Braço roxo, dor e ajuda: quando a moda do tapete vermelho exige sacrifício
Gustavo Frank
Colaboração para Nossa
18/06/2025 05h30
O vestido de Marina Ruy Barbosa durante o baile da amfAR foi apresentado sob os flashes do evento neste ano como uma armadura de alta-costura — branco, inteiramente bordado e com estruturas que pareciam saídas de um editorial de ficção científica. O busto era moldado em linhas geométricas, com um caimento ajustado à silhueta e detalhes metálicos bordados em alto relevo que recobriam o tecido.
Mas bastou uma câmera captar seu ombro para o visual ganhar outra camada. Pessoas notaram as marcas roxas no braço da atriz brasileira em Cannes, e a então ex-ruiva justificou em suas redes: "O vestido pesava mais de 15 kg." A peça da Balmain, feita sob medida e originalmente sem alças, revelou-se tão monumental quanto incômoda.
Em um universo onde a moda é performada como narrativa visual, o desconforto muitas vezes faz parte do roteiro. Ainda que não apareça no crédito final. Há algo silencioso e quase ritualístico na forma como o sacrifício físico é incorporado em nome da imagem.
Porque o que brilha na passarela ou no tapete vermelho muitas vezes é o resultado de estratégias que envolvem não apenas construção de look, mas também certas limitações.
Kim Kardashian talvez seja um dos exemplos mais emblemáticos. No Met Gala de 2019, a empresária surgiu com um vestido de látex cor de carne assinado por Thierry Mugler, que simulava um corpo recém-saído do oceano, coberto por gotas d'água artificiais aplicadas uma a uma. Por baixo, um corset tão apertado redefinia completamente sua silhueta, afinando a cintura até limites quase irreais.
O efeito visual foi impactante tanto quanto sua declaração posterior, de que não podia se sentar nem ir ao banheiro e que praticou técnicas de respiração para suportar o traje durante o evento. "Nunca senti uma dor como aquela na minha vida", disse ela em entrevista à "WSJ Magazine".
Lady Gaga, no mesmo baile, fez uma performance histórica em quatro atos. Sob um volumoso vestido rosa-choque de tafetá, escondeu outras três camadas, cada uma com um novo visual: um vestido preto com guarda-chuva, um slipdress justo e, por fim, lingerie cravejada e plataforma altíssima. Tudo dirigido por Brandon Maxwell, em uma coreografia precisa. O corpo era parte do espetáculo — e o figurino, uma construção em movimento.
Já o vestido amarelo usado por Rihanna no Met Gala de 2015, assinado por Guo Pei, pesava mais de 25 quilos. Feito com bordados dourados sobre tecido de seda acolchoada, a peça trazia uma cauda circular imensa, contornada por plumas que se estendiam por metros.
Foi levado escada acima com a ajuda de assistentes — não por fragilidade, mas porque exigia espaço e atenção. O visual, capturado do alto, tornou-se um dos mais emblemáticos da década.
Doja Cat, por sua vez, em 2023, apareceu no mesmo evento completamente transformada. Com próteses felinas no rosto, maquiagem perolada, olhos delineados em traços curvos e um vestido cravejado com pedras cintilantes, a artista escolheu incorporar literalmente o tema da noite - "In honor of Karl", incentivando os convidados a incorporarem elementos característicos do estilo de Lagerfeld.
O resultado chamou atenção tanto pela construção quanto pela escolha de dificultar a comunicação verbal — o visual falava por si. Kylie Jenner, no desfile da Schiaparelli, apareceu com uma cabeça de leão hiper-realista presa ao ombro de um vestido preto com modelagem assimétrica. A escultura era feita em resina, lã e seda, inspirada em "A Divina Comédia".
Até os sapatos têm suas histórias. Kendall Jenner comentou, certa vez, sobre os machucados deixados por saltos muito altos após longas horas em pé. Em eventos onde a circulação é constante e o tempo de exposição é longo, detalhes como a inclinação do salto ou a curvatura da sola tornam-se decisivos.
Bella Hadid, em Cannes, foi fotografada com assistentes ao lado para ajudá-la a subir escadas com um vestido colado ao corpo, de fenda estreita e tecido estruturado.
Já Zendaya, conhecida por seus looks icônicos, costuma compartilhar bastidores onde stylists, costureiros e assistentes moldam as peças diretamente no corpo — looks que se encaixam como armaduras, pensados para um instante específico diante das câmeras.
É o tipo de desconforto que, em certos contextos, não só é aceito, como é previsto e até abraçado pelas celebridades. Dito isso: há quem trate o tapete vermelho como um palco, e o figurino, como parte de um papel. Em muitos casos, nada é por acaso — e talvez justamente por isso funcione.