anos e 33 quilos. Isso porque uma fabricante de ração patrocina a alimentação do cão em todo o trajeto - os sacos de comida são retirados de tempos em tempos nos pontos de distribuição da empresa pelo mundo.

Acho que se estivesse sozinho, sem o Shurastey, já teria parado, porque a parte emocional pega muito. Você não tem contato com outras pessoas, não conversa com ninguém e ele me dá esse suporte emocional. Fora que me abre portas: quebra o gelo e o medo das pessoas virem conversar, trocar uma ideia e perguntar sobre a viagem"

Jesse Koz

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Dodongo, a casa-móvel

Do jogo com o qual Jesse se distraía na infância e na adolescência saiu o apelido do carro. Dodongo é um personagem quase indestrutível de "Legend of Zelda" e empresta seu nome ao veículo de 1300 cilindradas, ano 1978, adquirido no início de 2017, que já encarou desertos de areia e de sal, neve, rios, florestas e todo tipo de estrada de terra e asfalto.

"Quando o comprei, ainda não havia intenção de viajar. E parti com ele porque era o único carro que eu tinha na época", lembra o motorista. Tanto que Dodongo não apresentava a estrutura atual no início da viagem. A primeira intervenção foi a construção de um dos três baús atuais apenas em Punta Arenas, no Chile.

O carro também conta com reservatório de água potável, geladeira e reservatório de água e chuveiro para os banhos. Em cima dele, fica a barraca, onde Jesse dorme quando não há camas ou sofás disponíveis. A estrutura é montada e desmontada em menos 5 minutos.

Depois de dois anos e meio de estrada, Dodongo está sendo completamente reformado no México, na cidade de Pachuca de Soto, desde novembro - os custos estão sendo cobertos com o dinheiro arrecadado em uma grande rifa realizada entre os seguidores.

Os trabalhosestão previstos para terminar em abril. Enquanto isso, Jesse e Shurastey estão morando num espaço cedido pela oficina. "Dodongo vai ficar com cara nova, mais seguro e reforçado, para aguentar tudo o que vier pela frente. Sou um cara que não anda apenas em estradas asfaltadas, então tem que estar preparado para encarar pirambeiras e entrar em lugares que não era para entrar. Mas é ali que estão as melhores paisagens e experiências, que eu gosto de buscar", afirma.

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E depois do Alasca?

A expectativa de Jesse é chegar ao Alasca em setembro de 2020. A partir dali, não há roteiro definido: pode ser que a aventura continue pela Europa e pela África, mas também é possível que retornem ao Brasil.

"Serão mais de 4 anos de viagem, vivendo dentro de um fusca. Considerava retornar por não estar viajando com um carro totalmente seguro. Agora, com a reforma e o Dodongo ficando mais confortável e oferecendo mais segurança, talvez eu ganhe um ânimo para viajar mais um pouco, antes de voltar ao Brasil para escrever um livro, descansar e planejar a próxima aventura", diz.

É preciso estar com emocional muito bem preparado para encarar uma viagem dessas. Tem a saudade da família, dos amigos e até de ter uma casa e suas coisas que pega. Se você não é focado no seu objetivo, isso pode atrapalhar seu projeto"

Jesse Koz

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