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Vai um grilo no happy hour? Menos poluentes que carnes, insetos comestíveis ganham mercado na França

Tudo é uma questão de o inseto estar bem temperado, assegura a fabricante Jimini's, da região parisiense Imagem: Jimini's

29/10/2020 11h34

Até onde você iria para ajudar a diminuir o aquecimento global? Uma vez por semana, estaria disposto a trocar uma refeição com carne por um prato de insetos bem temperados? Essa é a aposta de produtores de insetos comestíveis, um setor em plena ascensão na França. O país se posiciona como líder europeu neste mercado inusitado, mas apontado como uma das soluções do futuro para reduzir as emissões de gases de efeito estufa da produção de carnes e a penúria de alimentos ricos em proteína nos países pobres.

Formigas, gafanhotos, lagartas, grilos. A lista de insetos que podem ser consumidos pelo homem é imensa - são mais de 1.900 opções, segundo a FAO, o Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. A entidade indica que eles têm um alto potencial para enfrentar os desafios da redução dos recursos naturais e o aumento da população mundial, nas próximas décadas.

O diretor do Instituto de Pesquisas sobre a Biologia dos Insetos da universidade francesa de Tours, David Giron, assegura: os invertebrados são ricos em proteínas, vitaminas e minerais. Eles podem ser consumidos diretamente ou na forma de farinha, integradas a massas, bolos ou outras receitas.

"Em alguns países em desenvolvimento, pode ser um complemento alimentar interessante. Atualmente, o consumo se concentra em um número muito reduzido de espécies, por questões culturais, mas existem centenas de outras que poderiam ser consumidas", afirma o pesquisador.

Impacto no desmatamento

A segunda grande vantagem do desenvolvimento desse setor é ambiental. A FAO indica que, enquanto a produção de 1 quilo de porco necessita em média 5 quilos de alimento para um animal (chegando a até 8 quilos para um boi), no caso dos insetos, a quantidade cai para menos da metade, 2 quilos. Além disso, a área que mais cresce nesse setor é a de farinhas para a alimentação de animais, em substituição às rações à base de soja - fonte de desmatamento em países como o Brasil.

Este ano, duas empresas francesas se lançaram em projetos ambiciosos para responder à demanda mundial por farinhas à base de insetos. A Ynsect acaba de juntar US$ 372 milhões em investimentos para construir a maior fábrica do mundo de alimentos do gênero, capaz de de produzir 100 mil toneladas ao ano, em 2022. Já a InnovaFeed inaugurou em outubro a maior linha de produção europeia, com 15 mil toneladas.

"É um recurso que, do ponto de vista ambiental, gera bem menos emissões de gases de efeito estufa, ao consumir menos água e menos espaço para a produção. No entanto, não podemos esperar que seja uma solução milagrosa. Nada gera zero carbono", frisa Giron. "Uma parte da produção pode ser baseada na reciclagem de dejetos orgânicos para alimentar os insetos, num ciclo virtuoso. Mas algumas empresas utilizam produções específicas para alimentá-los. Ou seja, não adianta resolver o problema, por um lado, mas criar outros, do outro."

No Ocidente, tudo é uma questão de tempero

Para completar, num cenário que hoje ainda parece distante, se a humanidade passasse a integrar uma porção de insetos na alimentação, a demanda mundial de carne diminuiria - e, consequentemente, o desmatamento também tenderia a cair. A pecuária é a principal razão para a devastação da floresta Amazônica, por exemplo.

A maior barreira para o avanço nesse sentido é cultural. No mundo ocidental, os insetos são associados a repulsa, nojo e sujeira. Uma pesquisa da universidade belga de Anvers mostrou que a simples ideia de sentir um movimento na boca em meio a degustação ou ouvir o "crac" do corpo deles na mordida já causa rejeição à maioria dos ocidentais.

É por isso que, no cardápio da fabricante francesa Jimini's, figuram produtos nos quais o inseto é invisível, como massas, granola, barrinhas de proteína. Mas a marca, que se posiciona como líder europeia de insetos comestíveis, oferece também "salgadinhos" de grilos e gafanhotos, aos sabores de queijo comté e barbecue, ou lagarta ao caramelo.

"Vamos combinar: é algo que não fazemos naturalmente, e o nosso papel é ajudar as pessoas a se lançarem nessa descoberta. Estamos convencidos de que é uma coisa que vai se tornar cada vez mais normal", indica o cofundador Bastien Rabastens. "Não digo que será inevitável, mas é uma possibilidade real de que venhamos a consumir insetos. Está deixando de ser uma coisa estranha e engraçada: está virando uma alternativa viável às outras opções de proteína."

Os produtos da Jimini's podem ser comprados pela internet ou encontrados em lojas finas de Paris. A marca abriu as portas em 2012 e não se considera uma militante ecologista: avalia que os insetos podem abrir o leque alimentar dos consumidores e representar uma alternativa, em um contexto em que os questionamentos quanto ao consumo de carne são crescentes.

"Assistindo um programa na TV, o meu sócio e eu vimos as pessoas comendo insetos na Tailândia e ficamos intrigados por que não consumíamos aqui. Nós nos informamos e descobrimos que poderíamos iniciar um mercado totalmente novo aqui", relembra. "Entre os nossos clientes, temos os que se preocupam, acima de tudo, com a questão ambiental. São pessoas com mais de 30 anos, mães de família, que prestam atenção no que consomem. E temos também os clientes que estão em busca de uma sensação, o lado surpreendente do inseto."

Por enquanto, a União Europeia regulamenta apenas a comercialização de insetos para alimentação de animais dentro do bloco. O consumo humano é permitido, mas ainda não foi enquadrado.

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