Saudade da infância: por que as festas juninas despertam tanta nostalgia
Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar
Colaboração para Nossa
21/06/2025 05h30
Basta o mês de junho chegar para que a memória afetiva de muita gente entre em festa. O cheiro de milho cozido, o som da sanfona e as bandeirinhas coloridas espalhadas pelas ruas funcionam como um verdadeiro gatilho emocional e são capazes de transportar adultos para os tempos de infância.
A verdade é que essa conexão com as festas juninas vai além de uma simples lembrança: é uma mistura de fatores. Segundo o psicólogo Douglas de Souza, professor da Estácio Curitiba, a nostalgia típica dessa época do ano tem diversas explicações e não surge por acaso. É fruto de uma combinação de motivos que influenciam tanto o corpo quanto as emoções, reforçados ainda por aspectos culturais que marcam o mês de junho.
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"Essa nostalgia é resultado de um entrelaçamento de fatores biológicos, como a redução de luz solar; psicológicos, como as memórias afetivas e as reflexões existenciais; e culturais, por conta de tradições que remetem à infância e ao convívio comunitário. Compreender isso pode ajudar a acolher melhor os sentimentos que emergem nesse período e até a promover práticas de autocuidado mais conscientes", explica.
Um convite para reviver o passado
Não é por acaso que a nostalgia junina costuma ter um foco especial na infância. Ainda de acordo com Douglas de Souza, a sensação de saudade está ligada a experiências que marcaram positivamente a vida das pessoas.
Do ponto de vista da Psicologia do Comportamento, a nostalgia acontece quando algum estímulo do presente - como uma música ou um cheiro - nos faz lembrar de momentos felizes do passado, principalmente da infância. Douglas de Souza
Nesse sentido, ele esclarece que, quando vivenciada de forma equilibrada, a sensação pode ter efeitos positivos. "Pode promover bem-estar, conexão afetiva e servir como fonte de motivação. O mais relevante não é a nostalgia em si, mas a função que ela exerce: se contribui para a ampliação do repertório e do contato com reforçadores no presente, pode ser considerada um recurso positivo no comportamento".
Tradições que deixam marcas
A memória afetiva em torno das festas juninas também é construída a partir de elementos sensoriais e culturais que se repetem ao longo dos anos. Para o pesquisador Túlio Augusto, artista plástico especialista em artes brasileiras, essa celebração ocupa um lugar especial na cultura popular do país justamente por reunir tantas camadas de significados.
"As festas juninas têm grande importância na nossa formação cultural, criando uma identidade única e cheia de influências que vêm da miscigenação brasileira. Apesar de ter muita influência europeia por conta da colonização, também há traços indígenas, africanos e do povo sertanejo. É uma festividade que resiste aos anos da nossa história, marcada pela valorização cultural", diz.
O artista plástico destaca ainda que, embora a tradição seja mais forte no Nordeste, acabou se espalhando por todo o território brasileiro. Isso se deve, segundo ele, aos processos migratórios que levaram nordestinos para os grandes centros urbanos, como São Paulo. "Criou-se uma identidade única e plural, que se revela e é explorada em vários meios de expressão", diz.
Da escola para o imaginário nacional
Para muita gente, a ligação afetiva com as festas juninas começa ainda na escola, nas quermesses do colégio e nas apresentações de quadrilha. Douglas de Souza reforça que os estímulos que fazem parte desse período - como as músicas, as comidas e os enfeites - são verdadeiros gatilhos emocionais.
"O olhar para esse contexto precisa respeitar a singularidade da experiência humana. Embora existam elementos culturais amplamente compartilhados, como as músicas típicas, as comidas tradicionais, o cheiro de fogueira e as brincadeiras, a forma como cada pessoa responde emocionalmente a esses estímulos é única, pois depende do seu histórico de vida, de aprendizagem e das experiências afetivas ligadas a essas memórias", avalia o psicólogo.
Túlio Augusto complementa que, mesmo com as diferenças regionais, há uma espécie de memória afetiva compartilhada sobre o período. "Quem nunca, em junho, dançou um Luiz Gonzaga, um bom xaxado ou colocou aquela roupinha de São João para brincar nas ruas ou nas quermesses, bom brasileiro não é", brinca o estudioso.
Mudanças, adaptações e novas formas de celebrar
Com o tempo, a forma de viver o São João também passou por transformações. O especialista comportamental ressalta que essas mudanças refletem "as alterações nas contingências de reforçamento e nos controles ambientais que influenciam o comportamento social".
A substituição das quermesses tradicionais por grandes eventos patrocinados e a mediação por redes sociais introduziram novas variáveis antecedentes e consequências, que impactam a participação e a frequência dos comportamentos sociais Douglas de Souza.
Já para Túlio Augusto, mesmo com as adaptações, o mais importante é manter a essência da festa viva. "Acredito que nada se perde, pelo contrário. Disseminar nossa cultura, desde que não sofra descaracterização, é de extrema importância para que nossa manifestação cultural não morra. Difundir é necessário e ter acesso é primordial", frisa.
O pesquisador destaca ainda que as festas juninas inspiram diferentes formas de arte no Brasil, como a música, a moda e até o artesanato. "O casamento matuto já foi e é tema de filmes e obras de arte. A vida do sertanejo é uma grande base criativa para tantos artistas", comenta.
Nostalgia como conforto e resistência cultural
Além do aspecto emocional, a nostalgia junina ainda pode ter uma função terapêutica, sabia? O psicólogo e docente explica que relembrar experiências positivas pode ajudar a lidar com os desafios da vida adulta, por exemplo.
"A nostalgia pode ser uma estratégia funcional de autorregulação emocional, auxiliando o indivíduo a lidar com frustrações e desafios, desde que mantenha o equilíbrio entre recordar o passado e, apesar disso, ser capaz de se engajar nas contingências do presente", observa o professor.
Além disso, o artista plástico reforça que preservar essa memória cultural é um ato de resistência. "Manter viva a nossa cultura é primordial para que as próximas gerações tenham acesso a isso não apenas em livros e museus, mas que possam vivenciar de forma física e com valorização tudo que foi criado e que formou a nossa identidade cultural".
Para o especialista em brasilidades, "nossa relação de afetividade e nostalgia com a cultura é uma forma de cultivar toda a nossa história". "Não adianta sentir saudade e não valorizar. A gente precisa comprar a nossa cultura de forma positiva, fazer com que ela continue viva, de geração em geração", defende.