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Dinamarca tem 'cidade dos sorrisos': brasileiros dizem se felicidade é real

Parque de Aarhus, na Dinamarca Imagem: Eder Content/UOL

Colaboração para Nossa

14/06/2025 05h30

A dinamarquesa Aarhus foi apontada em maio como a quarta cidade mais feliz do mundo pelo Índice Cidade Feliz de 2025, elaborado pelo think tank britânico Institute for Quality of Life (Instituto para Qualidade de Vida). Mas, afinal, como é viver em Aarhus? Brasileiros que vivem por lá contam a Nossa.

Publicitária de formação, Fernanda Martins, de 27 anos, mora em Aarhus há dois anos e trabalha em uma loja de bagels. A mudança foi motivada por amor: ela se casou com um dinamarquês que havia escolhido a cidade para fazer faculdade.

Decidimos nos mudar para cá pelas condições de vida, o salário que eu recebo aqui na loja de bagels é maior do que o da minha gestora no Brasil, quando ainda trabalhava com design gráfico.

Apesar de ter sido bem recebida, Fernanda conta que a adaptação não foi fácil.

"Eu dei muita sorte, a família do meu marido foi bem calorosa comigo quando cheguei, cuidaram muito bem de mim. O mais desafiador tem sido a língua e a diferença de jeitos entre brasileiros e dinamarqueses. Eles têm um costume de não te incluir na conversa se não estão falando com você. Ficava emocionalmente exausta", desabafou a Nossa.

A cidade gosta da "ideia" dos brasileiros, mas não da convivência. Eles nos tratam cordialmente, mas ter amizade com dinamarquês às vezes parece algo impossível. Eles querem que nós falemos a língua deles, então o tratamento muda um pouco dependendo de quem fala mais ou menos. Fernanda Martins

Esta não foi a experiência de Daniele Lima. A psicóloga de 27 anos mora na cidade desde agosto de 2024, desde que o marido iniciou o doutorado na Universidade de Aarhus com uma bolsa que comprometeu o casal a pelo menos três anos vivendo por lá.

Atualmente, ela realiza apenas trabalhos voluntários e estuda dinamarquês em um centro de línguas gratuito — como Fernanda, que começou a aprender a língua em uma igreja.

Radhuspladsen, em Aarhus, na Dinamarca Imagem: Júlia Mandil/Eder Content/UOL

Daniele esperava ser tratada com rispidez e até ser vítima de xenofobia, mas conta que se surpreendeu.

Entendi porque aqui na Dinamarca ela é conhecida como a cidade dos sorrisos, é muito fácil receber um sorriso simpático de um morador de Aarhus.

Já a empresária, professora e dançarina de samba Lúcia Valeria Svensson, de 58 anos, vive em Aarhus há 15 anos.

Hoje parte da diretoria de uma pequena escola de samba, a Sambananasdk, ela se mudou para a cidade a trabalho após receber um convite de outra brasileira para cuidar dos filhos dela. No início, achava Aarhus fria e escura, já que chegou por lá no outono.

A biblioteca pública e centro cultural Dokk1, em Aarhus Imagem: SmartDrones Aarhus/Creative Commons

"O maior desafio foi o frio e a saudade da família. Eles costumam receber bem os estrangeiros, principalmente os que vêm de países em guerra, mas não toleram estrangeiros que não se integram a sociedade, não falam a língua e vivem às custas do governo. No geral, os brasileiros são muito bem-vindos e eles adoram nosso samba", conta.

Espera por um emprego x mais segurança

Tanto Fernanda quanto Daniele, no entanto, contam que não é fácil para um brasileiro arrumar emprego em Aarhus se não havia uma proposta de trabalho antes da chegada como Lúcia.

A luta por uma vaga pode ser longa, especialmente quando não se é fluente no idioma. Fernanda limpava hotéis e trabalhava também como assistente de cantina nos seus primeiros meses, enquanto estudava o dinamarquês.

"Essa é a realidade de muitos brasileiros aqui, é extremamente difícil conseguir algo na área que estudamos. Nunca vou esquecer de uma brasileira formada em ciência molecular e que estava trabalhando com limpeza de hotéis", relembrou. Daniele faz coro.

Escadaria da prefeitura de Aarhus Imagem: Rafael Mosna/UOL

"Dizem que há uma demora de seis meses para encontrar seu primeiro emprego aqui. E você precisa falar no mínimo inglês fluentemente. Eu consegui um emprego de limpeza, mas não consegui continuar por questões de saúde física. Empregos como vendedor, caixa de supermercado, armazém, McDonald's, só falando dinamarquês ou conhecendo alguém por networking. Há muitas vezes a preferência por quem tem sobrenome dinamarquês e a concorrência é grande", nota.

Mas a possibilidade de ir e vir nas ruas sem medo compensa muitas das dificuldades para os brasileiros. "Me sinto mil vezes mais segura e respeitada como mulher na Dinamarca. Consigo ir pra qualquer lugar com qualquer roupa", conta Fernanda.

A minha segurança melhorou no sentido de não ter ansiedade de sair na rua ou voltar tarde pra casa, sem medo de ser assaltada, assediada ou assassinada, diz Daniele.

Clima, saúde e serviços quase frustraram sonho europeu

O inverno dinamarquês, especialmente o primeiro, foi desafiador para Daniele.

"No inverno, os dias ficam mais escuros, escurecendo às vezes no final das três da tarde, as ruas ficam mais vazias, as pessoas se recolhem e ficam mais contidas. Tudo isso favoreceu para uma queda no meu humor, mais crises de choro e mais saudade do Brasil", relembra.

Já Fernanda admite que não é fã do sistema de saúde dinamarquês, apesar de acreditar que sua qualidade de vida melhorou em Aarhus.

Você só vai pro hospital se estiver morrendo, levou um tiro, sei lá. Se você aparece com uma dor intensa há três dias, eles te mandam pra casa com ibuprofeno e tchau, reclama.

Daniele também sente saudades de serviços mais acessíveis — comer em restaurante pode ser bastante caro em Aarhus, em sua opinião.

Deixei de fazer alguns procedimentos estéticos que me faziam ter mais autoestima por conta do preço de serviços aqui, como corte de cabelo chegando a R$ 600 reais, sobrancelha a R$ 400 reais e depilação de cera por volta dos R$ 500 reais. Não estou exagerando.

O brasileiro é mesmo mais feliz em Aarhus?

A possibilidade de viver uma vida financeira mais confortável e de viajar com mais facilidade são pontos que contribuíram para a qualidade de vida de Fernanda.

"Me sinto feliz hoje em dia porque, além de ter realizado todos os meus sonhos, com seus custos, tenho uma liberdade financeira imensurável. Não ganho um salário gigante aqui, mas comparado com o Brasil sou capaz de pagar as minhas contas e ter um pouco para mim no final do mês. Sou capaz de viajar para todo canto e moro nessa cidade linda, que ganhou meu coração".

A qualidade de vida é incrível aqui, mesmo sendo um país bem caro. Fernanda Martins

Lúcia concorda — ela se diz muito feliz em Aarhus. "Eu conquistei em 15 anos muito mais do que sonhei. O estado fornece ao cidadão a possibilidade de educação, saúde e segurança. Isto é o básico para se viver feliz", elogia.

Para Daniele, a experiência também é positiva, mas ela ainda não sabe se quer permanecer em Aarhus, apesar da vontade do marido. "Estou sempre dividida. Mas aí penso na segurança e infraestrutura e fico querendo permanecer aqui, porque sei que meus futuros filhos teriam uma qualidade de vida muito maior que no Brasil", confessa.

Para ela, o ranking reflete a qualidade de vida que a administração pública oferece aos cidadãos.

As pessoas que cresceram aqui possuem um excelente bem-estar social oferecido pelo governo através da arrecadação de impostos. Os impostos são altos? São, mas há resultado. odo esse suporte pode compensar a falta de sol nesse lugar, além da boa perspectiva de futuro, a segurança que o Estado te oferece e o suporte de muitos programas sociais se algo der errado. Daniele Lima

Tanto Lúcia, quanto Daniele destacam que se sentem à vontade para confiar nos dinamarqueses, o que contribuiu para sua felicidade em Aarhus. "Os dinamarqueses são bem corretos, honestos e bem abertos para outras culturas. Pensam muito em cuidar do meio ambiente e têm estrutura e engajamento em tudo que fazem", diz Lúcia. Daniele diz que esse cuidado com o outro é esperado e mútuo.

"As pessoas confiam que você não vai enganá-las ou machucá-las e se elas fizerem isso é tratado como exceção e com grande surpresa, ou seja, a maioria das pessoas possuem boa-fé, elas não querem tirar proveito da sua confiança", acredita Daniele.

"Menor cidade grande do mundo"

Esta é a alcunha pela qual Aarhus é conhecida. Na prática, reflete o paradoxo de um município portuário de pouco mais de 300 mil habitantes, mas que é um centro universitário no coração da Europa e a segunda maior cidade do país.

Um dos prédios da Universidade de Aarhus Imagem: Villy Fink Isaksen/Creative Commons

Situada no distrito dos Lagos, Sohojlandet, Aarhus foi fundada ainda na era Viking, no final do século 8, e foi uma das mais antigas vilas dinamarquesas. Há mais de mil anos, seus primeiros povoados foram se formando na costa de um fiorde às margens do rio Aarhus.

A primeira igreja cristã do vilarejo foi construída por volta do ano 900, mas foram os vikings quem acabaram fortificando seus entornos contra ataques externos e estabelecendo a comunidade, segundo registros arqueológicos da Universidade de Bergen, na Noruega.

Durante a Idade Média, ela se fortaleceu como porto comercial, mas seu grande salto de crescimento aconteceu com a Revolução Industrial, no século 19, e a chegada das linhas férreas a Aarhus.

Décadas depois, em 1928, a primeira universidade de toda a península da Jutlândia foi fundada na cidade e consolidou sua importância não apenas econômica, mas de desenvolvimento social e cultural para a região.

Em 2017, Aarhus foi escolhida como Capital Europeia da Cultura e promoveu uma maratona cultural diversa de olho no futuro, alinhada com sua atmosfera progressista, já que a média de idade de sua população é de apenas 38 anos, graças à comunidade de cerca de 45 mil estudantes que vivem por lá.

Apesar do clima pacato, Aarhus atrai interessados em sua variedade de museus, restaurantes premiados, esportes aquáticos e até na cena musical, já que está situada a menos de três horas de trem de Copenhague.

Entre as principais atrações locais está o museu de arte contemporânea ARoS, com sua colorida passarela "Your Rainbow Panorama", do artista dinamarquês Olafur Eliasson, de onde se pode ver toda a cidade. Outra parada que atrai curiosos é Vor Frue Kirke, Igreja de Nossa Senhora originalmente construída em 1060 —a mais antiga igreja de pedra de toda a Escandinávia.

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