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Argentina se prepara para suspender o acesso ao dólar turismo e dificultar ida de turistas ao Brasil

Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, em Buenos Aires: conhecer o país pode também ficar mais caro para brasileiros - Ricardo Ceppi/Getty Images
Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, em Buenos Aires: conhecer o país pode também ficar mais caro para brasileiros Imagem: Ricardo Ceppi/Getty Images

Márcio Resende

Correspondente da RFI em Buenos Aires

07/07/2022 09h20

Devido à escassez de dólares no país, o governo argentino prepara medidas para priorizar o uso das reservas internacionais do Banco Central ao setor produtivo, impedindo a compra de serviços turísticos no exterior e o uso do cartão de crédito em viagens internacionais. A medida afetaria diretamente o Brasil, principal país a receber turistas argentinos. Quase 40% dos turistas estrangeiros no Brasil são argentinos.

A nova ministra da Economia da Argentina, Silvina Batakis, indicou que a suspensão do acesso ao dólar com finalidade de viagens ao exterior é uma medida que o governo poderia tomar para preservar esse "recurso escasso" que, prioritariamente, "tem de estar à disposição da produção".

"O direito a viajar (ao exterior) colide com a geração de postos de trabalho", argumentou a ministra quando perguntada se o governo vai proibir o acesso ao dólar turismo. "Tomaremos todas as medidas para que as reservas (do Banco Central) sejam destinadas à produção", priorizou Silvina Batakis, alegando que "o dólar é um recurso escasso"

Questionada se a medida não afetaria um direito dos argentinos, Batakis alegou que "todas as pessoas têm direito às férias", mas que o governo "tem de administrar as reservas para que o país cresça". "Precisamos convidar (os argentinos) a conhecerem mais o nosso país", sugeriu.

Brasil será o mais afetado

Por ano, o Brasil é o país que mais recebe argentinos. Em 2019, ano prévio à pandemia, foram quase dois milhões de turistas ao território brasileiro (1,9 milhão). Em 2018, o número tinha chegado a 2,5 milhões, responsáveis por 38% de todos os turistas estrangeiros que visitaram o Brasil.

Mesmo durante a pandemia, com severas restrições de voos e com a prolongada quarentena argentina, os índices de turistas argentinos no Brasil se mantiveram em 50% do fluxo habitual.

Bariloche, na Argentina, é uma meca para brasileiros que podem encontrar serviços mais caros - Divulgação Inprotur - Divulgação Inprotur
Bariloche, na Argentina, é uma meca para brasileiros que também podem encontrar serviços mais caros
Imagem: Divulgação Inprotur

Nesta semana, Sílvio Nascimento, presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), projetou que o Brasil espera recuperar o nível de turismo estrangeiro pré-pandemia em 2023. A medida argentina complicaria essa meta.

Sem acesso ao dólar turismo, os argentinos precisariam recorrer ao dólar paralelo, cuja cotação é bem superior, encarecendo a viagem.

O dólar paralelo na Argentina fechou nesta quarta-feira (6) em 255 pesos argentinos, 91% superior ao valor do dólar oficial (132,85 pesos). Para diminuir essa diferença, o governo aplica um imposto de 30% sobre o valor do dólar oficial e mais uma retenção de 35% que pode ser restituída na declaração de imposto de renda. A conta eleva o valor do dólar a 219,20 pesos.

Praia do Campeche, em Florianópolis: o litoral catarinense é um dos destinos favoritos de argentinos no Brasil e pode sentir o impacto da medida - iStock - iStock
Praia do Campeche, em Florianópolis: o litoral catarinense é um dos destinos favoritos de argentinos no Brasil e pode sentir o impacto da medida
Imagem: iStock

Os argentinos podem comprar até US$ 200 (R$ 1.078,50) por mês em dinheiro, enquanto a compra de bens e serviços no exterior não tem limites através do cartão de crédito. São esses acessos que o governo se prepara para proibir.

Economia em agonia

Há duas semanas, as restrições aos dólares do Banco Central chegaram para as empresas. Os importadores devem financiar as suas compras no exterior com dólares obtidos por conta própria, 110% mais caros do que a cotação oficial.

Como a produção nacional depende de componentes importados, a medida ameaça paralisar a fabricação local, provocar desabastecimentos e aumentar preços, alimentando a inflação anual projetada agora a 100% em 2022.

A nova ministra da Economia descartou uma desvalorização do dólar oficial. "Não vemos uma expectativa de desvalorização, a não ser a corrida cambial", minimizou Batakis.

A região de vinícolas de Mendoza, tão dependente das flutuações do dólar, pode ter seu turismo impactado - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
A região de vinícolas de Mendoza, tão dependente das flutuações do dólar, pode ter seu turismo impactado
Imagem: Getty Images/iStockphoto

No entanto, o mercado financeiro trabalha com um cenário de desvalorização da moeda argentina ou de uma nova moratória, desta vez com a dívida em pesos de curto prazo com os bancos locais. Sem acesso ao crédito internacional e sem diminuir o gasto público, o governo tem apelado à emissão monetária sem respaldo, alimentando a inflação galopante. Para esterilizar parte dessa emissão, o Banco Central emite dívida de curto prazo atrelada à inflação.

A bola de dívida e as poucas reservas do Banco Central levam o mercado financeiro a trabalhar com duas saídas: uma desvalorização do peso argentino de forma ordenada ou uma desvalorização descontrolada com moratória. É o que explica o risco-país da Argentina em 2.700 pontos-base, apenas atrás de Venezuela, Ucrânia e Rússia.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Uma versão anterior deste texto dizia que o dólar paralelo está 101% mais caro do que o oficial. O correto é 91%. A informação foi corrigida.