Chef serve carne de alce e comida mais fedida do mundo em jantar em SP
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A chef Denise Guerschman, que há anos se dedica aos sabores nórdicos em São Paulo, sairá da cozinha de seu restaurante Escandinavo, no jantar desta terça-feira (20), e, somente quando estiver na calçada, abrirá suas latinhas de arenque fermentado, popularizado como a comida mais fedida do mundo.
Na Suécia só é permitido comer arenque fermentado ao ar livre. Lá, as pessoas chamam isso de peixe podre, embora seja exatamente o contrário, um peixe super conservado no sal, diz.
Na ocasião, ela fará um churrasco viking, em que servirá, também, carne de alce, o maior cervídeo do mundo, que pode pesar até 500 quilos. São animais com chifres enormes, que vivem em pântanos e em florestas em estado selvagem.
"A carne é obtida por meio de uma temporada de caça regulamentada, uma tradição muito enraizada na cultura nórdica", explica a chef, que fará o steak na churrasqueira, em brasa de macieira (R$ 65, o espeto).

Sua carne, nutritiva e com baixo teor de gordura, tem aparência semelhante à da carne bovina, com um avermelhado profundo, e sabor delicado, que contrasta com a aparência imponente do animal. É a sua alimentação, concentrada em plantas silvestres, pinheiro de zimbro e frutas vermelhas, que lhe dá essa característica suave.
Há registros de que até sua língua é cobiçada. No final do século 19, Theodore Roosevelt (1858-1919) revelou seu apreço pelo miúdo que, em suas palavras, são deliciosos de comer, suculentos, macios e bem aromatizados. "São excelentes para levar como almoço em uma longa viagem de caça", ele disse à época.
No Escandinavo, a carne de alce será amparada por três molhos feitos na casa, o de mostarda com hidromel, o creme azedo e o de lingonberry, uma fruta vermelha semelhante ao mirtilo, nativa do Hemisfério Norte, típica das florestas boreais e da tundra. Frutas vermelhas, aliás, faziam parte da dieta dos vikings, assim como leite de cabra e manteiga.
Dizem que os vikings eram enterrados com manteiga, uma das coisas mais preciosas em sua cultura. Até pouco tempo atrás, manteiga na Escandinávia era dada como presente de casamento.

A carne de alce irá incrementar, ainda, uma farofa com zimbro e cogumelos kantareller, que cresce no solo das florestas perto das árvores e têm aroma frutado — aqui, é conhecido como cantarelo (R$ 38).
Fedido e poderoso

Guerschman, que vai cozinhar ao lado da chef Daniela Capato, uma brasileira que atua em Estocolmo, servirá o arenque fermentado, o surströmming, em canapés (R$ 32). Os peixes serão acomodados sobre pães artesanais: um deles é feito exclusivamente com centeio; o outro, de fermentação natural, recebe em sua composição sementes de girassol e de abóbora depois de fermentar em um vidro.
É ao solstício de verão, quando se comemoram as colheitas, que o consumo desse manjar está associado. "As mulheres se reúnem para festejar as plantas, com coroas de flores na cabeça, e todos comem o arenque fermentado no sal".
De todos os peixes, provavelmente o que teve mais influência na história econômica e política da Europa foi justamente o arenque, cuja pesca e salga para a exportação tiveram grande relevância. Trata-se de um peixe oleoso, que normalmente nada em cardumes enormes e aceita diferentes tipos de cura. São métodos de conversa tradicionais que remontam aos tempos medievais, como o que usa o processo de defumação, com fumaça quente.
Os arenques trazidos de Estocolmo para o jantar no Escandinavo descansam em salmoura, em latinhas que incham ligeiramente para acomodar a fermentação. São do norte da Suécia, do mar Báltico -menores que o do Atlântico e com menor teor de gordura.
O escritor britânico Alain Davidson (1924-2003), autor da enciclopédia "The Oxford Companion to Food", conta que um oficial naval sueco disse a ele, que quando comiam surströmming a bordo do navio, as latas eram sempre abertas no convés, por causa do cheiro. O procedimento depois disso é drenar e enxaguar o peixe; polvilhar um pouco de cebola-roxa picada sobre eles, para reduzir o cheiro; e levantar os filés.
Guerschman e Capato vão oferecer bebidas também associadas ao universo nórdico, no qual destaca-se a aquavit, um destilado de grãos ou de batatas, aromatizado com ervas, típico da Escandinávia. A dose vai custar R$ 35.
Haverá, ainda, sidra em lata (R$ 38), cerveja nórdica em lata (R$ 38) e hidromel (R$ 35), uma bebida alcoólica fermentada, feita com mel e água, que, ao ser envelhecida, desenvolve nuances complexas. Há registros que a consideram uma das bebidas alcoólicas mais antigas do mundo.
Cultura "conservada" e preservada

Em seu restaurante Escandinavo, caracterizado com objetos que remetem ao norte da Europa, Denise Guerschman não é só chef e proprietária — cuida do salão, das compras, dos eventos. No cardápio, passeia por receitas típicas dessa mesma região, que abrange Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Islândia.
Seus preparos dispensam fritura e, geralmente, fazem uso de gorduras como creme de leite e manteiga fresca, de grãos e de produtos resistentes ao frio extremo, como tubérculos e repolho.
Sempre se repetem na oferta, conservas e picles variados. "Lá são pelo menos seis meses de inverno intenso, então as pessoas fazem conservas, curas, fermentados para a comida durar." Esses processos concentram o sabor dos alimentos e essa característica a chef tenta reproduzir no Escandinavo.

A cenoura inteira, assada, que acompanha o salmão curado e defumado, tem um traço adocicado. "Qual foi a última vez que uma pessoa comeu uma cenoura inteira com gosto de cenoura?", a chef se pergunta.
Em sua cozinha, Guerschman respeita os processos e os tempos. Não corta caminho para preparar um purê de cebola, por exemplo, em que usa apenas os bulbos cozidos lentamente em fogo baixo, com manteiga e um pouquinho de sal. O preparo resulta cremoso, escuro, caramelizado, com um adocicado intenso.
Não desperdiça nada. As rodelas de limão para servir nas bebidas, são congeladas em cubos de gelo, para que não envelheçam na geladeira. Maçãs podem ser usadas frescas sazonalmente, como na Escandinávia, que tem muita produção.
Mas é por um curto período. Depois, eles fazem o quê? Sidras, compotas, purês, e guardam pelo resto do ano. A conservação, então, é um dos eixos da minha cozinha.
Sempre que pode, Guerschman visita a Noruega, onde já morou por quase dez anos. Em suas viagens, gosta de pescar. "Já pesquei bacalhau no norte da Noruega e também já fiz aquela pesca no gelo. Fomos a um lago congelado, fizemos um furinho no gelo e pescamos ali."
Ao seu restaurante e à sua vida, ela tenta imprimir um pouco da filosofia da Escandinávia. "Não tenho carro, não tenho TV e leio bastante", diz a chef, apaixonada por seu ofício.
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