Apostas furadas, onda latina e só um brasileiro: os bastidores do 50 Best
"Eu acho que vai dar Maido". "Eu aposto minhas fichas no Gaggan". "DiverXO, com certeza". Enquanto a acalentada discussão girava em torno de qual restaurante seria o grande vencedor anunciado algumas horas mais tarde, o chef carioca Rafa Costa e Silva brincou: "Vai ser Lasai na cabeça".
Em uma mesa em U montada na parte inferior de uma trattoria no centro de Turim para acomodar a comitiva brasileira — a que se somaram, também, portugueses, colombianos, equatorianos e dois chilenos — todo mundo riu.
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"Mas quero mesmo ver todo mundo torcer como se fosse", incitou a chef Janaína Torres (do Bar da Dona Onça e do projeto À Brasileira), que na mesma cerimônia passaria o bastão de Melhor Chef Mulher do Mundo para a tailandesa Pam Soontornyanakij.
Ainda que não tenha ficado em primeiro lugar no ranking de 2025 dos World's 50 Best Restaurants, a lista mais influente e controversa da gastronomia, o Lasai, no Rio de Janeiro, foi o único brasileiro eleito entre os melhores restaurantes do mundo.
O restaurante localizado no bairro de Botafogo conta com apenas dez lugares por serviço, e uma cozinha minimalista com foco em vegetais e produtos locais que chegam de pequenos agricultores e das fazendas mantidas pelo próprio chef.
"Queria que tivéssemos mais [brasileiros] este ano", confessou Costa e Silva, o único representante do país. O Brasil, no entanto, nunca teve mais de dois restaurantes entre os melhores em um mesmo ano desde que a lista começou a ser divulgada, em 2002. D.O.M., Maní, A Casa do Porco e Oteque foram os outros que já se revezaram entre os melhores.
"Nós também somos bons de torcida", voltou à carga Janaína.
Peru é número 1
À noite, os brasileiros se somaram aos gritos de outros países latino-americanos quando o Maido, de Lima, foi anunciado como o número um do mundo — um pequeno grupo de pessoas sentadas à mesa mais cedo estavam certas.
Foi um ano de previsões difíceis. Existia uma expectativa (pelo menos na bolsa de apostas não-oficial) de que o espanhol Asador Ettebarri, que ficou sem segundo no ano passado, subisse uma posição e dominasse o cenário.
É uma espécie de sucessão natural que acontece na lista: geralmente o número 2 do ano anterior ascende ao número 1. Às vezes há surpresas em algumas edições, outras as previsões matemáticas não se confirmam.
Foi o que aconteceu, para desilusão de alguns dos presentes. Para outros, um motivo de grande festa. No mundo das premiações — onde a justiça sempre se veste de interesses — costuma mesmo ser assim.
Foi a segunda vez que um restaurante latino-americano chegou ao topo — em 2023, o também peruano Central marcou história ao ser o primeiro a conquistar a posição, servindo comida local, sem acentos franceses ou de outras culturas europeias, que sempre dominaram o cenário gastronômico mundial.
Foi o que recebeu a maior quantidade de votos dos 1.120 especialistas pelo mundo que compõem a academia do The World's 50 Best Restaurants do que qualquer outro restaurante. O número de votos recebido por cada um dos restaurantes não é divulgado pela premiação.
Talvez seja um novo caminho de reconhecimento que se abre para o cenário gastronômico.
Já provamos que a cozinha latina não é uma moda. Temos sido muito consistentes, temos ingredientes, história, práticas milenares. Acho que o mundo já percebeu que precisa nos respeitar, afirmou Mitsuharu "Micha" Tsumura, o chef do restaurante, na coletiva de imprensa.
Segundo o 50 Best, "o Maido atinge o ponto ideal da experiência gastronômica de inúmeras formas: apresenta pratos peruanos-japoneses deslumbrantes - e muitas vezes totalmente originais - num ambiente genuinamente descontraído".
O restaurante, em sua proposta Nikkei, também valoriza ingredientes antes esquecidos da Amazônia peruana, criando receitas criativas e deliciosas.
"É um triunfo tanto do individual - na figura do carismático chef-proprietário Micha Tsumura - quanto do coletivo, como comprova a equipa brilhante que o rodeia", completa a avaliação do ranking.
Micha defende a autenticidade de sua cozinha. E afirma que a conquista do Maido serve como inspiração para outros restaurantes da América Latina, mostrando que é possível alcançar esse nível.
É uma questão de representatividade, que é algo fundamental, diz.
Novos ares
Entre os 10 restaurantes do mundo, 4 são latinos — uma mais que o ano passado. No total, foram, 10 restaurantes na lista completa. Chamou atenção também a presença de Bangkok na lista, a cidade com mais restaurantes entre os 50: 5, no total, incluindo o Gaggan, na sexta posição.
A Ásia (11 restaurantes) também veio representada com países como Singapura, Coreia do Sul, Hong Kong e Japão, é claro. Neste ano, menos da metade dos restaurantes são da Europa — continente que antes dominava a lista.
Foi um resultado diverso, num ranking que reúne restaurantes de 22 territórios em cinco continentes — com 10 estreias (ou 20%) e dois retornos à lista após um período de ausência.
Como todo ranking, o 50 Best funciona mais como um termômetro das preferências e transformações da gastronomia no último ano do que como uma análise definitiva. É uma fotografia de um momento: ajuda a medir a temperatura das águas, ainda que não explique todas as suas correntes.
Entre os destaques, surgem outras localidades e nomes novos e chefs mais jovens do que nunca, indício de que uma nova onda pode estar se formando no horizonte gastronômico global. Por ora, a que veio dar à praia chegou da América Latina — com sotaque e sabor peruanos.