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Argentina fecha fronteiras terrestres para quem saiu do país após 25/12

Getty Images
Imagem: Getty Images

Márcio Resende

Correspondente em Buenos Aires

09/01/2021 10h23

A medida afeta brasileiros residentes na Argentina que saírem do país por terra e argentinos que viajarem de férias ao Brasil de carro ou ônibus, com retorno previsto antes de 31 de janeiro. Os turistas brasileiros continuarão sem poder entrar na Argentina, seja por via terrestre ou aérea. A decisão faz parte de um novo pacote de restrições que inclui recomendação de toque de recolher.

O brasileiro que reside na Argentina, mas que pretender viajar ao Brasil para visitar a família, por exemplo, não poderá retornar por terra. O mesmo vale para milhares de turistas argentinos que, a cada temporada, viajam de carro com a família para as praias de Santa Catarina.

Para esses casos, a única alternativa será de avião a Buenos Aires. Por via terrestre, só poderá regressar à Argentina quem saiu antes de 25 de dezembro.

Ainda assim, o turista brasileiro que tinha passagem aérea comprada para Buenos Aires com embarque em janeiro terá de cancelar a viagem, já que nenhum turista poderá entrar na Argentina até, pelo menos, 31 de janeiro. Mesmo os argentinos que retornarem via aérea deverão apresentar teste de PCR negativo e ficar em quarentena obrigatória por sete dias.

Toque de recolher

O pacote de novas regras para as fronteiras chegou depois do decreto que também recomenda novas restrições para os argentinos, internamente. O presidente Alberto Fernández transferiu aos governadores a responsabilidade de aplicarem toques de recolher, medida resistida por estar associada aos tempos sombrios da ditadura.

O toque de recolher, previsto pelo governo inicialmente entre as 23h e as 6h, era chamado pelo próprio presidente Alberto Fernández por "toque sanitário", um eufemismo para evitar a carga de uma medida própria do último regime militar, quando regia o estado de sítio. A Argentina teve uma das mais sangrentas ditaduras da região que, entre 1976 e 1983, provocou 30 mil mortos, número já superado pelas vítimas da covid-19.

O novo decreto refere-se a toques de recolher como "limitação à circulação no horário noturno" e acontece devido ao forte aumento de casos da doença. A decisão não foi anunciada pelo presidente, como foram todas as medidas anteriores reativas à pandemia, no último ano.

Custo político em jogo

Pela primeira vez desde o começo da pandemia, três importantes governadores (Distrito Federal, Córdoba e Mendoza) avisaram que não acatariam proibições do governo.

"O anúncio revela a falta de poder político do governo para controlar e implementar medidas de restrição. O presidente não quer pagar o custo político da medida negativa e transfere aos governadores essa responsabilidade", avalia o médico neurologista e analista político, Nelson Castro.

O decreto faculta a cada jurisdição do país a aplicar medidas de restrição noturna sem especificar como, mas estabelece dois parâmetros para que as autoridades provinciais restrinjam a circulação.

O primeiro cria uma comparação entre o número de casos confirmados acumulados durante os últimos 14 dias e o número de casos acumulados nos 14 dias prévios. Se a divisão entre os dois períodos der como resultado superior a 1,20, a autoridade local deve aplicar medidas. O segundo parâmetro é atingido quando o número de casos confirmados acumulados nos últimos 14 dias for superior a 150 por cada 100 mil habitantes.

"O governo nacional define parâmetros e aciona os alertas. Quem deve tomar decisões e adaptar as normas são os governadores", anunciou o chefe do gabinete de ministros, Santiago Cafiero, durante coletiva na Casa Rosada, Palácio do Governo.

"Os governadores, quando estiverem perante um risco epidemiológico, devem tomar medidas de restrição de circulação e atividade, adaptadas à sua realidade, aos seus costumes e aos seus horários", delegou Cafiero.

Festas clandestinas, Maradona e aborto

O decreto aponta especificamente para as "reuniões noturnas" e que "essa situação pode se agravar com o consumo de álcool porque relaxa o cumprimento das recomendações de prevenção".

"As atividades noturnas são o foco mais comum de infecção", apontou a secretária da Saúde, Carla Vizzotti, presente no anúncio. Para o governo, o alvo são as festas clandestinas de jovens, sobretudo durante a temporada de verão que começou oficialmente com a virada do ano.

Para a oposição e muitos analistas políticos, o aumento de casos teve o seu ponto de inflexão no velório do ex-jogador Diego Maradona, quando, em 26 de novembro, milhares de pessoas aglomeraram-se sem nenhum distanciamento, nem proteção.

O mesmo aconteceu nos dias 9, 10, 28 e 29 de dezembro, quando o Congresso tratou da legalização do aborto, uma iniciativa do governo que levou milhares de pessoas às ruas.

"A perda de poder político do governo para aplicar medidas de restrição deve-se ao cansaço social depois de uma extensa quarentena e à ausência de exemplos de prevenção vistos durante o velório de Maradona e durante as manifestações pelo aborto", aponta Nelson Castro.

"Se quisermos, entre todos, que a temporada turística de verão continue, precisamos aumentar agora as precauções", advertiu o ministro do Turismo Matías Lammens.

"Estamos num ponto de inflexão. Se quisermos que a temporada turística continue e que as aulas voltem em março, precisamos cuidar-nos hoje. Os casos estão aumentando", reforçou o chefe de gabinete, Santiago Cafiero.

A Argentina tem 44.273 mortes em 1,703 milhão de casos. Os contágios diários superam os 13 mil, cifra que não se registrava desde outubro.