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"Foi tudo por água abaixo": brasileiros contam como restrição de entrada na Europa parou suas vidas

A master coach e orientadora educacional Marisa Lobato e o noivo Horst estão há seis meses sem se ver - Arquivo Pessoal
A master coach e orientadora educacional Marisa Lobato e o noivo Horst estão há seis meses sem se ver Imagem: Arquivo Pessoal

Da RFI

08/07/2020 15h34

Por motivos familiares ou amorosos, eles se prepararam durante meses para ir à Europa, mas estão impedidos pelas restrições sanitárias devido à crise do coronavírus. A RFI conversou com alguns cidadãos que foram obrigados a colocar a vida em pausa até que as autoridades europeias revisem as regras em relação ao Brasil.

"A gente está tentando digerir essa sensação de indefinição, frustração e preocupação sobre como será feita a remarcação das nossas passagens." A calma por trás da voz da dentista catarinense Karinne Feuser esconde a exaustão e demonstra a resiliência adquirida ao longo dos meses de espera por uma resposta sobre sua situação.

Com o marido e o filho pequeno, eles se organizaram durante meses para se mudarem para a França, em um período sabático que poderia se tornar definitivo conforme as possibilidades que encontrassem. Karinne tem passaporte de Luxemburgo, o que dá direito à residência em um país da União Europeia a ela e à família. A preparação para a viagem foi grande: o casal deixou os empregos e estava com as malas prontas para o embarque em março.

As passagens foram compradas em 2019, sem saber que a data escolhida corresponderia à primeira semana após o início do confinamento na França.

Agora, a dentista vive uma espécie de limbo na qual estão muitos brasileiros e brasileiras que programaram viagens à Europa, mas estão impedidos de entrar no bloco devido à crise do coronavírus. Karinne contatou as autoridades de Luxemburgo em Lisboa - onde seu voo faria uma escala - e em Paris, onde pretendia fixar residência. Como resposta, recebeu informações divergentes e pouco esclarecedoras, preferindo adiar os planos por precaução.

Com passagens remarcadas para 31 de julho, a catarinense segue confinada com a família no Brasil sem nenhuma certeza de quando conseguirá embarcar. "Estamos vivendo há praticamente quatro meses de espera. É uma eterna espera e muita insegurança", desabafa.

"Pelo que a gente entendeu, a cada 15 dias, será revisada a lista de países que terão acesso à Europa. Claro que a gente fica na expectativa de que o Brasil entre nesta lista, mas a verdade é que está difícil de acreditar porque o Brasil está completamente caótico. A situação aqui é insuportavelmente mal administrada. Nunca existiu um verdadeiro isolamento social e, sem isso, não podemos ter esperanças de que os índices epidemiológicos da doença melhorem", afirma.

Nascimento do primeiro neto

A mesma situação é constatada pela assistente social paulistana Selma Manzini. "Falta firmeza e clareza das autoridades no Brasil no sentido de ação contra o coronavírus. Esse último fim de semana foi desesperador. Aqui em São Paulo, as pessoas estão levando as crianças para passear nos supermercados. As calçadas dos bares da Vila Madalena estavam lotados de gente tomando cerveja. As pessoas estão sem máscara na rua porque elas não estão preocupadas com a segurança delas, nem com os outros", relata.

Diante deste cenário, Selma perdeu as esperanças de poder viajar a Paris para acompanhar o nascimento do primeiro neto. A filha, Mariana, brasileira em processo de naturalização francesa, está grávida de sete meses.

Selma - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A assistente social paulistana Selma Manzini
Imagem: Arquivo Pessoal

Foi dela e do genro que Selma ganhou de presente as passagens para viajar à França no final de agosto. "Mas eu tinha até pensado em fazer uma surpresa e ir visitá-la antes, fazer um bate e volta, pra ver a barriga dela, acompanhar um pouquinho a gravidez... foi tudo por água abaixo. E agora nem vou poder ver meu neto tão cedo", lamenta.

Diante de todas as incertezas, a assistente social também acha que não teria autorização para embarcar devido ao trabalho que realiza em São Paulo, onde tem contato direto com pessoas. A principal preocupação agora é como a filha e o genro - cujos pais também moram longe de Paris - que deverão gerenciar sozinhos a chegada do bebê.

"Essa semana estou melhor, mas há duas semanas me bateu um desespero, chorei enlouquecidamente. A grande agonia é que você não sabe quando tudo isso vai se estabilizar. Minha filha também teve uma crise de ansiedade porque está só ela e o marido, os dois trancados em casa, e ela quer a mãe perto. Esse vai ser meu primeiro neto, queria estar perto da minha filha nesse momento", relata.

Selma 2 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Selma ganhou de presente da filha e do genro passagens para vir à França acompanhar o nascimento do primeiro neto
Imagem: Arquivo Pessoal

Amor não é turismo: casais separados pela Covid-19

As restrições para viagens impostas com a crise do coronavírus também separaram muitos casais binacionais pelo mundo afora. Nos últimos dias, algumas restrições vêm sendo suspensas para viagens turísticas. Dentro do espaço Schengen de livre circulação na União Europeia, autorizações a "viagens não indispensáveis" foram concedidas a viajantes originários de apenas 15 países. O Brasil está excluído da lista.

Com a determinação, muitos casais formados por brasileiros e europeus que não têm união formalizada estão impedidos de se reunir até que as restrições sejam revisadas. Para mobilizar as autoridades sobre a questão, o movimento "Love is not tourism" (Amor não é turismo) foi criado no Facebook e no Instagram. Através dele, histórias de amor interrompidas são compartilhadas, e informações sobre a evolução das medidas e regras são trocadas entre os membros. Uma petição em prol da reunião dos casais separados pela Covid-19 também foi criada na plataforma Change.Org.

A mastercoach e orientadora educacional Marisa Lobato e o noivo Horst. - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A mastercoach e orientadora educacional Marisa Lobato e o noivo Horst
Imagem: Arquivo Pessoal

Uma das integrantes do grupo é a master coach e orientadora educacional Marisa Lobato. Ela é noiva do alemão Horst e o casal está sem se ver há seis meses. Com a crise sanitária, os planos de casamento e a mudança da paulistana à Alemanha tiveram de ser interrompidos.

"O coronavírus chegou para ficar e ele vai ficar por muito tempo, até que a gente tenha uma vacina, provavelmente no meio do ano que vem. Então, a gente não pode passar todo esse tempo sem ver uma pessoa com quem a gente tem uma vida, com quem a gente quer formar uma família. Não há relacionamento que aguente isso", defende.

Marisa vem mantendo contato com alguns políticos sensíveis à causa, como o eurodeputado alemão Moritz Körner e a comissária sueca Ylva Johansson. Atualmente, a Alemanha mantém a decisão de não abrir as fronteiras para viajantes brasileiros. Mas a paulistana não perde as esperanças de reverter a situação. Em um vídeo direcionado à Comissão Europeia, ela faz um apelo para que a situação dos casais seja analisada para que possam se reencontrar.

"Nossa proposta é provar que temos um relacionamento à longa distância e de longa data. Estamos dispostos a apresentar provas de nosso relacionamento, atestados médicos na hora do embarque e à disposição para outros testes na chegada ao aeroporto. Essa é a nossa causa: queremos poder ir e vir com segurança, demonstrando que estamos saudáveis e sem desrespeitar as leis e regras dos países", afirma.

Histórias como as de Marisa e Horst se multiplicam no grupo. A assessora paulistana Gab Mota obteve no início de março um visto férias-trabalho para passar um ano na França e poder se encontrar mais facilmente com o namorado que é franco-libanês e mora em Genebra, na Suíça. No entanto, três dias antes de poder retirar o documento, as fronteiras da União Europeia fecharam e a vida profissional e amorosa da jovem está em pausa desde então.

A assessora paulistana Gab Mota - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A assessora paulistana Gab Mota
Imagem: Arquivo Pessoal

"Me programei muito pra isso, pedi demissão do meu trabalho e minha vida agora está literalmente no 'hold'. Além disso, o Consulado da França não dá informações, a gente liga, manda e-mail e não recebe resposta. Não sei se devo remarcar meu voo, se eu espero... Não entendo porque os estudantes, que vão sair do mesmo lugar que a gente, têm direito de viajar", diz.

A última vez que Gab viu o namorado foi em janeiro, quando ele a visitou no Brasil. "Quando anunciaram que iriam fechar as fronteiras, a gente ficou desesperado, porque não sabíamos o que fazer. No dia 2 de julho completamos um ano de namoro. Iríamos comemorar nosso aniversário na Coreia do Sul, mas também tivemos que cancelar. Talvez a gente consiga se ver no mês que vem no Líbano, onde ele tem família, e que está aberto para brasileiros", conta.

A professora de inglês e auxiliar de escritório Gabriela Rodrigues - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A professora de inglês e auxiliar de escritório Gabriela Rodrigues
Imagem: Arquivo Pessoal

Pensar em alternativas é o que mais tem feito a professora de inglês e auxiliar de escritório Gabriela Rodrigues, uma integrante ativa do grupo Love is not tourism no Facebook. O namorado, francês, deveria visitá-la em São Paulo em junho, mas teve a passagem cancelada um mês antes.

Desde então, a paulistana vem contatando autoridades no Brasil e na França, sem sucesso. "Mas todos sempre falam pra continuar aguardando, e dizem que poderíamos viajar apenas se tivéssemos união estável. Cada notícia é mais negativa. Atualmente eu não tenho a mínima ideia do que vai acontecer", desabafa.

Para ela, o mais difícil é não saber quando a situação poderá ser revertida. "Eu estou bem ansiosa, triste, com muita incerteza, é uma mistura de sentimentos. Fico feliz por chamarmos atenção nas redes sociais com o movimento #LoveIsNotTourism, mas o problema é que, não há uma previsão, nem a curto nem a longo prazo, e isso dá muita angústia, principalmente quando seu objetivo é estar com quem você ama, e não viajar a turismo", conclui.

Cada país estabelece suas próprias regras

Em 30 de junho, a Comissão Europeia adotou uma recomendação relativa à restrição temporária de viagens consideradas "não indispensáveis" dentro da União Europeia. A lista de países é revisada a cada 15 dias.

No entanto, cada país têm o direito de estabelecer suas próprias regras. Portugal, por exemplo, estabelece que, mesmo nos raros casos em que os brasileiros podem entrar na União Europeia, um exame atestando negativo ao coronavírus e realizado nas últimas 72 horas antes do embarque, deve ser apresentado na chegada ao país. Já a Suíça determinou que viajantes originários do Brasil e de outras 28 nações devem cumprir uma quarentena de 10 dias ao desembarcarem no país.

O Consulado-Geral do Brasil em Paris também indicou que não há impedimento para deslocamento de brasileiros para França na hipótese de reunião familiar, "desde que o cidadão francês comprove, com a apresentação dos documentos adequados, sua condição de cônjuge, companheiro (a), filho (a) ou pai e mãe".

Segundo a Embaixada da França no Brasil, aos viajantes que chegam ao país é pedido que efetuem uma quarentena de 14 dias voluntária. Indivíduos em trânsito para um outro país, estão isentos da recomendação, "contanto que não apresentem os sintomas da Covid-19". Já cônjuges e filhos brasileiros de franceses ou europeus que tenham autorização de residência podem entrar na França sem que tenham que realizar qualquer procedimento.

Aos brasileiros que desejam vir à França neste momento, o Consulado-Geral do Brasil em Paris pede que os cidadãos confiram previamente se o motivo da viagem se enquadra nos critérios definidos pela diretiva da União Europeia. "Para tanto, poderá contatar um dos consulados franceses no Brasil e as companhias de aviação", indica.

O órgão confirma que que as dúvidas de brasileiros e franceses sobre a autorização de viagens à Europa e ao Brasil são frequentes. "Convém salientar, no entanto, que a determinação dos critérios de ingresso de estrangeiros na França é de competência exclusiva do governo francês", salienta o Consulado-Geral do Brasil.

Categorias profissionais que podem entrar na França sem restrições:

  1. Profissionais da saúde, pesquisadores na área de saúde e profissionais de cuidados a idosos;
  2. Trabalhadores fronteiriços;
  3. Trabalhadores sazonais no setor da agricultura;
  4. Pessoal dos transportes;
  5. Diplomatas, pessoal de organizações internacionais e convidados de organizações internacionais cuja presença física seja necessária para o bom funcionamento de tais organizações, pessoal militar e trabalhadores da ajuda humanitária e pessoal da proteção civil no exercício das suas funções;
  6. Passageiros em trânsito;
  7. Passageiros que viajem por motivos familiares imperativos;
  8. Marítimos;
  9. Pessoas que tenham necessidade de proteção internacional ou apresentem outros motivos humanitários;
  10. Cidadãos de países terceiros que viajem para estudos;
  11. Trabalhadores altamente qualificados de países terceiros, se o seu trabalho for necessário do ponto de vista econômico e não puder ser adiado nem executado no estrangeiro.