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Reino Unido: brasileiros sofrem contratempos durante greve de transportes

O transporte público é um dos setores mais afetado pelas greves - Mbbirdy/Getty Images
O transporte público é um dos setores mais afetado pelas greves Imagem: Mbbirdy/Getty Images

Paloma Varón

da RFI

19/08/2022 16h29

"É a segunda vez que tive que cancelar [atendimento a] clientes por causa da greve, já que dependo do metrô para me locomover. Um prejuízo de quase 500 libras [R$ 3.060]. O jeito é ficar em casa e torcer para que resolvam logo esse problema", desabafa a guia turística brasileira Tina Wells sobre a paralisação quase total dos transportes em Londres nesta sexta-feira (19).

As greves de diversas categorias de trabalhadores para protestar contra a inflação elevada — a maior nos últimos 40 anos — no Reino Unido prosseguem nesta sexta-feira e paralisam quase todos os transportes públicos na capital britânica.

"Praticamente não há serviço no metrô de Londres, apenas duas linhas estão funcionando com capacidade reduzida, com um trem a cada 15 minutos aproximadamente", informa uma porta-voz da operadora de transporte público TfL.

O Reino Unido vive uma de suas maiores ondas de greves em décadas, e o movimento ganhou ainda mais dimensão a partir desta quinta-feira (18) com a adesão de um grande número de trabalhadores de setores como transportes, correios e portos.

Morador da capital inglesa há 33 anos, o brasileiro Nilson Furtado, que trabalha no setor de seguros na City de Londres — parte central da cidade, onde estão os grandes bancos e empresas do mercado financeiro —, afirmou que "a greve do metrô está impactando consideravelmente" seu trabalho.

"Não podemos mais organizar reuniões presenciais, já cancelamos uma mesma reunião duas vezes por causa da greve nas últimas semanas", ele conta, lembrando que o setor ferroviário também está fazendo paralisações.

"Greves de várias categorias são uma novidade na Inglaterra"

"Essas greves de várias categorias são uma novidade aqui na Inglaterra. Antigamente, as únicas categorias que realmente entravam em greve eram os metroviários e, às vezes, os ferroviários. No imaginário britânico, as pessoas sempre associaram greves massivas como estas que estamos vivenciando à França, onde os sindicatos são mais fortes".

"No entanto, agora, por causa da inflação, dos preços da eletricidade, da água, que estão subindo assustadoramente — porque aqui tudo foi privatizado —, os trabalhadores estão entrando em greve para conseguir aumentos de salários e outras demandas. Esta greve nos afeta profundamente, mas também temos de pensar nas demandas [salariais, ligadas à alta da inflação]", completa Furtado.

Os trabalhadores exigem aumentos salariais correspondentes à inflação, que derruba o poder aquisitivo e em julho alcançou 10,1% ao ano. O índice pode superar 13% ao ano em outubro, de acordo com as previsões do Banco da Inglaterra.

"A sensação é de que nunca vai acabar"

A tatuadora Katia Barria, moradora de Londres há oito anos, diz entender a demanda dos trabalhadores, mas lamenta o fato de não conseguir trabalhar durante a paralisação.

"Apesar de eu entender a necessidade de greve em alguns setores da sociedade, as repetidas vezes que as greves de transporte no Reino Unido têm acontecido se tornaram um transtorno enorme para mim, enquanto profissional autônoma", afirma.

"Sou tatuadora e meu estúdio fica do outro lado da cidade, portanto, quando tem greve, tenho cancelamentos por parte dos clientes ou eu mesma não consigo chegar. Ou seja, se não trabalho, não ganho. Um prejuízo grande para quem não tem salário fixo, principalmente com o aumento significativo do custo de vida que estamos enfrentando aqui em Londres", ela explica.

A sensação é que [a greve] não vai parar nunca e dá receio de fazer planos a longo prazo." Desabafa Katia.

A comunicadora Helô Riguetto também diz apoiar as greves por princípio. "Para mim, é um direito democrático. Esses trabalhadores são essenciais, e eles precisam mesmo mostrar que, sem eles, o país para. Porque as empresas para as quais eles trabalham têm um lucro bilionário e eles não têm um salário decente", argumenta.

Helena Cebrian, que trabalha no setor de moda, teve mais sorte e conseguiu ir trabalhar presencialmente no seu escritório, no centro de Londres. "Só consegui chegar porque moro perto e precisei percorrer apenas uma estação, mas, das 50 pessoas que deveriam estar aqui hoje, em presencial, só estamos três", conta.

Ela também apoia os grevistas: "O custo de vida aumentou demais e [as empresas] já aumentaram os custos das passagens, então os trabalhadores também precisam de aumento", defende.

Luiz Carlos Chagas trabalha no setor cultural da Embaixada do Brasil em Londres e hoje teve de trabalhar de casa. "Eu uso trem de superfície e hoje está tudo parado". "Felizmente meu trabalho me permite o home office, um processo que foi aperfeiçoado durante a pandemia".

Transtornos e viagens longas

Chagas afirma entender as demandas de aumentos salariais dos trabalhadores frente à inflação, "mas isso também causa um transtorno na vida de muitas pessoas que são obrigadas a passar horas em transportes alternativos porque têm de trabalhar presencialmente", completa.

Em pleno processo de eleição para primeiro-ministro, a candidata favorita, a conservadora Liz Truss, tem usado os transtornos causados pelas greves na vida das pessoas como mote para dizer que, se eleita, uma das primeiras coisas que pretende fazer é regulamentar as greves, para tentar acabar com esses movimentos.

"A população tem sido 'sequestrada' pelos militantes dos sindicatos. O que eles fazem é irresponsável", afirmou Truss em uma entrevista ao Daily Mail.

Chef vai ter que mudar de emprego

O chef de cozinha brasileiro Frederico Martins, que vive em Guilford e trabalha em Woking, depois de morar oito anos em Londres, disse que vai desistir do seu emprego, porque o restaurante onde trabalha só tem conexão de trem, o que o impede de realizar o deslocamento entre sua casa e o trabalho.

"Ontem meu parceiro conseguiu me trazer de carro, mas é muito mais demorado de carro do que de trem. Amanhã [sábado, 20] vai ser um dia complicado de novo, ele vai conseguir me trazer, mas eu termino tarde e depois não tem ônibus. Apesar de ter um bom cargo neste restaurante, onde sou o segundo chef, eu vou ter que procurar um trabalho mais perto de onde moro", relata.

"Os trens aqui já são muito inconstantes, com atrasos, cancelamentos e, agora, as greves. Quem mora em cidades mais afastadas de Londres, quem depende de trens para se locomover, é bastante afetado. Eu não dirijo aqui na Inglaterra, então sou completamente dependente de transportes públicos", conta.

Mais um dia de greve ferroviária está programado para este sábado. Os sindicatos afirmam que as negociações com os operadores privados do setor estão paralisadas depois que os trabalhadores rejeitaram a oferta de aumento salarial de 8% em dois anos por parte da Network Rail, a empresa ferroviária estatal.

Os sindicatos acusam a empresa de condicionar a proposta a demissões em larga escala. O ministro dos Transportes, Grant Shapps, acusa os sindicatos de bloquear a situação e rejeitar as reformas para modernizar o setor.