Não esqueça a sobremesa: doces disputam protagonismo em menus em São Paulo

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Você está na etapa final de uma refeição deliciosa. Passou pela entrada, prato principal e se prepara para o arremate: a sobremesa.
Alguns restaurantes de São Paulo, porém, querem que você já esteja na expectativa para grandes emoções, não para uma etapa final, mas para um prato tão protagonista quanto os das outras fases.
"Formigão" ou não, nem pense em pular a sobremesa nesses lugares. Você com certeza vai se arrepender se fizer isso.
Clássico com um toque diferente
Giovanna Grossi, comandante do Animus (@animusrestaurante), por exemplo, não quer que a sobremesa seja somente "um final feliz", mas "o momento em que o cliente desacelera, respira e entende o que acabou de viver".
Não precisa ser doce demais nem super elaborada, ela tem que ser coerente. Eu gosto quando a sobremesa dá vontade de continuar a conversa, e não quando deixa a pessoa cansada do açúcar, opina.

É dela a receita do disputado — e nada óbvio — bolo de azeite com limão siciliano, com calda de fava de aridan e praliné de pistache, cuja receita você pode reproduzir em casa seguindo o passo a passo ao final da matéria*.
As pessoas se identificam com ele porque é um bolo, algo familiar, só que reinterpretado de um jeito novo, com ingredientes diferentes. Eu acho que o sucesso vem daí: do equilíbrio e da surpresa, diz.
Giovanna conta que, no restaurante recomendado pelo Guia Michelin 2025, não tem separação entre o salgado e o doce e a sobremesa passa pelo mesmo processo de criação que qualquer outro prato, pensando em textura, acidez e temperatura.
Velhos (e deliciosos) conhecidos
Janaína Torres, eleita melhor chef do mundo pelo 50 Best 2024 e dona do Bar da Dona Onça (@bardadonaonca), é criadora de algumas das sobremesas mais memoráveis de São Paulo: do brasileiríssimo merengue de mandioca, coco, mel nativo e nata à "Eu Sou Feliz Também" — pão de ló, sorvete de baunilha, calda de chocolate, caramelo cremoso, morango, chantilly e crocante de castanhas.

Mas o que derrete os clientes é mesmo nosso bom e velho brigadeiro.
O que mais ouvi nesses 20 anos de carreira é que meu seu brigadeiro é o melhor do mundo. E não fui eu quem disse isso, mas milhões de pessoas que já o provaram. Modéstia à parte, vou ter que concordar, nunca comi melhor, confessa.

Além dos elementos técnicos, Jana sempre traz algum elemento que conte uma história ou desperte uma lembrança. "Pode ser um ingrediente da infância, um sabor regional ou uma combinação que provoque curiosidade", diz.

O catalão Oscar Bosch, do recomendado Michelin Cala del Tanit (@caladeltanit), também é fã dos "doces afetivos", como a "rabanada espanhola" torrija, a tarta de queso e crema catalana, mas gosta de oferecer variedade e opções para todos os gostos, com clássicos.
Um exemplo é a tarte tatin, que está no cardápio do Tanit o ano todo. Mas não é uma tarte tatin simples, ela é feita em espiral, com finas camadas de maçã, quase como um mil-folhas, o que dá muito trabalho, mas o resultado visual é incrível, afirma.
Doces "verdes"
Mestres da cozinha de vegetais, Fabio Battistella e Gabriel Haddad, do Tau (@@taucozinha), pensam da mesma forma: assim como um primeiro prato que chega à mesa deve ser gostoso e bonito, para dar uma boa primeira impressão, o mesmo vale para a sobremesa, afinal, a última impressão é a que fica.
No menu mais recente, duas sobremesas se destacam por motivos diferentes.

De um lado, o clássico bolo de coco com abacaxi, com nuances aromáticas vindas do cumaru e da chicória do Pará. Do outro, o surpreendente sembei de gergelim com sorvete de tahine preta, uma sobremesa interativa, onde os clientes recebem um martelinho para quebrar o biscoito.
Para nós, um doce, além de gostoso na boca, não pode ser enjoativo, tem que ter equilíbrio. Aquela sobremesa que precisa ser acompanhada de um litro de água não é agradável, acreditam.
Doce é afeto
Com um pé no fine dining e outro na confeitaria, Tássia Magalhães fala com toda propriedade — e paixão:
O doce tem o poder de transformar o que foi vivido à mesa em lembrança, é o último gesto da cozinha, o que fica na memória e no corpo. Gosto de pensar que ela sintetiza tudo o que o restaurante propõe: afeto, leveza e equilíbrio. Ele não é um 'extra', é parte essencial da experiência, o ponto final que dá sentido à história toda.

Na doceria Mag Market (@magmarket_), o bolo de chocolate é a sensação, "quase um personagem à parte. É simples, mas profundamente afetivo — denso, úmido, intenso, com aquele sabor que remete à infância e ao mesmo tempo tem sofisticação".
Acho que o sucesso dele está justamente nisso: ele toca uma memória coletiva, um sabor que todo mundo reconhece, mas que carrega cuidado e precisão em cada detalhe.
Já no restaurante Nelita, 26º melhor restaurante da América latina pelo 50 Best 2024, bolos de coco com abacaxi e chocolate com capim santo, os mais pedidos, dividem espaço com criações de olhar contemporâneo, construído a partir do ingrediente até um prato que conte uma história.
Sempre parto de um sentimento, e não de uma receita. Às vezes é uma lembrança da infância, às vezes um ingrediente da estação que me desperta curiosidade. Depois, vem a técnica, que é o que permite traduzir a ideia com precisão.
No atual menu, chama atenção, por exemplo, a combinação entre flan de leite, com laranja e... bottarga! O caviar brasileiro, salgado e defumado, que dá o tom dos modismos interpretados no cardápio, vem em delicado sobre o doce.

O resultado é que muita gente diz que sai com a sensação de leveza, mesmo depois de um menu intenso, com 11 etapas. "Outros comentam que o doce desperta uma memória, um conforto — como se reconhecessem algo, mas sob uma nova luz", afirma.
Para mim, isso é o maior elogio: quando o prato toca o comensal de um jeito íntimo, silencioso. Porque, no fim, a sobremesa é isso — um gesto de carinho.
*Receita de Bolo de Azeite
Rendimento: 1kg - 10 porções
Ingredientes
- 40 g de raspas de limão-siciliano (zest)
- 600 g de açúcar
- 354 ml de azeite de oliva
- 90 ml de óleo
- 180 ml de suco de maçã
- 474 ml de creme de aveia
- 90 ml de suco de limão-siciliano
- 684 g de farinha de trigo
- 22 g de fermento químico
- 6 g de bicarbonato de sódio
- 6 g de sal
Calda de Aridan
- 500 g de açúcar
- 500 g de água
- 5 g de fava de aridan ralada
Praliné de Pistache
- 1 kg de pistache picado
- 1 kg de açúcar
Modo de Preparo
Bolo de Azeite:
Aqueça o forno a 160 °C. Misture o açúcar com o zest de limão até aromatizar. Em seguida, incorpore os líquidos e adicione ao açúcar. Peneire os ingredientes secos e misture até obter uma massa homogênea. Unte as formas e distribua cerca de 90 g de massa em cada uma. Asse por 30 minutos a 160 °C. Após assar, coloque em congelador para desenformar. Em seguida, regue com a calda de aridan morna. Deixe esfriar e leve à geladeira.
Calda de Aridan:
Leve todos os ingredientes ao fogo baixo e cozinhe por alguns minutos até obter consistência de calda. Deixe esfriar levemente e despeje sobre o bolo.
Praliné de Pistache:
Prepare um caramelo e adicione os pistaches. Despeje sobre um tapete de silicone e deixe esfriar. Bata metade até formar uma pasta lisa (não ultrapasse 45 °C para não talhar). Reserve em manga de confeitar. Corte o restante em pedaços pequenos. Espalhe a pasta sobre o bolo umedecido e finalize com o pistache picado.



























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