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Coronavírus: confinamento altera rotina de parisienses e muda paisagem da capital francesa

Pontos turísticos e ruas de Paris estão ermas e sem o burburinho habitual de uma metrópole de mais de 2 milhões de habitantes - Ludovic Marin/AFP
Pontos turísticos e ruas de Paris estão ermas e sem o burburinho habitual de uma metrópole de mais de 2 milhões de habitantes Imagem: Ludovic Marin/AFP

Da RFI

17/03/2020 16h07

Aqueles acostumados ao movimento intenso do transporte público de Paris estranhariam as cenas vistas em diversas estações de metrô da capital na tarde desta terça-feira (17). Plataformas desertas eram o retrato do confinamento a que estão submetidos os franceses desde o meio dia pelo horário local (8h em Brasília).

Pelos alto-falantes, mensagens gravadas sobre os cuidados de higiene alcançavam os poucos passageiros a circular nas linhas, normalmente cheias naquela hora. "Em razão da situação sanitária, o tráfego está mais lento, prejudicado o funcionamento normal das linhas RATP. Proteja-se e às crianças seguindo orientações de higiene", dizia anúncio divulgado com insistência pela empresa concessionária dos transportes públicos da capital.

As ruas de Paris também estão ermas e sem o burburinho habitual de uma metrópole de mais de 2 milhões de habitantes. Feiras livres canceladas, além de todo o comércio não essencial fechado, dão ares inusitados à paisagem cotidiana.

"Parece aquele filme 'Pandemic' (de John Suits)", disse Julien Durand, a caminho da estação de trem. "Ontem foi o meu último dia na empresa e a partir de hoje me orientaram a fazer home office", explicou o jovem que, como a maioria dos profissionais, foi solicitado a ficar em casa. Em seu discurso à nação, na noite de segunda-feira (16), o presidente Emmanuel

Macron reiterou que "as empresas francesas deverão facilitar o trabalho à distância e que será preciso se adaptar para proteger os assalariados".

Na estação de metrô Madeleine, na região central de Paris, Marc Bernard se apressava com duas malas. "Nunca usei máscara na minha vida. É a primeira vez que preciso de cuidados assim", disse à reportagem da RFI o analista financeiro do Estado. Ele seguia para Marselha, no sul do país, na esperança de estar "mais seguro e num ambiente mais agradável do que na capital". "Vou tentar fazer tarefas no meu computador para não parar, mas a verdade é que no meu setor não está acontecendo nada, tudo em compasso de espera", afirmou.

Ônibus continuam circulando

Macron reiterou que "as empresas francesas deverão facilitar o trabalho à distância e que será preciso se adaptar para proteger os assalariados" - Joel Saget/AFP - Joel Saget/AFP
Macron reiterou que "as empresas francesas deverão facilitar o trabalho à distância e que será preciso se adaptar para proteger os assalariados"
Imagem: Joel Saget/AFP

Já o motorista de ônibus Gregoire L. não teve escolha. A postos essa manhã, ele disse que teme a epidemia. "Acho que o governo tem razão de tomar essas medidas. Eu faço o que posso: lavo as mãos, evito o contato, veja que não converso olhando diretamente para você, o que normalmente faria. Mas não tenho medo", afirmou à reportagem da RFI.

"Hoje podemos rodar com a porta que nos separa dos passageiros fechada, então não temos contato com eles", acrescentou. "Se eu tivesse máscaras e luvas usaria, mas não existem mais nas farmácias", relata, desolado. "Tem menos ônibus circulando porque alguns colegas tiveram que ficar em casa para cuidar dos filhos", acrescentou o motorista.

Poucos carros circulavam pelas ruas. No início da tarde, o único movimento era de corredores que não abriram mão de fazer esporte, já que algumas atividades físicas individuais estão liberadas, conforme a fala do presidente da República.

Faltam máscara nas farmácias

Homem de máscara - Christian Hartmann/Reuters - Christian Hartmann/Reuters
Acessórios de proteção serão reservados para os atendentes de hospitais, como médicos e enfermeiras
Imagem: Christian Hartmann/Reuters

"Se tivermos que morrer, vamos morrer, não adianta nada temer", disse à RFI o segurança James Fohana, que trabalha em uma farmácia em Issy-les-Moulineaux, cidade nos arredores da capital. Usando uma máscara cirúrgica, ele relatou que "ontem tinha muita gente pedindo álcool gel e máscaras, mas não tem mais para vender. Eu fico aqui para evitar tumulto", disse, confirmando a falta de tais produtos.

Conforme orientação do governo, os acessórios de proteção serão reservados para os atendentes de hospitais, como médicos e enfermeiras. Macron informou que o material seria entregue nas farmácias dos 25 departamentos mais afetados a partir da noite desta terça-feira e depois no resto do país.

Foi pensando nisso que a estudante Célia Frebert trouxe um kit completo de proteção na mala, direto de Beirute, no Líbano. "Eu acho que na França as pessoas não levam muito a sério os conselhos e não tomam as medidas necessárias para se proteger", disse. "Por isso, antes de vir, eu comprei máscaras e luvas para trazer, pois aqui não tem. Veja ao redor, aqui eu sou uma das únicas protegidas. É importante se proteger pelos outros", aconselhou.

Fronteiras europeias fechadas

Célia foi uma das últimas viajantes a poder entrar no país antes do fechamento das fronteiras aos estrangeiros, pelos próximos 30 dias. Após conversa com os demais líderes europeus, o presidente francês informou que a partir desta terça-feira, ao meio dia, as fronteiras dos países que compõe o espaço Schengen de livre circulação de pessoas estarão fechadas e viagens entre países não-europeus serão suspensas.

"Eu peguei o último voo para a França ontem à tarde. Agora eu fico até o fim do confinamento e depois espero poder voltar para o Líbano", conta Frebert, antes de embarcar para Clermont-Ferrand, na região central da França. "Tive bastante problema para encontrar transporte. Estou contente de ter conseguido um trem", concluiu.

Porém, mesmo quem já tinha passagem em mãos teve dificuldade. Foi o caso do estudante Marcel Petit, que também deveria seguir para Clermont-Ferrand, mas com partida da estação de trem de Bercy. O local, contudo, foi fechado e todos os trens desviados para a Gare de Lyon. "Eu não sei onde trocar minha passagem. Está tudo muito confuso. Ninguém está preparado para isso", dizia ele, em frente aos guichês fechados.

Todos os restaurantes da estação de trens de Lyon também estão de portas fechadas. Em uma das únicas bancas de bebidas disponíveis, o vendedor usava luvas e se ressentia de não ter uma máscara. "São 400 clientes por manhã, 1200 por dia. Não tem como saber quem está doente", lamentou, acrescentando que a loja fechará partir desta quarta-feira (18). "É do interesse de todo mundo seguir as medidas decretadas pelo governo, ou será uma catástrofe. Que Deus no proteja", concluiu.