Como nasce um novo menu da alta cozinha? Fomos ao Evvai para descobrir

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Se você já se perguntou como surgiu sua música favorita, um quadro um livro ou um filme, na gastronomia criativa, a curiosidade sobre as inspirações não é diferente.
Diante das 15 etapas do novo menu do Evvai, comandado por Luiz Filipe Souza, cores, texturas, temperaturas, aromas, apresentações, ritmos e surpresas fazem parte de um processo muito mais árduo que um jantar pode revelar.
A não ser pelos divertidos cartões, desenhados por Luiz (que também fotografa o menu), com informações básicas sobre cada etapa, o restaurante quer mais que você passe o tempo saboreando cada item do que ouvindo longas explicações ou lendo uma Bíblia nos menus.

O jeito para sanar as perguntas foi mesmo entrar no "laboratório" de onde surgem ideias para mais uma virada 100% do menu-degustação oriundi, que soma, em oito anos de existência, duas estrelas Michelin conquistadas em 2024 e mantidas em 2025 e o 95° lugar entre os 100 melhores do mundo pelo World's 50 Best 2025.
Os três a quatro menus anuais foram reduzidos a dois, em janeiro e julho. Os motivos são simples para matemáticas complicadas: a logística de viagens do chef - em 2025, já foi mais de uma dezena de países diferentes - e a dificuldade de seguir a microssazonalidade do Brasil.
Diferentemente do Ivan [Ralston, chef do Tuju], que, de forma genial, criou temporadas com a visão dele, para gente começou a fazer mais sentido ter dois menus e mais energia dedicada a cada um deles, explica.
Laboratório dos sonhos
Para desenvolver tudo a cada seis meses, porém, nada começa por acaso. Entre primeiras ideias, testes, implementação e avaliação da hora do vamos ver de cozinha, serviço e, claro, comensais, Luiz mergulha em um fluxo de memórias, trocas, tentativas, erros e acertos.
Para este, tudo durou... oito anos, brinca.
O tempo todo, Luiz percorre suas notas, ideias cruas, produtos novos, inspirações e eis que chega a hora de mapear a troca:
"Três meses antes, começo a filtrar, amadurecer ideias e desenvolvendo as receitas. Mais perto, cerca de um mês e meio antes, me enfio nessa sala, trago sempre alguém da cozinha e vamos testando."
Há uma lista de ingredientes possíveis, que quando vindos de menus anteriores, são trabalhados a exaustão até que o chef e sua equipe não tirem mais nada de novo. O cupuaçu em polpa, que neste menu abre-alas para as sobremesas sob o nome Cupuaçu Absoluto, por exemplo, não deve estar no próximo ano.

Outras receitas surgem de histórias, como a surpreendente entrada de pasta fria com fagioli verde - uma brincadeira com a clássica sopa de pasta e feijões italiana -, desenvolvida ao lado da chef Clara Pavão.
Algumas são "eureca" das muitas viagens, como snack de atum e pitanga em formato de triângulo como os tramezzinos vistos por Luiz em Turim, onde aconteceu a premiação do World's 50 Best deste ano.

No meio do caminho há decisões mais pragmáticas, como a disponibilidade da proteína escolhida (o javali, por exemplo, poderia ter sido cordeiro) ou o custo de tempo e dinheiro na operação de detalhes tão sutis como a entrada ou não de uma tuille.
É também nessa fase em que são desenhadas as etapas. O pão será servido no começo, como prefere o público brasileiro. Em seguida, aperitivo, os snacks, entrada fria, entrada quente, a alternância de pratos para comer com garfo, e algo para comer com a mão ("pequeno, mas impactante").

Tudo em uma jornada de duas horas, como o chef acredita ser proveitoso para o cliente e, claro, factível com excelência por sua cozinha.
No cruzamento de ingredientes, receitas e etapas, surgem contrastes e camadas. Aqui, Luiz deixa claro que se trata de uma fase utópica do processo, sem pressões de entregar pratos num ritmo, por exemplo.
Hora da verdade
Já na hora em que tudo sai do segundo andar do sobrado do Evvai para a ampla cozinha, no térreo, é que a história pega fogo.
Nos primeiros meses, ainda rolam ajustes técnicos, às vezes quase invisíveis, outros nem tanto. Depende de como a cozinha performa e o cliente reage. É outra realidade e uma maturação do menu dia a dia. Não dá para saber o que esperar, afirma.
Como saber o que deu certo de ponta a ponta, então? Se sobrou algo no prato, algo não vai bem. E sim, seu "hum, que delícia" e carinhas satisfeitas dos clientes não passam despercebidas, são o feedback positivo imediato.
Se não são mudanças no prato, em textura, tempero, tamanho e sabor, são deslocamentos dentro do próprio menu: uma entrada pode virar uma etapa intermediária para fins de impacto no todo.

Nas sobremesas, a chef de confeitaria Bianca Mirabili está imponente, mas não perde o tom do todo, nem o humor. Na etapa Popcorn and ice cream, a elegância chega até mesmo aos pozinhos que explodem na boca, como naquele pirulito famoso dos anos 90.
O menu-degustação sai por R$ 1150, com três opções de harmonização com vinhos (a R$ 619, R$ 2113 e R$ 995) e especiais do dia - se tiver a seleção de queijos e meles de meliponas (R$ 79), não hesite em provar.
Sucessos surpreendentes
Em pouco menos de um mês desde a estreia do novo menu, Luiz já aponta alguns sucessos imediatos que podem surpreender muita gente. Inclusive os próprios cozinheiros.
A língua, por exemplo, que vem em forma de uma pequena lasanha com emulsões de agrião e cogumelos, mostra que a birra com a proteína por muitos considerada menos nobre, pode brilhar em um menu de fine dining.
Outra surpresa feliz tem sido a moqueca branca, com lula e pupunha. "Teoricamente, ele é o mais simples e o conceito já chegou muito pronto. Eu a Clara não tínhamos super expectativas sobre ele, mas virou estrela do menu", entrega.

E ao que se deve o sucesso? Para Luiz, ainda que repaginado e o único monocromático de todo o cardápio bem visual, ele é familiar e confortável ao público.
Os chefs, claro, também têm seus queridinhos. Luiz se divide entre língua e a casquinha de "não-siri" - na verdade, caranguejo. Já Clara, aposta muito no tortelini de pato com enguia laqueada no tucupi - corruptela saborosa do pato com tucupi.

O que pode vir para Oriundi 26.1...2..27
Diante do menu recém-lançado, Luiz não entrega muito o que pode estar por vir, mas sabe que pode voltar aos arquivos para uma tortinha de donut que não funcionou
Tem muita coisa que a ideia é boa, mas não dá certo. Ou a gente não tá maduro o suficiente, ou a gente ainda não entendeu o ingrediente da maneira correta, e aí ela não acaba desenvolvendo, afirma.
Sobre as viagens, o chef acredita que há muito do que se inspirar e ampliar o repertório, mas que vê a observação do próprio entorno paulistano como algo ainda mais importante.

A febre do chawanmushi, o pudim salgado de ovos visto à exaustão por pratos pelo mundo, por exemplo, criou a vontade de fazer algo semelhante, mas fora do comum, como a royale francesa quente, com cabeças de camarões carabineiros que compõe a base da casquinha de "não-siri".
As mudanças, porém, não ficam somente no próximo menu. Luiz também promete mudanças na estrutura da casa e do serviço. Prepare-se para mais destaque para os pães e um serviço ainda mais personalizado mesa a mesa.



























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